terça-feira, 28 de outubro de 2014

Algumas reflexões sobre política

Não sou especialista no assunto, mas como posso votar, acho que tenho o direito de opinar. De fato, o voto é secreto e eu não precisaria anunciar minhas escolhas políticas na internet. Outro fato é que eu não votei nessa eleição. Também não me arrependi de não tê-lo feito.

Dizem que o Brasil está dividido e ressaltam que a diferença entre Dilma e Aécio foi de apenas pouco mais de 3 milhões de votos. Mas acredito que a diferença seria maior se pessoas como eu tivessem ido votar. Fico feliz e triste por Dilma ter levado essa. Eu até achei que ela não parecia muito animada em concorrer novamente. No início da campanha, me parecia estar cansada da política. Mas enfim, isso são apenas especulações.

Uma prima minha disse que queria saber porque eu voto no PT por ideologia. Dois erros nessa afirmação, eu não sou petista e não voto no PT por ideologia. Acho até que o PT não tem mais a mesma ideologia que teve no passado, mas é bom ressaltar que, por mais que os eleitores não tenham, todos os partidos políticos tem uma ideologia.

O humorado dicionário filosófico de Comte-Sponville diz que o termo ideologia significava a ciência das ideias e que seria então a ciência das ciências. Mas essa acepção caiu em desuso e o sentido que conhecemos hoje é o que foi dado à palavra por Marx. Esse seria:

 "a ideologia é um conjunto de ideias ou representações (valores, princípios, crenças...) que não se explicam por um processo de conhecimento - a ideologia não é uma ciência -, mas pelas condições históricas da sua produção, numa sociedade dada, especialmente pelo jogo conflitual dos interesses, das alianças e das relações de forças. É como um pensamento social, que não seria pensado por ninguém mas que pensaria em todos, ou melhor, dentro do qual todos, necessariamente, pensariam. A ideologia é inconsciente: ela é o lugar social e historicamente determinado de toda a consciência possível. É a linguagem da vida real. Ela é por natureza, heterônoma: sua história está submetida à da sociedade material, ela própria dominada "em última instância" pela infraestrutura econômica". 

O verbete se estende por mais 3 páginas, só para se ter uma ideia da tarefa complexa que se é definir "ideologia". Acho que a última parte é mais esclarecedora, as ideologias são próprias de uma sociedade. Eu diria ainda que cada segmento dela, devido a sua história, tem sua própria ideologia. Eu não me lembro se estudamos isso no segundo grau, mas em termos de política existem ideologias de esquerda e de direita muito parecidas. Por exemplo, se falarmos de extrema direita e extrema esquerda ou centro direita e centro esquerda. No Brasil temos uma certa dificuldade em entender essas diferenças também pela boa qualidade da nossa imprensa. Só para termos uma ideia, a notícia depois das eleições foi o que a capa dos principais jornais estrangeiros diziam sobre o nosso pleito. Os nossos realmente não tinham o que dizer. Pareciam estar esperando que os de fora lhes dissessem o que tinham que pensar.

Eu sempre me perguntei o que levava uma pessoa a ser de direita. Tive muita dificuldade em aceitar, até por preconceito. As ideologias de direita não pregam a igualdade entre os homens, por mais que digam serem todos os homens iguais perante a lei. Elas acreditam a liberdade de oportunidades, no estado mínimo, no livre comércio e no respeito a propriedade privada. Esse é um resumo, pois as ideologias tem muito mais do que isso. A direita não é necessariamente conservadora. E o grande atrativo dessa ideologia é a redução do estado, pois isso implica em redução da carga tributária. Mas na minha visão essas bandeiras acabam sendo conservadoras no sentido que se concentram em conservar privilégios de quem já está estabelecido quando se resolve "abrir" o comércio e reduzir o estado, deixando os mais fracos desamparados.

Muita gente da classe média é seduzido por essa proposta, pois a carga tributária tem um grande peso nessa classe, já que os mais pobres estão fora da faixa dos que pagam imposto de renda. O que muitos ignoram é que os mais pobres pagam proporcionalmente muito mais impostos, pois quase tudo o que consumimos é tributado no nosso país. Se levarmos em conta o gasto que uma família pobre tem com transporte, por exemplo, talvez seja muito mais alto do que uma de classe média gasta com imposto de renda. Mas quem se importa, não é mesmo? Farinha pouca o meu pirão primeiro. 

