quarta-feira, 1 de julho de 2009

Feminista vegetariana

"Nada pior que uma feminista vegetariana!". Era o que eu (isso mesmo, euzinha) costumava dizer assim que entrei na faculdade. Outro dia, quando escrevi o post sobre Antifeminismo, me diverti lembrando de como eu criticava "legitimamente" as feministas. Tentei recuperar o meu raciocínio na época e eu realmente achei coisas interessantes. Veja se você não caiu em algum desses.

Eu andava com meus amigos e muitos deles eram homens. Eu queria parecer descolada. Sabe como é, pela primeira vez na vida eu deixava de ser a esquizita e para "melhorar" a minha auto-estima ainda estava 13 kilos mais magra do que era no segundo grau. Os meninos tinham uma verdadeira hojeriza de feministas. Era praticamente uma hunanimidade que feministas eram mulheres mal-amadas, de suvaco cabeludo e lésbicas. Hoje em dia eu não vejo nenhum problema de uma mulher ser assim, mas realmente para mim que estava descobrindo a minha "feminilidade" esse estereótipo me parecia mais uma ameaça.

Além disso, eu andava muito com os amigos do meu irmão, que fazia História Eu era caloura de Letras, mal tinha começado a estudar e vinha aquele povo todo me falando em Foucault, Marx, Hobsbam e etc. Eu realmente não entendia xongas do que eles falavam, mas achava tudo uma teoria da conspiração, gente que ficava procurando sarna pra se coçar. Além disso não conseguia dar muita credibilidade para aquele bando de filhinho de papai que queria mudar o mundo fumando maconha no CA. Não conseguia ver muita rebeldia nisso. Para completar, o curso de História tinha uma pós-graduação em Estudos Feministas, mas até onde eu fiquei sabendo dos boatos ele acabou por desavenças internas. Outra coisa que eu não conseguia entender muito bem era como as feministas queriam melhorar a condição da mulher se não conseguiam entrar em concenso. Claro que eu era beeem mal informada à respeito dos acontecimentos internos da UnB...

Para piorar a imagem que eu tinha do feminismo conhecia algumas feministas vegetarianas extremamente intransigentes. Aquele tipo de pessoa que quando você está comendo faminta ela chega pra você e começa a descrever o modo como aquele pedaço de carne no seu prato foi abatido ou então te chama de assassino. Elas eram agressivas em suas posições políticas e eu sempre gostei de uma boa discussão. Achava que deveriam me convencer na conversa e pra mim isso era apelação. Outra coisa que me ajudou a ter um pouco de medo das feministas foi uma professora que eu tive que nem dava nada relacionado ao feminismo, mas era do grupo das feministas da História. Ela não tinha empatia, isso era fato. Ficava irritada porque as alunas falavam mal o francês em sala e não conseguiam discutir mais profundamente os temas, mas a culpa era parcialmente delas. Outra coisa que me deixava reticente eram umas exigências despropositadas do tipo "sentem direito na carteira". Pra quê? Eu me perguntava. E essas pequenas coisas me ajudavam a concordar com os preconceitos: feministas eram exageradas e procuravam sarna para se coçarem.

Depois de muito tempo eu fui descobrir mais profundamente que o feminismo não impedia a minha sexualidade ou a minha "vaidade", mas ele ia me fazer refletir profundamente nas implicações que isso teria. Ao ouvir, o até então meu ídolo, meu irmão dizer "Sabe porque o papai sempre me mandava comprar pão no seu lugar? Porque ele dizia: - Vá comprar pão. É um favor que você faz à sua irmã. Ela é mulher, já vai sofrer tanto na vida...". E o meu irmão concordava com isso porque achava que eu ignorava a inferioridade da minha posição e sofreria mais ainda por ser uma mulher "inconformada".

Comecei então a notar a perversidade desses argumentos que refutam o feminismo. São argumentos tão bem construídos que estão em voga até os dias de hoje. Parece que o feminismo distancia as mulheres da normalidade - isso quer dizer, os papéis tradicionais (mãe e dona-de-casa). Fala-se com euforia da pouca contribuição masculina das tarefas domésticas como uma vitória feminista quando na verdade não passam de uma tentativa de "calar a boca" das feministas. Comemora-se a entrada na mulher no mercado de trabalho esquecendo que muitas vezes elas o fazem por terem sido levadas a terem filhos e depois abandonadas por homens que são obrigados a pagarem somente 30% dos seus salários enquanto as mulheres devem abrir mão de si mesmas para os filhos. Fico chocada ao ver as mulheres perdendo os cabelos em salões de quinta para ficarem com o cabelo liso ou ver nos lugares chiques uma proliferação gigante de loiras oxigenadas todas com o mesmo corte de cabelo ou ver na vitrine da C&A uma coleção para mulheres adultas inspirada na BARBIE!!!

Eu reconheço que em alguns casos há um exagero na postura, mas não no argumento. O feminismo não é o mesmo dos anos 70, mas talvez nos falte um pouco mais daquela postura militante. Acho que devemos tentar esclarecer um pouco mais da teoria para os leigos, afinal se você é feminista é porque já se convenceu da importância de se debaterem certas questões por outra ótica. Quantas mulheres ainda sofrem por serem gordinhas ou terem pouco peito sem saber da perversidade desse padrão? Se não há injustiças porque aquele parecer favorável à pedofilia do STJ? Porque prostituição é um problema feminino.

Eu fiz minhas pazes com o feminismo lendo O Espartilho de Lygia Fagundes Telles na aula da uma professora que me ajudou a me decidir entre a Literatura e a Lingüística escolhendo a primeira. Ela me mostrou como pode passar visões intencionadas que reflitam ou apenas repitam idéias pré-concebidas. Será que posso ser a intermediária dessa relação pra mais alguém? Espero que sim.