sexta-feira, 30 de maio de 2014

Sensibilidade moderna

Não se pisa em ovos esses tempos
Os ovos se quebraram
Sobraram as cascas
Pisamos em porcelana fina
Do sentimento de gente argelina

Fake!

Todo um é mais frágil que o original
Cópias são sensíveis demais,
não duram, não resistem.
Lidam mal com o tempo, com a comparação

Os cegos de espírito se confundem
Fragilidade por sensibilidade
Agressividade por verdade

Bem vindo ao século da falsidade!

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Como reivindicar algo do jeito que a imprensa quer?

Esse post surgiu depois de refletir um pouco sobre o que a mídia quer da população. Sabe, desde as manifestações de junho do ano passado que escutamos coisas como "a população tem o direito de manifestar, mas sem violência", "as manifestações devem ser pacíficas", "nada de vandalismo" (e olha que muitas vezes os ônibus que são queimados já deveriam estar fora de circulação a muito tempo)... E dá-lhe críticas aos Black Blocs...

Mas é engraçado, pois na maioria dos países do antigo 3º Mundo as manifestações sempre acabam em violência por conta da intervenção da polícia. Mas enfim, eu pensei bem e queria compartilhar alguns pontos:

- Os manifestantes tem sido enquadrados pelo crime de formação de quadrilha.
Na ditadura um aglomerado de pessoas conversando no meio da rua era caracterizado de que mesmo? Alguma semelhança? Todos aqueles que foram presos fizeram alguma coisa?

A rede Globo não precisa lembrar, afinal, o Estado detém o uso legítimo da violência. Mas sabe, eu não me lembro se Max Weber se referia ao regime democrático. E mesmo se fosse, não acham que essa visão está um pouco ultrapassada. Falamos em democracia representativa e participativa a mídia puxa essa carta amarelada e mofada de "uso legítimo da violência".

Tudo bem, vamos voltar com o quesito reinvidicações. Como a mídia espera que façamos as tais reivindicações? Os abaixo assinados podem (e muitas vezes) são ignorados. O que eu tenho impressão de que querem que façamos, no lugar das manifestações, algo tal um carnaval fora de época. Ou uma espécie de CRUJ (Comitê Revolucionário Ultra-Jovem) que lutava por máquinas de refrigerantes nos corredores da escola e recreios de 1 hora. A imprensa não gosta da população séria externando sua indignação com palavras de ordem. Não, temos que estar todos de mãos dadas, caras felizes e flores nos cabelos. Nada de coisas sérias, por favor. Dá trabalho para os repórteres. Eles vão ter que estudar para entender, quem dirá explicar.

Mas porque manifestar então. Achei que o propósito de ir às ruas era justamente bradar para que a população seja ouvida, incomodar. Pois eu tenho a impressão de que os políticos não fazem a menor ideia e não tem o menor interesse em agradar o seu eleitorado. Vide a "mini-reforma eleitoral".

Quais são os mecanismos democráticos de reivindicação? O voto? Muitos caçoaram o #nãomerepresenta, mas o que fazer quando isso é verdade? Eu tenho um voto para gastar com um candidato que pode ou não ser eleito. Dentre as opções de candidatos que são apresentados, o que fazer se nenhum me agradar? Eu sou mesmo obrigada a escolher o menos pior? Se a minha única ação política é votar, porque eu não posso votar diretamente nos assuntos que me interessam? Porque tenho que escolher um representante? E porque esse representante, mesmo sendo eleito por mim, vota de acordo com as afiliações partidárias, troca votos por postos, ministérios... E eu, tenho que ver isso e ficar contente? Falar "pelo menos eu votei consciente", deitar minha bunda no sofá em frente a televisão e ficar esperando um milagre acontecer?

Ou ainda, até que ponto estratégias como tentar colocar membros de um mesmo partido no poder para que o governo tenha uma maioria x ou y não é ser condizente com um sistema que confunde ideologia com interesse? Agora estamos mais uma vez próximos das eleições e o que eu mais vejo são comentários vesgos sobre política. Confunde-se o governo com uma pessoa, o partido com um político, uma ideologia com uma barganha.