O que eu acho que as pessoas de direita ignoram é que a desigualdade social aumenta a violência. Além disso, contrario ao que muita gente acredita, é muito melhor uma sociedade onde a diferença entre ricos e pobres não é grande. Uma sociedade rica é aquela onde todos são ricos. Outra coisa que eu gostaria de comentar sobre o assunto é a famosa política "assistencialista". Todo mundo adora falar sobre o bolsa família, mas pouca gente gosta de se informar sobre o assunto. Alguns mitos merecem ser desfeitos. Nós não estamos dando esmola, o programa tem outras ações vinculadas a ele que funcionam como aperfeiçoamento e política de saída. Outra questão é o montante de dinheiro destinado a ele. Eu considero uma política direta e indireta. Tirar esse montante de pessoas da miséria ou da miséria absoluta tem consequências além da melhora na vida delas. Nós diminuímos gasto com saúde, reduz a violência, entre outros. De um certo modo o dinheiro não é só para eles.

O que muita gente não consegue entender é que isso é um exemplo de política direcional, na tipologia cunhada por Gøsta Sping-Andersen. Um governo falha em estender o estado do bem-estar social à todas as camadas da população. Direciona as políticas a uma só camada e acaba fazendo com que os setores da sociedade se desunam em vez de cobrar do governo que a política seja ampla. Exemplo, nem todos precisam do bolsa família, mas se a saúde fosse de qualidade, não seria necessário pagar um plano de saúde e todas as classes poderiam usufruir do sistema de saúde. O que muita gente acha é que o governo só ajuda a classe baixa. 

Só que no lugar de querer que todos tenham os mesmo direitos, muitos querem que os menos favorecidos sejam menos favorecidos ainda. A classe média, até certo ponto, pode arcar com um plano de saúde e fazer cortes para economizar no orçamento, mas como fazem aqueles que mal podem pagar uma cesta básica? É claro, a centro direita não é contra políticas sociais, mas pelo que eu já vivi até hoje, sei que o foco dela não é esse.

Qual o meu problema com a "livre iniciativa" e o "estado mínimo"? É histórica. Os países mais desenvolvidos do mundo não adotam mais essa política. E quando falo desenvolvidos eu excluo os EUA por 2 motivos: não conheço muito o que se passa lá e seu que a desigualdade lá é grande. Falo dos países europeus, pois conheço um pouco mais sobre eles, o Canadá e, infelizmente, não sei como a política funciona nos Tigres Asiáticos e no Japão, então ficarei só com os ocidentais acima citados. Os "avanços" da Inglaterra na era Thatcher são um bom exemplo do quão ruim o neo liberalismo pode ser. 

Reduzir o estado deixa uma lacuna. Quem pode pagar pelos serviços paga, quem não pode se lasca. Transferir para a iniciativa privada aquilo que o governo deveria fazer nunca funcionou no Brasil. Tem gente que pode argumentar que foi porque o modelo das agências reguladoras foi falho ou foi mal feito. Mas em alguma configuração seria diferente no Brasil? Voltando à livre iniciativa. O discurso é velho. Usam exemplos vitoriosos para dizer que todo mundo pode conseguir, mas esquecem que os vitoriosos são uma exceção e não a regra. Sem se lembrar também que os ricos tem mais oportunidades do que os outros. Ora, se pregam tanto a meritocracia, deveriam zerar as heranças familiares e a condição de vida de cada um para a competição ser justa.

Em resumo, é por isso que eu sou de esquerda. Poderia falar muito mais coisa sobre meu posicionamento, mas acho que uma hora é preciso resumir. E só para provocar, eu fico muito feliz com pessoas ricas e bem de vida serem de esquerda, a esquerda caviar, pois eles se beneficiariam muito mais com um governo de direita, mas mesmo assim, querem uma sociedade mais justa. Eu não. Estou mais para esquerda sardinha mesmo.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

#vamosprarua


Eu tenho algumas teorias, sem muita base, que muitas vezes gostaria de compartilhar, mas acho que serei mal compreendida. Mas talvez por escrito a coisa não seja tão absurda.

Outro dia estava caminhando pela cidade e vi um grafite que dizia:

 "que mundo você vai deixar para os seus netos?"


