Ser feminista e ser professora tem muito em comum. Primeiro
porque ambas temos que ensinar algo a quem não sabe ou desconhece o que estamos
falando. Melhor dizendo, temos que mostrar o caminho para que o “aluno”
descubra por si mesmo e veja de forma crítica algo na ordem vigente. Além
disso, ambas temos que lidar com toda sorte de perguntas. Parece que os rótulos
“feminista” e “professora” autoriza todo o tipo de interferência e juízo de
valor a respeito da sua vida privada, por exemplo.
Quando estamos na posição de professoras, conseguimos
entender determinado tipo de curiosidade dos alunos, afinal, eles nos veem com
uma certa frequência e são habituados à ideia de que devemos fornecer respostas
para suas perguntas. Dependendo da idade, não sabem o que podem e o que não
podem perguntar ao professor. Mas já em relação ao meu feminismo, muita coisa
me estranha, pois ser feminista é uma posição política num sentido bem amplo.
Mas a política é a última coisa que querem discutir conosco quando nos
“assumimos” abertamente feministas. Passamos por um exame instantâneo de raio
X, onde nosso observador, muitas vezes abre mão da discrição em nos observar.
Seria como se a primeira impressão que passamos, devesse ser reavaliada, pois
aquela afirmação “feminista” mudasse tudo. Eu achei que depois de anos me
habituaria a isso, mas devo confessar que não é tão fácil. De repente, todo o
resto fica escondido debaixo do rótulo “feminista”.
Não é preciso dizer o que o senso comum pensa de uma
feminista, mas para não pecar pela falta, colocarei aqui: feminazi,
encrenqueira, sapatão, mal amada, mal comida dentre outros. Saber que alguém
está te reavaliando para saber o quê de feminista você tem é, muitas vezes
tentando encaixar um desses adjetivos no seu perfil. Há de se convir que não é
muito agradável. Ao mesmo tempo, acredito eu, ser abertamente feminista é um
exercício de paciência, pois requer muito estudo. Não digo que toda feminista
vai precisar de um PhD em feminismo, mas o estudo ajuda muito no jogo de
cintura que devemos ter no dia a dia. Principalmente para escutar todo o tipo
de besteira e ideia pré concebida que as pessoas não falam normalmente, mas
pelo fato de nos dizermos feministas, parece autorizá-las a serem racista,
preconceituosas e, muitas vezes, apenas obtusas mesmo. A conversa vai girar
sobre feminismo e muitas vezes será uma batalha. Muitos interlocutores querem
nos convencer que estamos procurando cabelo em ovo. Que o feminismo é uma
piada. De todas as coisas estúpidas que iremos ouvir (e ouvimos), ou colocar
algumas aqui:
- Não tenho nada contra o feminismo, mas “presidenta” é um exagero, além de muito feio.
- Eu não concordo com o feminismo, pois colocar as mulheres dominando os homens é trocar 6 por meia dúzia.
- Eu sou super feminista, pois nunca bati em mulher.
- Não vejo nada contra o feminismo, mas não custa nada passar um esmalte e se arrumar, não é verdade?
- Eu não entendo essa conversa de que ser feminina não combina com poder.
- Ah, qual é, toda mulher quer um homem para tomar as rédeas.
- Não me entenda mal, eu não sou feminista, só tenho simpatia pela teoria. Mas não sou uma dessas radicais.
- Essa lei Mª da Penha é uma palhaçada, pois agora, qualquer mulher louca e ciumenta pode colocar um homem na cadeia, mesmo se o cara não tiver feito nada.
E por aí vai. Poderia ter colocado muito mais, mas acho que
já deu para sentir o drama. E aí que está o meu ponto. Você pode ignorar e não
perder o seu tempo com isso, afinal, nossas discussões estão a anos luz desses
pontos. As questões de gênero não são ignoradas na maioria das agendas
políticas nacionais e internacionais. Mas você pode perder o seu tempo tentando
furar a pedra da ignorância “popular”. Não vou dizer que conseguirá, nem que
será fácil, mas pense em quantas pessoas que falam frases assim ou pensam assim
e ocupam posições de poder? Ou quantas já pensaram assim, mas mudaram seu ponto
de vista? Nem todas nós sempre fomos feministas, eu, por exemplo, não. O que me
fez mudar? Alguém que teve paciência de dizer “Opa, peraí, isso que você está
dizendo não é bem assim...”
Tal como um professor, sabemos que a maioria dos nossos
alunos vai continuar sendo mediano, mas quando sabemos que alguns poucos serão brilhantes
e que tivemos uma pequena parcela de responsabilidade nisso, acho que vale a
pena ser vigário e discutir a missa.