Outra coisa que me preocupa é a pouca representatividade dos sindicatos e a aparelhagem da CUT. Regulamentação de greve e a simples possibilidade de se considerar uma greve ilegal para mim soa como um modo de impedir as reivindicações da população, das classes de trabalhadores. Os sindicatos sempre foram a forma dos trabalhadores se organizarem, pois os partidos políticos sempre exigiram tempo e dinheiro que essas classes não dispunham.

Entretanto eu não acredito que não exista a diferença entre esquerda e direita. Acho apenas que muita gente se esqueceu o significado disso. Eu sou de esquerda, mas o PT não é o meu partido.

Certa vez eu disse que o brasileiro vota no político e o que quis dizer com isso é que muitas vezes ignora o funcionamento do executivo e supõe que seu candidato possa de alguma forma ser um ser todo poderoso que deseja e faz. Quase um justiceiro que não está sujeito às regras do nosso regime, ou que de fato o regime o permite fazer o que quer e que não beneficie aquele que age como todos. Enfim, votamos no político, mas ele não está sozinho. Os partidos que aí estão são cada vez mais do mesmo. Eu e a maioria do país votar nulo não irá anular o pleito nem obrigará uma mudança nas candidaturas. O sistema que aí está não permite aos pequenos, os ainda idealistas, que realmente disputem.

- Me diga então, oh, grande mídia toda poderosa, o que devo fazer?
- Votar ou não votar, eis a questão? Só?

terça-feira, 20 de maio de 2014

O paradoxo da maternidade

Muitos ainda acreditam que o papel da mulher é ser mãe. A alegação se baseia no papel supostamente "natural" e "biológico" do sexo feminino. Para continuar com essa afirmação em tempos onde os instintos são tão pouco valorizados e tentamos ao máximo nos separar da natureza, fala-se do gratificante papel da mãe. Temos até um dia para elas (!) Mas contrariamente ao que se possa imaginar, a maternidade não é tão valorizada assim no nosso país.

Apesar dos clichês existe um paradoxo na maternidade. Ele reside na sua real importância e na competência da mulher para exercê-la. Desde a gravidez até o parto e para o resto da vida. Ao mesmo tempo que é valorizada como mãe, não é dado a mulher autonomia para gerir seu corpo, seu parto, seu filho. E contraditoriamente é a pessoa mais autorizada a exercer essa função. Em algumas sociedades, como a nossa, de base extremamente sexista, nem ao menos empurrar o carrinho é uma função que pode ser exercida por homens.

Bourdieu, em seu livro "A dominação masculina" expõe a teoria de que todos os papeis da mulher na sociedade contemporânea tem relação com a maternidade e o cuidado que deriva dela. Secretária, professora, enfermeira... Como se o papel da mulher fosse uma grande continuação da maternidade over and over.

Felizmente o debate e a luta contra esses papéis vem se acirrando. E a famosa frase que eu ouvi durante todo o meu mestrado e que ressoa aos meus ouvidos "quando você for mãe, você vai entender", pode conter um futuro menos apocalíptico do que parece. Mas uma coisa eu devo confessar, por mais que tenha aprendido, com a gravidez mais do que nunca, a fazer ouvidos de mercador, o que mais sinto é indignação feminista na veia. Pois a verdade é que ao ser mãe não ganhamos tanto respeito ou autoridade quanto poderíamos esperar.

Duvida? Porque então as mulheres são tão mal tratadas na sala de parto? Porque são vítimas do teto de vidro no mercado de trabalho por conta a simples possibilidade de serem mães? No fundo no fundo não tem autoridade para decidirem nem como querem parir. Depois ainda temos a enorme responsabilidade de cuidar do bem estar físico e emocional dos bebês, levando todas as frescuras da sociedade em consideração pois podemos ser acusadas de negligência o tempo todo. Como disse a Badinter, o sinônimo de maternidade é culpa.

Culpa que nos fazem sentir desde o instante em que engravidamos. "Mas você não se preparou antes de engravidar?", "está tomando isso, comendo aquilo, fazendo assim, pesando assado"... Tem que ler um monte, pois nem o que vai comer ela tem autonomia para decidir. E o que eu acho mais engraçado é que as cervejas importadas vem um símbolo de que mulheres grávidas são proibidas de ingerí-las (o que sabemos que não é verdade absoluta), mas outras coisas que grávidas não deveriam comer, não são reconhecidamente proibidas para gestantes. Se você não está informada, pode acabar comendo algo que não deve, fazendo algo que não deve. Nenhuma informação é de fácil acesso, nada é confiável. E ainda assim, a culpa é 100% sua, só sua.