 Isso me fez pensar que talvez esse raciocínio seja a razão de estarmos vivendo num mundo que desperdiça tanto e pouco liga para os recursos naturais. Não herdamos um bom mundo dos nossos avós e certamente não vamos deixar nada de bom para os nossos netos. Talvez porque ainda esperamos que os nossos filhos façam por nós o que deveríamos estar fazendo agora.

Eu já fico pensando no mundo que o meu filho vai herdar e eu não posso dizer que não tenho uma parcela de culpa. Me envolvi muito pouco no processo político, não importa em qual esfera da minha vida. Mas não é motivo para desistir. Ainda tenho muita vida pela frente e ainda posso deixar um legado do qual meu filho possa se orgulhar.

Mas voltando ao grafite. O que me incomodou? Bom, estamos diante de fatos que poderiam nos motivar a termos uma atitude mais inteligente diante dos desafios da modernidade. Por exemplo, a escassez de água do sistema da Cantareira em São Paulo. Porque as coisas chegaram a tal ponto? Primeiro porque temos um monte de político que imagina a vida do país apenas em termos da duração de seus mandatos. Depois, temos na nossa mente que o Brasil é um país continental, com recursos infinitos e para que eles comecem a acabar vai demorar muito tempo. Sempre podemos gastar um pouquinho mais. Além disso, temos uma economia baseada no agronegócio, que além de não nos alimentar acaba com as nossas terras e usa a nossa água potável. Mas infelizmente, todo mundo acredita ser crucial para o nosso crescimento. Tem gente que até pensa "A Europa consumiu seus recursos naturais e chegou onde chegou, para a gente chegar a algum lugar, temos que consumir os nossos também". 

Eu não concordo. Acho que é por isso que estamos sempre um passo atrás, porque nosso pensamento está parado no século XIX. Nós não podemos comer dinheiro nem beber dotz ou sei lá o que. Os nossos recursos naturais são sim a nossa maior riqueza, mas não para serem explorados, e sim para serem preservados. Eu vejo uma enormidade de pessoas com carros que bebem 8 litros de óleo a cada 5 meses, consomem 1 litro de gasolina a cada 8 quilômetros e andam sempre sozinhas dentro desses carros. Um utilitário enorme que nunca sai da cidade. Para quê a pessoa tem um carro desses? Qual a justificativa? Eu tento usar o mínimo possível o meu carro.

Aliás, esse lobby das indústrias automotivas é um absurdo. Ela não gera tantos empregos assim, manda a maior parte dos lucros para suas matrizes e nós ficamos com a poluição que esses carros geram, e sua má qualidade. A maior parte dos carros produzidos aqui não passaria nos testes de segurança. A indústria automotiva não é algo tão bom assim para o Brasil. Nós não ganhamos em tecnologia, somos apenas mão de obra barata.

Queria andar de bicicleta em Londrina, mas confesso que grávida ou com o bebê pequeno, tenho medo. As pessoas em geral, deixam de ser seres humanos para se tornarem bestas-feras-assassinas dentro de seus carros. E aqui não tem nem calçada para a gente escapar. Mas sabe de uma coisa, eu vou tentar. Vou tentar usar fralda de pano também, embora todo mundo me desencoraje.

Quanto a minha teoria maluca, ela se conecta um pouco a todos esses problemas no sentido de resolvê-los. Estou morando em Londrina e uma coisa que me animou é o preço das casas. Relativamente bem mais baratas que os apartamentos e não tão isoladas da cidade como as de Brasília. Mas todo mundo diz que é muito perigoso.

Eu acho que em parte, é porque as pessoas se fecham e deixam os espaços livres para os bandidos. Ninguém usa as pracinhas, anda pelas ruas. É todo mundo trancado, no carro, em casa, no trabalho. A sensação é ainda mais agoniante para mim, porque aqui é tudo muito apertado. Os carros se amontoam pelas ruas, as calçadas são minúsculas e você não tem nem onde esperar o sinal abrir, isso quando eles tem o de pedestre, pois muitas vezes a gente tem que adivinhar quando atravessar. Eu me pergunto, as pessoas gostam mesmo de viver assim? Eu não entendo, Londrina é uma cidade tão bonita, mas os moradores não conseguem perceber porque estão o tempo todo passando de carro pelas coisas, sem aproveitar nada. Ao mesmo tempo as crianças tem que brincar sempre em lugares fechados porque não dá pra ficar na rua. Se um menino perde a bola e sai correndo pela rua para pegar, provavelmente vai morrer atropelado. Pro isso eu acho que deveríamos ir pra rua

