quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A maternidade empodera mulheres?

O problema dos conceitos é que eles podem ser estendidos até a exaustão e podem também acabar perdendo o sentido, ou se esvaziando, se preferirem.

A palavra empoderamento me é muito cara. Lembro bem do meu caro amigo Davi Miranda querendo retirá-la da minha dissertação por não constar no VOLP. Claro, depois que eu expliquei que era um conceito do feminismo e que ele poderia deixar o empoderamento quieto no texto, ele concordou. ;)

Empoderar não tinha um equivalente em português e foi uma tradução do termo em inglês empowerment. Não é o mesmo que dar poder e por isso não pode ser substituído pela expressão. Quando vc dá poder, cede algo que é seu a alguém. Como a mãe que no desespero para fazer o filho se comportar pega emprestada a autoridade do pai e diz "se vc não se comportar eu vou falar para o seu pai". Ela mesma não tem autoridade e precisa invocar a figura paterna para que o filho a obedeça.

Por isso, no intuito de fazer mulheres como essas e grupos minoritários terem eles próprios poder, cunhou-se o termo. Empoderar é dar meios ou acesso aos meios para que os grupos desempoderados possam ter acesso ao conhecimento e mecanismos que possibilitem a tomada do poder. Coisa linda!

(In)felizmente muitas mulheres apenas tomam conhecimento desse termo pelo parto humanizado ou pela maternagem. É bom pois assim elas tem a possibilidade de fazer com que seu parto seja algo humano e uma escolha própria, e não uma prescrição médica autoritária. Mas é ruim porque muitas vezes passa a ideia de que somente a maternidade é capaz de empoderar uma mulher.

Agora que eu sou mãe, talvez possa falar às minhas colegas de pós-graduação que a maternidade é sim uma condição que reúne mecanismos de empoderamento feminino. Mas também ela pode ser travestida de um discurso empoderador e no fim, continuar responsável pela inexpressiva participação da mulher na sociedade.

É um tema bem complicado e eu confesso que nem tenho mais opinião formado sobre o assunto. Tenho sim algumas reflexões. Uma coisa que eu tento optar, sempre que tenho dúvida, é pelo meio termo. Claro, nem sempre é possível, mas ajuda muito.

Digo isso porque vejo algumas amigas mães tentando ser a mulher maravilha. Eu já assumo logo que não tenho super poderes e vou ser feliz comigo. Por exemplo, eu não tenho o poder de ir ao banheiro com o meu filho no sling. Não tenho o super poder de ficar com ele horas no colo pois minha mão fica dormente. Não tenho o super poder de adivinhar de imediato todas as necessidades dele e ele chora. Não tenho o super poder de me multiplicar e cuidar da casa e do desenvolvimento emocional, físico e motor do meu filho. E principalmente não tenho o poder de ser a melhor pessoa para ele o tempo todo. As vezes o colo do meu marido é mais gostoso, o banho dele é melhor e as vezes ele está mais descansado e tranquilo para tomar uma decisão sobre ele ou nós tomarmos em conjunto.

Eu acho lindo criação com apego, mas acho um pouco complicado na nossa sociedade. Não li muito a respeito, mas me dá a impressão de ser mais uma cobrança para a mãe. Aliás, eu adoro o pediatra do meu filho, mas toda vez que ele me diz que é uma maravilha para o meu filho eu estar desempregada pois além de eu ser responsável pelo desenvolvimento do meu filho com a amamentação eu sou importante também pelo desenvolvimento psicológico dele, eu tenho vontade de mandar o doutor às favas.

Todo o contato que o meu filho tem com o mundo é importante para o desenvolvimento psicológico dele! Esse discurso é muito freudiano. É como aquela passagem que ele diz que basta a mãe colocar uma foto do pai na parede e apresentá-lo a criança que seu papel na criação está feito. O que é importante não é a quantidade do contato e sim a qualidade. Se eu estou me matando para cuidar dele e frustrada não vou ter um contato tão bom como aquele da mulher que está bem consigo mesma, mesmo que tenha pouco tempo para ficar com o filho.

E falo que tempo para ficar com o filho não é uma escolha na nossa sociedade brasileira. Uma mulher que abdica da sua carreira para ficar com o filho nem sempre toma a melhor decisão, pois corre o risco de, lá na frente, quando o filho estiver criado, ter um vazio enorme na vida. Mas estamos chegando ao ponto de termos apenas duas escolhas: ou você tem filho ou você trabalha. E o pior, nenhuma dessas escolhas te faz ter o respeito da sociedade, por mais que se diga que mãe é a coisa mais importante do mundo e etc.

Se vc abdica da sua carreira para ser mãe, fica na dependência financeira do marido ou da família. Se vc continua, vive sob a culpa da negligência. O termo "menas mãe" que eu tanto odeio. Cada mãe é de um jeito e não existe apenas uma fórmula para criar filhos ou um jeito certo, um manual ou uma teoria.

Eu concordo com minha amiga Stella. A gente tem que dar amor, carinho e respeito. O resto vai o que dá. Se tem leite, dá peito, se não tem, dá fórmula... O importante é a gente estar bem para não descontar nada na criança. Tem que ter sanidade acima de tudo. Não acho certo essa coisa de obrigar a mulher a fazer as coisas sob a lógica da culpa. Me dói o coração mulheres que passaram pelo maior sufoco e tiveram que fazer uma cesárea se sentirem mal e chorarem. Ou aquelas que tem complicações, que ficam com o seio sangrando, mas vão até o limite para tentar amamentar porque os manuais, panfletos e médicos dizem que o leite materno deve ser a ÚNICA fonte de alimento da criança.

Que sociedade é essa em que começamos considerando a mãe como um ser do qual se pode tirar tudo? Não concordo. Eu estou bem, meu filho está bem. Se eu tiver que trabalhar e ele largar o peito, é porque era pra ser. Não quero que o meu filho cresça achando que é normal só eu cuidar dele ou que eu faça tudo por ele. Eu quero sim que ele tenha segurança ontológica para ser independente e feliz, mas quero que ele saiba que existe um limite para as coisas que eu posso fazer por ele. E eu faço sim tudo o que eu posso.

É claro que eu gostaria de poder acompanhar todos os momentos do desenvolvimento dele. Mas eu gosto de trabalhar e não quero me sentir mal por isso. Além disso, para mim e muitas outras mulheres, trabalhar não é uma escolha. E para aquelas que podem escolher, é bom lembrar que a conquista dessa escolha foi um marco e um avanço na nossa sociedade do qual não podemos nem pensar em desejar um retrocesso.

E se eu tiver que trabalhar e perder os preciosos momentos do desenvolvimento do meu filho, que fique registrado que a culpa não é minha, e sim dessa nossa sociedade cara de pau que diz que valoriza a família, mas não estende a licença paternidade, nem a maternidade, não constrói creches públicas em número suficiente, não promove cidades mais seguras para as crianças, não dá nenhum benefício (real) para quem tem filho e etc.

Acha exagero? Talvez, mas coloco um questionamento: Porque as taxas de natalidade tem despencado no Brasil?

É uma maravilha ter filho. Toda vez que eu vejo meu bebê sorrir feliz eu ganho o meu dia. Quando ele dorme tranquilo, também. Mas não é mais possível pra mim e para muitas outras mulheres, assumir um padrão de maternidade que não condiz com a realidade do dia a dia das mulheres brasileiras. Estamos cansadas da tripla jornada. E como diz Elizabeth Badinter, não estamos mais discutindo isso publicamente, estamos sim tendo o número de filhos que podemos ter, numa revolução silenciosa.