Paralelamente a isso, temos que lidar com o fato de não sermos autoridade suficiente para escolher pelos nossos filhos e lidarmos com as consequências. Parece que a sociedade toda é um grande espião. Devemos entender que o cuidado com a criança não deveria ser nem chamado de maternidade. Algo que poderia sim ser dividido entre os sexos deveria ser entendido como cuidado parental. O próprio termo maternidade influencia homens a continuarem negligentes com a função. Praticamente tudo o que a mãe faz o pai pode fazer.

Muitos falam que só a mulher pode amamentar. Bom, agora eu sei que o percentual de mulheres que não tem leite ou do qual o leite não é suficiente é grande. Insistir nesse argumento faz com que essas mulheres se sintam menos mulheres (visto que isso e o parto parecem ser as exclusividades femininas em termos de parentalidade), mas também faz com que homens, que poderiam participar desse momento, onde muitos afirmam ser onde se a cria o vínculo com a criança, fiquem de fora tornando a relação deles com os filhos distante. Se qualquer um pode dar leite para a criança no copinho, porque o pai não pode fazer?

A maternidade é função da mulher, muitos dizem e afirmam. Mas as mulheres estão cercadas de autoridades masculinas mais capazes de julgar seu papel do que ela. Médicos, juízes… Sinto muita vontade de não ouvir nada. Sinto muitas vezes raiva de quem fala, com sarcasmo, "você vai ver, vai entender". Porque jogar uma praga nos outros? Se ter um filho é uma experiência tão única porque supões que todxs a encararão da mesma maneira?

Enfim, seria tão melhor se as pessoas esperassem a gente perguntar do que saírem por aí se metendo na maternidade dos outros, ou melhor, na parentalidade dos outros.

Em contrapartida, governo e sociedade não fazem nada para aliviar o fardo. Ter um filho não tem nenhum incentivo do governo. O bolsa família é exclusivo para uma faixa da população. Deveria ser estendido à todas. Não ganhamos o enxoval do bebê, não temos creches, berçários, nada em quantidade suficiente. Em suma, não ganhamos nenhum incentivo por colocarmos mais um brasileiro no mundo, no máximo um dia por ano e uma comemoração ridícula, um "feriado" com fins comerciais para quem já gasta tanto por negligência do governo.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A sinceridade

Esse é um tema bastante espinhoso. Falar a verdade por aqui pode ser um comportamento muito criticado. Desde coisas bobas como "não gostei" ou "não quero" até colocar suas opiniões em relatórios supostamente "objetivos".

Um exemplo clássico dessa dificuldade nacional é recusar um convite. Sempre temos que estar tencionados a comparecer, por isso devemos inventar algo, nem que seja a famosa consulta ao dentista ou o exame de sangue para recusar um barzinho com os amigos. Parece que dizer "não estou muito a fim" ou "não estou muito animado" é equivalente a dizer "você é um chato e eu não quero sair com você".

Eu percebi isso com mais clareza quando estava na Suécia. Minhas amigas sempre faziam "diners parties"e muitas vezes eu só queria ficar em casa na companhia do meu marido que trabalhava umas 10 horas por dia. Eu, no meu hábito brasileiro, com vergonha de dizer "não", soltava um "maybe". Pra que!? Depois eu ficava sabendo que era presença contada na festa. Que para eles, os alemães, talvez era quase "sim", quando aqui, é mesmo "não".

Uma amiga minha indiana me ensinou bastante sobre sinceridade, embora eu nunca tenha dito isso a ela. Uma pessoa franca, não sei se a cultura indiana é assim, ou se era ela mesma. Mas não tinha medo de dizer que não comia comida ocidental, que não gostava disso, daquilo e que achava isso ou aquilo. E era engraçado, pois ela não tinha papas na língua. Falava sem floreios. Não é à toa que era o guia da turma. Sempre que alguém precisava de um conselho, recorria à ela. E é engraçado, pois eu quase sempre concordava com ela. Mas acredito que se ela vivesse por aqui, não teria tal posição. Acho que seria considerada grossa ou tosca.