#vamosprarua


Ocuparmos os espaços, levarmos uma vida longe da loucura do trânsito é termos mais qualidade de vida. Temos que acreditar. Andar de transporte público quando formos percorrer longas distâncias, andar a pé quando o dia estiver bonito ou de bicicleta. Respirar um pouco de ar puro, conhecer os menores recantos da cidade. A gente tem um clima tão bom e não aproveita. Aqui não neva, faz sol, quase não tem chuva horizontal e nós sempre trancados, enjaulados.


É mais barato, mais democrático, mais saudável e acrescenta mais qualidade de vida na rotina das pessoas. Eu acredito que seja possível. Se os holandeses conseguiram, a gente também consegue. E não adianta esperar que o governo faça. A gente tem que começar.

sábado, 16 de agosto de 2014

Assunto encerrado

Realmente é muito triste e trágico o acidente aéreo que matou o candidato à presidência Eduardo Campos, mas a noticia para por aí. As investigações não foram encerradas e noticiar todo e qualquer movimento que se faça nesse sentido de pouco ajuda. Imagino que as famílias das vítimas devam estar sendo informadas do andamento da mesma. O resto, é enrolação de quem não entende o que mais está acontecendo no mundo e fica explorando a desgraça alheia.

Do que adianta mostrar a área afetada? Eu não ouvi em lugar nenhum alguém falando de indenização às vitimas. A empresa que alugava o avião tinha seguro? Ninguém quer saber. Queremos sabem onde foram parar os pertences pessoais dos passageiros. Muito mais importante. Mais importante especular o que aconteceu com o avião sem nenhuma evidência ou prova, adivinhar o que tinha na caixa preta que nem ela mesma sabia. Mas enfim, isso é notícia no Brasil.

É uma notícia simples e fácil. Colocam-se dois ou três jornalistas no local do acidente e eles exploram tudo com afinco. Entram nas casas atingidas com os moradores e mostram os estragos. Que beleza mesmo um apartamento todo queimado...

Meus sentimentos a todas as famílias das vítimas, não só do mais conhecido candidato. Que não era meu nem antes nem depois do acidente, mas devo confessar que esse assunto está para lá de esgotado. Nada do que a imprensa tem noticiado pode ser aproveitado. Inclusive, deve ser muito chato para as famílias, que além de lidar com a dor da perda, momento de introspecção, reflexão, devem aprender a lidar também com a superexposição.

Mas enfim, depois que o avião caiu o Ebola acabou, os confrontos mundo afora terminaram e o Sistema Cantarera está revigorado.


Eu realmente acho que de nada fez falta eu ter ficado tanto tempo sem televisão. A maior parte do tempo os jornais falam de futebol e no mais, tudo aquilo que você precisa ser informado, passa correndo no jornal local, batido no nacional e a gente ainda precisa aguentar o sensacionalismo com o que todos os eventos comoventes, como o tal acidente, são noticiados.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Aprendendo a lidar com os trolls...

Não existe fórmula mágica. Por melhor ou pior que os seus textos sejam, cedo ou tarde você se deparar com eles. Confesso que pelo volume de leitores que tenho todo dia no blog, acredito que até tenho poucos trolls comentando por aqui.

Antes de mais nada, devo dizer que muitas vezes fico lisonjeada em saber que tem gente que perde tempo para achincalhar alguém que não conhece na internet só porque não concorda com essa pessoa. Eu sempre priorizei criticar o comentário no lugar das pessoas. Afinal de contas, muitas vezes mudamos de opinião, o que significa que agimos de uma maneira x, mas não significa que somos assim. Mas os trols tem essa capacidade de argumentação superficial e de visão enviesada do todo que me surpreende muito. Muitos textos desse blog não recebem nem mais o meu olhar pela quantidade de comentários que mostram claramente que a pessoa que está comentando o texto não leu o que eu escrevi e está usando o meu espaço na internet para falar o que pensa, mesmo que não tenha relação com o assunto abordado no texto. É, as vezes parece uma coisa de louco.

