domingo, 22 de dezembro de 2013

O sonho de toda mulher é casar? Será?

Texto escrito a pedido de uma amiga sobre um artigo traduzido por, ironicamente, um homem e publicado na folha.

Minha avó, que deveria ser uns 50 ou 60 anos mais velha do que eu dizia:

O primeiro marido de toda mulher é o trabalho”.

Isso porque ela, vinda de uma família pobre, só conseguiu melhorar de vida por ter se casado. Ela sempre fora uma mulher inteligente e perspicaz, trabalhou como professora primária e na época dela, foi forçada a largar tudo o que tinha para se tornar mãe e dona de casa. O meu avô, muito ciumento, não a deixava trabalhar, como muitos em sua época.

Mas ele morreu com 40 anos de câncer e a deixou com duas filhas para criar, sem trabalho ou experiência, um patrimônio para administrar que ela não sabia como fazer. Na época do ocorrido, as viúvas precisavam entrar na justiça para receber a pensão e essa decisão demorava algum tempo. Além disso, minha avó passou algum tempo recebendo apenas uma parte do salario do meu avô. Me lembra um pouco a história de “A partilha”- da Júlia Lopes de Almeida.

Tudo na vida da minha avó se resumia ao casamento, e ela se viu viúva, sem trabalho. Falar o que para as contas? “Eu investi no meu casamento antes da profissão, como a Suzana Venker aconselhou e agora me f*&%”.

No texto que o blog da folha traz, uma série de anomalias. Eu sou brasileira e não sou de nenhuma cidade super cosmopolita, como São Paulo. Os brasilienses irão negar, mas tem uma mentalidade que é, em muitos aspectos, interiorana. As mulheres aqui ainda se desesperam ao pensar que podem algum dia ficar “para titia”. Acho que é o sonho de muitas mulheres casar. Casamentos de meio milhão acontecem o tempo todo.

Eu não sei bem o que o casamento representa para a maioria dos homens. Acredito que para o brasileiro padrão, o casamento significa ter, me desculpem o linguajar, alguém para limpar, cozinhar, trepar e cuidar das crianças. E pior, muitos homens nem conseguem mais manter a casa sozinhos e ainda tratam suas mulheres como vassalas.

Realmente não consigo entender como alguém pode defender o casamento nos moldes do que era antigamente. Isso tem para mim ares de preconceito e inveja. Mas enfim, muitas teorias afirmam que em épocas de crise econômica, para se abrirem postos no mercado de trabalho para os homens, há uma volta desse discurso conservador visando a volta das mulheres ao lar, para, aí sim, dar emprego para os homens.

Para quem ainda levanta a bandeira dos papéis tradicionais de gênero, basta lembrar que eles são extremamente recentes. Inclusive, já na revolução industrial, as mulheres eram grande parte da força de trabalho. Mas tem gente que só enxerga aquilo que quer ver. Essa autora, por exemplo, o que está fazendo escrevendo livros e os vendendo? Isso não é um trabalho? Quem cuida da casa dela? E dos filhos? Enfim, será que ela mesma não está sendo contraditória?

Nos anos 50, nos EUA, as mulheres da classe média tinham um alto grau de instrução. Isso porque precisavam esperar o marido se formar e arrumar um bom emprego antes de se casarem. Sendo assim continuavam a estudar. Conclusão: a depressão e a taxa de suicídio entre as mulheres dessa época era altíssima, afinal, a vida de uma dona de casa não necessita de PhD.

Ela diz “Não é mais necessário casar para se fazer sexo”. Da parte dos homens, isso nunca foi necessário. Para as mulheres, isso nunca deixou de valer, basta ver os casos das meninas difamadas pelas redes sociais pelos seus próprios parceiros sexuais. Parte disso se dá porque eles podem, e elas não. Ao fazerem isso são vistas como vadias, prostitutas... Onde está mesmo a liberdade sexual das mulheres? O duplo padrão ainda está aí. O que a autora está dizendo não é nada além do “faça o que a sociedade ainda espera de você, não questione, não faça o que quer, se aliene e será feliz”.

Isso porque muitos homens ainda tem problemas para lidar com mulheres modernas. Por isso vemos esse tipo de manifestação visando difamar as mulheres, fruto de uma insegurança masculina. Mas é sempre bom lembrar, ainda bem, que não são todos os homens que agem dessa maneira. E também é bom lembrar que não são todos os homens e nem todas as mulheres que estão de fato interessados em relacionamentos monogâmicos ou heterossexuais.

Aliás, eu queria entender um pouco mais das motivações dessa autora, que claramente não foi criada na época que esse tipo de pensamento não era contestado.

Existe um certo medo das mulheres em oferecer a sobremesa antes do jantar, e os homens não quererem nada mais com elas. Bom, eu só posso dizer uma coisa, a sobremesa não é a única parte. Sem o jantar, é apenas sobremesa. E se o cara comeu e sumiu, melhor pra você. Sinal que não devia ser lá grande coisa. O problema, para mim, é o fato das mulheres que querem apenas satisfazer suas vontades sexuais serem difamadas, ou aquelas que dão no primeiro encontro. Ninguém nunca para pra pensar que essa poderia ser a razão do encontro per si? E se ele foi mais do que isso, porque deixar um preconceito impedir um conhecimento mais aprofundado do outro? Por que não partir para um segundo ou um terceiro?

Outro ponto importante a ressaltar é: o casamento mudou e os arranjos familiares também. Muitas vezes, a melhor coisa do passado é que ele passou. As pessoas se esquecem que os tempos antigos não eram apenas uma propaganda vintage da Coca Cola. É sempre mais fácil ser saudosista quando os maus momentos de uma época foram cuidadosamente suprimidos. E não tem nada de inovador em ser conservador.

Falar que os homens são imaturos ou amadureceram menos porque tem menos responsabilidades é uma coisa, mas dizer que isso é culpa das mulheres, porque elas resolveram que existe mais na vida do que casar é, no mínimo, falacioso. Os homens precisam de incentivos para casar? As mulheres também! Afinal, pelo menos aqui no Brasil, muitas vezes o casamento é um mau negócio para as mulheres, que se veem obrigadas a terem uma dupla jornada. O que eu acho que está ficando evidente hoje em dia, que por mais que as mulheres queiram ter uma família e casar-se, estão pouco propensas a fazê-lo nos moldes de antigamente. Além disso, os homens terão que enxergar que se o quiserem, precisarão tomar para si a parte que lhes cabe na paternidade e nos afazeres domésticos e não tem discurso conservador que seja que me convença do contrário.

Como deixar de viver, se os homens continuarem como estão? Como acreditar que o casamento amadurecerá milhagrosamente os homens? Se a mulher não investir no trabalho, o que sobrará para ela na grade partilha da sociedade?


Há mais coisas além do trabalho? Certamente que sim. E existe muito mais além do casamento.