Outra coisa interessante é que você aprende a ouvir os outros de uma maneira mais tranquila e principalmente, respeitar sim as diferenças. E talvez por isso, consiga até conviver melhor com seus amigos. Uma certa vez, um amigo nosso recusou um convite dizendo "Vou tomar café e ler artigos. Sempre faço isso às quintas-feiras". No começo achei estranho alguém ter uma agenda assim, mas depois de uns tempos morando por lá, percebi que muitas vezes para dar conta de se fazer tudo o que se tem que fazer é preciso colocar na agenda, senão não sobra tempo para se fazer o que quer. No fim, ele acabou aparecendo no bar para nos encontrar, mas desconfio que só depois de ler uns artigos antes.

Quando estava lá, recebi muito poucas visitas. Uma delas me desapontou muito nessa "brasilianidade". Eu não tinha muito dinheiro para viajar e precisava organizar as coisas com antecedência. Essa pessoa ficou hospedada na casa de amigos numa cidade próxima. No mesmo período, meus sogros estavam na nossa casa e iriam embarcar no tour pela Escandinávia em poucos dias. Resumo da ópera, eu deixei meus sogros no hotel e fui encontrar essa amiga. Mas algo me chamou a atenção: ela não parecia fazer muita questão de me ver. Achei deselegante essa atitude, sendo que ela sabia que eu estava abrindo mão de passar mais tempo com eles para encontrá-la. Mas se ia me tratar com descaso, porque não me poupou a viajem?

Eu sei que muitas vezes as pessoas se magoam com a gente e a gente não sabe ao certo o motivo. Acredito que quando a gente não acha que fez algo errado, não consegue prever os melindres alheios. Mas será que esse descaso não foi um resultado desse hábito de ter que estar, em tese, sempre disposto? Ou pior, talvez ela tenha pensado que eu fosse me magoar ao ouvir que ela de fato não queria me ver e fosse preferir ser mal tratada por ela. Faz sentido, né...

Outra coisa que considero parte da hipocrisia nacional é o respeito às diferenças. Todo mundo fala, mas quem é que realmente respeita? Em toda a discussão parece que quem puxa a carta da diferença é aquele que não tem argumentos ou que não consegue aceitar outro ponto de vista. No fim, o que você percebe mesmo que sua diferença será respeitada sim, quando for igual a de todo mundo, ou seja, não seja diferente.

Outra coisa que me irrita muito é a máxima de que existem diferentes maneiras de se dizer a verdade, indicando que haveria uma certa e uma errada. Quando eu digo "verdade" é no sentido de dizer o que o outro realmente acha ou pensa. Ninguém é de fato dono da verdade. Mas as pessoas confundem aquela mentirinha de elogiar uma roupa que você de fato não gostou porque percebeu que a pessoa está se sentindo bem nela e perguntou sua opinião com coisas mais sérias, como trabalhos de escola, feedbacks profissionais e etc. Tudo sobre a desculpa do "existem maneiras de se falar isso ou aquilo". A discussão sai do plano do conteúdo do que foi falado e vai para o da forma como foi falado e aquilo que se disse não tem mais importância.

Eu confesso que sofri muito durante a minha adolescência por ser sincera. Claro que quando era adolescente, acrescia uma dose de sarcasmo à minha sinceridade, e isso sim, eu descobri que é, em muitas vezes, desnecessário. Mas hoje não me arrependo de ser como sou. Ao contrário de muitos que se fixam na minha imagem adolescente, eu não saio por aí falando as minhas verdades ao vento. Reservo sim minhas opiniões mais sinceras ao crème de la crème dos meus amigos, mas também não sou hipócrita. Aquilo que sei que não será bem recebido, não minto, omito.

Não me envergonho de ser sincera. Não digo que sei tudo, mas tem muita gente que gosta de interpretar assim. Fica sentido pelo o que eu falei e racionaliza dizendo a si mesmo "quem ela pensa que é? acha que é a dona da verdade?". Para esses, fica o meu lamento. Quem souber ouvir uma opinião sincera, e desencanar se não concordar, talvez se beneficie da companhia, mas quem não souber, se poupe e não me pergunte o que eu acho. Também não tenho medo de ouvir respostas de qualquer jeito e esse eu acho que é o segredo. Como diz o batido ditado "Quem fala o que quer ouve o que não quer".