No começo eu me irritava e perdia mais tempo do que o tempo que o troll levou me xingando para respondê-lo, pois eu tentavam "elevar" o nível da argumentação. Como diria um amigo meu, um trabalho contraproducente. Ninguém que perde 2 minutos lendo um texto e 15 procurando adjetivos para xingar você nos comentários vai perder tempo para ler calmamente sua resposta e ponderar se por acaso poderia estar errado ou que talvez tenha um aspecto na sua argumentação que valha a pena rever. Para falar a verdade, na maioria das vezes, quando alguém argumenta anonimamente existe 80% de chance de se tratar de um comentário que contenha pelo menos uma ofensa à sua pessoa, mesmo que no texto não haja espaço para esse tipo de interpretação.

Numa segunda fase, eu confeso, cheguei a me irritar tanto que descia ao nível do troll. Me irritava muito pensar que alguém poderia chegar ao ponto de me ofender gratuitamente na internet e não levar nem ao menos uma resposta desaforada. Infelizmente eu acabava me irritando mais e no fim, acabava chegando a conclusão de que a pessoa, ao ler o meu comentário desaforado ou nervoso, tinha atingido o seu objetivo. Objetivo esse que não era nem um pouco debater o tema em questão e sim me irritar. Como alguém que nem me conhece pode ter prazer em me irritar? Eu realmente não sei porque ou para quê, mas resolvi não dar o gostinho.

Atualmente eu cheguei a uma conclusão que pode não ser perfeita, mas tem me agradado por enquanto. Eu deixo o comentário lá desde que não use palavras muito ofensivas, mas não respondo. Eu ainda leio porque ainda existem os 20% dos comentários anônimos que vale a pena serem lidos. Consigo até achar graça de muitos, sempre na linha do "como essa pessoa conseguiu pensar isso desse texto?". Outras me deixam um pouco triste ao ver o analfabetismo funcional em ação. Mas não vamos encarar isso como um problema social e fazer deste texto algo que não é. Basta dar uma olhadinha em qualquer fórum pela internet para perceber que esse problema trolístico não é uma exclusividade brasileira.

terça-feira, 8 de julho de 2014

É, perdemos.

Podia acontecer, não?! Aliás, a gente já tinha perdido antes no Maraca. Mas enfim, eu não estava animada para essa copa. Mas eu nunca estive muito animada para nenhuma copa. Realmente eu não gosto muito de futebol, mas a minha questão é mais outra. Época de copa é uma overdose. Parece que nada acontece no mundo.

O Brasil realmente não para, mas a mídia cai em cima como se não houvesse amanhã. Isso me irrita um pouco. Devo assumir até que depois de ver 80% de todos os jornais repetindo a mesma coisa sobre a copa, eu sempre ficava com um pensamento "tomara que acabe logo". E de verdade, depois da copa, minha vida volta ao normal, como a da maioria das pessoas.

Quanto a vangloriar a seleção alemã… Eles eram melhores que a gente desde o começo. O problema é que a gente sempre espera um milagre. Montamos um time em cima da hora, escolhemos um treinador teimoso, apostamos 100% no craque. Olha a receita e o resultado. Mas é claro que isso não é culpa da nação brasileira. Nós, meros brasileiros não temos nem como votar no elenco.

Mas comparar o país Brasil com a Alemanha eu não acho correto. Somos um país ex-colonia sofrendo com a exploração econômica e com uma elite que não se identifica com o seu povo. Só na copa. Aí vemos todos pintados de verde amarelo torcendo nos estádios, vaiando a presidenta sem fazer a menor ideia da diferença entre protocolo e política. Vaiando o hino da equipe adversária e depois, na hora que perdemos, sentindo "vergonha".

Vergonha de quê? De perder um jogo?! Eu tenho vergonha dessas pessoas que deveriam sentir vergonha de não assinarem as carteiras de suas empregadas domésticas, de usarem a máquina de xérox do serviço para tirar cópia dos livros didáticos "na brodagem" para os coleguinhas de turma porque é "de graça" se não for ele quem está pagando. Vergonha a gente tem que ter de sempre culpar os professores quando eles fazem greve e nunca apoiar o movimento de verdade. Tem que se ter vergonha de reclamar do transporte público quando nunca se pegou um ônibus. Vergonha de só torcer pelo Brasil na Copa, de só se sentir parte do povo bem longe da pobreza, na área elitisada que a FIFA transformou nossos estádios. Vergonha dessas pessoas que mesmo que o Brasil ganhasse, falariam mal de tudo, não veriam nosso mérito mesmo quando temos, mas não aceitam crítica dos outros. Vergonha desses obtusos, dos torcicolados intelectuais, dos verdadeiros coxinhas (por mais que a expressão já esteja bastante esvaziada).