No mais, por mais "autista social" (como um amigo meu me chamou outro dia) eu possa ser, sinto que estou bem comigo mesma nesse aspecto e talvez aqueles que não gostam da divergência e chamem isso de falta de tato social, não tenha muito do que se orgulhar.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Porque eu AMEI Breaking Bad

Antes de mais nada, gostaria de avisar aqueles que ainda não assistiram a totalidade do programa que NÃO leiam esse post. Muitos SPOILERS.

O principal motivo pelo qual gostei do seriado, foi a narrativa: simples e direta. Além de cumprir a proposta que faz . Não é necessário ler livros para se entender o que passa na série. Os dois principais personagens, Walter White e Jessie Pinkman foram muito bem pensados. Os atores ajudaram. Mas o que eu mais gostei foi o sentido dado ao título do seriado que norteia toda a narrativa.

O meu marido tem um certo problema com expressões idiomáticas. Muitas vezes traduz literalmente do inglês expressões que ele presume que serão idênticas no português. Uma que eu sempre achei engraçada foi o tal do "quebrar a personalidade". Não sei como deve ser a original em inglês, mas assumo que tenha "breaking" em algum lugar.

Temos então os dois protagonistas: Walter White e Jessie Pinkman. A princípio tudo leva a crer que Breaking Bad é uma referência a falência do personagem principal por conta da incapacidade de pagar pelo tratamento de câncer que precisa. 

Ao olharmos para Walter White da primeira temporada, imaginamos um homem comum, honesto, que tem dois empregos para dar conta de prover sua família como se deve. Ele aparece nessa temporada como um homem discreto. Mas uma coisa parece não encaixar: sua escolaridade. Incompatível com os demais membros de sua família e de seu núcleo familiar. A então modéstia do personagem levanta algumas suspeitas. Quando aparecem os ex-sócios de Walter, imaginamos que ele foi injustiçado na sociedade, como tantos outros casos que vimos por aí. Talvez essa tenha sido a razão pela qual se encontra na posição em que está no início da trama: professor de um College durante meio período e lavador de carros no outro.

Tudo bem que essa parte de lavador de carro eu não consegui entender muito bem. Um trabalho que ainda tem relação com sua formação, como professor de Química de uma escola, eu até entendo, mas lavador de carros, eu confesso que não consigo entender. Mas é preciso entender um pouco de como funciona o mercado de trabalhos braçais lá fora. Talvez o segundo emprego pagasse melhor do que o primeiro e ele só continuasse dando aula para se manter perto da sua área de formação.

Já Jessie Pinkman começa a série como um dependente químico controlado pelo vício que parece ter problemas em perceber a idade que realmente tem. Ele age como um adolescente, se veste como tal e fala como tal. Impulsivo e inconsequente, o jovem é menos carismático no princípio que o íntegro professor de Química. Esse porém nos deixa com pena, pois ao descobrir que tem câncer, ele tenta continuar suas atividades normalmente para não alarmar a família.

Com o passar das temporadas o papel se inverte. Vamos percebendo que a postura íntegra de Walter White é sim um papel que ele representa e só o faz por ser orgulhoso. Incapaz de ser rico, talvez por culpa do próprio orgulho, ele faz de tudo para conservar a reputação de homem correto. Vemos então o orgulho que ele tem da droga que elabora e como fica irritado quando alguém tenta imitar o seu produto. As provas desse orgulho aparecem nas últimas temporadas, quando alerta o cunhado policial sobre a possibilidade de Gael não ser o famoso Heisenberg e quando mantém guardado o livro que o primeiro lhe dá de presente pois contém comentários elogiosos a respeito dele.

Já Jessie, mesmo sem ter no que se agarrar, sem ter uma desculpa, não concorda em matar, extorquir ou mesmo se meter com gente perigosa. Já Walter tenta se convencer de que aquilo é um negócio, como se assim pudesse se distanciar do mal que a atividade causa ou que pelo fato de estar fazendo o que faz para proteger sua família, seu pecado seria menor. Chega a parecer as vezes que ele se sente injustiçado pelo mundo e está no seu direito de reagir.

Outra coisa que causa estranheza a primeira vista é como a relação dos dois vai se intensificando. A princípio, Walter despreza Jessie e só propõe uma parceria porque precisa de alguém para introduzí-lo no meio. É engraçado pensar que Jessie fora aluno de Walter e detestava o professor que aparentemente se decepcionou com o aluno. Quando os dois se reencontram, tempos depois de Jessie ter largado a escola, ele está justamente trabalhando no cozimento da droga, uma atividade química. Ele também é o único que consegue repetir o processo de Walter e produzir o "blue sky". Mas nem por isso ganha o respeito de Walter.

A relação dele com Jessie é como se o último fosse o único resquício de humanidade e bondade que pudesse emanar de Walter. Ele se apega ao garoto e o protege na tentativa de se fazer parecer mais humano frente aos outros. Mas o pupilo vai conhecendo cada vez mais a natureza sórdida de Walter que o faz desprezar o professor. Infelizmente ele se vê preso a ele e ao negócio e age como um autômato em vários momentos da série por ser incapaz de agir como Walter, sem escrúpulos.

Ainda nesse momento da série muitas vezes duvidamos se Walter é realmente esse monstro, mas para quem reluta em acreditar, nos últimos episódios da série, ele dá um telefonema para a mulher confessando o assassinato de seu cunhado (que não diretamente praticado por ele, mas que havia de fato sido arquitetado por ele) e ameaçando a esposa. Pela primeira vez ele se revela completamente na trama, pois não busca se justificar com motivos nobres suas atitudes.

Por fim, e eu vou parar por aqui, mesmo tendo mais coisas para comentar, há um confronto final entre Jessie e Walter onde o primeiro tem a chance de se vingar do segundo. E ao invés de se desumanizar como Walter, Jessie o deixa viver, o que é uma pena para Walter, pois ele não tem mais a máscara de bom moço nem a justificativa de estar zelando para o bem de sua família. Ou seja, todo o seu disfarce de desfaz por completo, um processo que vem acontecendo desde a primeira temporada, e aí que ele "breaking bad".

O seriado ainda poderia se estender mais, mas esse é o bom dele, afinal, quando começa, já sabemos que Walter vai morrer. Só nos resta saber se em decorrência do câncer ou do envolvimento com o tráfico de drogas. Ele não tem porque enrolar. Eu entendo que os processos são inversos: a desconstrução da falsa normalidade e honestidade de Walter em contraponto com o fortalecimento do caráter de Jessie. O primeiro vai de herói a anti-herói e o segundo sofre o processo inverso.

#breakingbad

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Mudar é difícil, mas é preciso

Depois de quase um mês em Londrina, arranjo pela primeira vez um tempinho para blogar. A saudade é imensa, inclusive dos espaços virtuais aos quais me habituei. Mas as miudezas do cotidiano nos consomem e quando paramos para pensar, quase nada era realmente necessário. Infelizmente, refletir sobre isso não é produtivo ou permitido. Vamos em frente.

Durante todo o processo eu achei que estava indo devagar, mas um mês aqui já temos quase tudo o que precisamos, temos médico para o bebê, fogão, geladeira e máquina de lavar. Cama e bom, só. O dinheiro acabou, agora só quando o pagamento cair. O mais difícil são os detalhes. Muitos. Tantos que nem nos damos conta do quanto gastamos e do que precisamos. Talheres, copos, pratos, panos... Isso sem contar os mantimentos. Temos que comprar tudo novamente, desde o sal até os temperos. Nada é de graça.

Realmente não é fácil. E as perguntas parecem não entender a odisseia que é montar uma vida. Não estamos começando, estamos continuando, mas tivemos que resetar o sistema. Ainda me cobro por não ter o mesmo pique que tinha antes de engravidar. Aos poucos estou entendendo o que a amiga Pati disse: Nada vai ser como antes.

O apoio vem de onde não esperávamos. Chegam cartinhas lindas de amigas de luta para as quais nem expus meus anseios, mas que tiveram sensibilidade e empatia para dizer com eficácia "sim, você vai conseguir e sim, estamos aqui". Eu também estou aqui.

Impressões ainda estão bem turvas. A cidade parece legal. Tem falafel e chorinho no bairro. Mas ainda é cedo para dizer o achei, como vai ser a vida aqui. Mais uma vez acho bom não me precipitar. Já ouvi dizer que a gente gosta de onde vive bem. Tudo indica que viverei bem aqui. Assim espero. E quem sabe daqui a pouco não me inteiro sobre os modos e costumes do londrinense a ponto de adicionar outra sessão ao blog, crônicas londrinenses.

De Brasília saudades também. Da beleza, das histórias, da vivências, dos amigos, da família, do clima.