Não acho vergonha perder um jogo para uma equipe que jogou melhor e talvez seja a campeã. O placar poderia ser melhor? Poderia. Mas o futebol é assim, uma caixinha de surpresa. Nós inventamos o ditado e não sabemos o que ele significa?!

A Copa é um evento onde jogam times que são compostos por pessoas que tem inteligência esportiva. Não podemos esperar que seja uma arena para um debate político produtivo, que seja a tradução do Brasil como nação. Claro que o futebol ajuda na coesão social, no sentimento de pertencimento do brasileiro. Mas todos sabemos que ganhando ou perdendo o futebol não apaga nossos problemas. Quem são esses 200 milhões em choque?

Eu não estou em choque. Estou chocada com o número de casos de dengue em Londrina. Com a novo vírus que é agora carregado também pelo mesmo mosquito. Com o número de vítimas das enchentes todos os anos pelo país afora.

Então, sinceramente, me desculpem os mais abalados, mas acho que a gente chora e entra em choque por coisas que realmente afetam a nossa vida e a da nossa comunidade.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Brasília é uma cidade turística, mas não é preparada para receber turistas

Mais uma vez eu me espanto com a maneira com que vemos as críticas.

Felizmente eu tive a chance de turistar em algumas cidades do Brasil e outras fora daqui. Entendi muito do que o crítico do New York Times falou em sua reportagem e achei um pouco exagerada a reação por parte de alguns brasilienses.

Não me entendam mal, todos tem pontos em seus argumentos. Começo dizendo que a percepção de alguém de fora e de alguém que mora na cidade são diferentes. O modo como a cidade lida com turistas e com nativos também é. Brasília, como muitas outras cidades no Brasil não é preparada para receber turistas, por mais que tenha potencial turístico.

Não temos mapas da cidade em locais de fácil acesso. Não existem itinerários dos ônibus nas paradas ou qualquer outra informação em outra língua que não seja nas recentes placas de sinalização. Não existe um cartão da cidade que te dê desconto em peças e shows e que sirva também para o transporte público. Eu não sei como funciona o cartão do metro e se existe alguma integração entre ônibus e metro em Brasília, mas pela simpatia dos funcionários que vendem as passagens, eu, mesmo quando morava lá, nunca me senti impelida a perguntar. Mas será que eles falam inglês? Eu duvido.

Onde fica o Turist Office de Brasília? No aeroporto? Nas outras cidade que visitei, a maioria deles ficava no centro, mas Brasília não tem centro. O lugar mais movimentado da cidade é o trecho entre o Conjunto Nacional e o Pátio Brasil, passando pela Rodoviária e o Setor Comercial Sul. Nada muito turístico.

Aliás, é bom ressaltar que a maioria das pessoas prefere conhecer os pontos turísticos à pé e se deslocando entre grandes distâncias pelo transporte público. Algo muito difícil de fazer em Brasília por isso a sensação de isolamento. Se optar por andar a pé, não se chega a lugar algum em menos de 15 minutos de caminhada. O brasiliense (e talvez o brasileiro em geral) gosta do binômio carro-shopping, mas isso é algo que se faz e que existe em quase toda cidade do mundo. E vamos e convenhamos, shopping é tudo igual, as lojas são quase todas as mesmas. Bom mesmo é andar à pé, e de repente descobrir algo diferente do que estava planejado. Uma pracinha charmosa, um café, um monumento que não estava no guia...

Mas enfim, voltando ao texto. Veja bem, o cara é turista, ele não está frequentando a escola para fazer amigos. Como vai conhecer as pessoas em Brasília? Eu morei 30 anos lá, desde que nasci até pouco tempo, e acho, sinceramente, que se você não tem ninguém para te introduzir a alguma turma, fica muito difícil fazer amizades ou descobrir onde ir e o que fazer. Se virar sozinho então, sem falar português parece um desafio e tanto.

Bem, quanto ao entorno de Brasília, existem lugares bonitos, cachoeiras, natureza e etc. Mas as cidades satélites em si são mais uma massaroca de concreto desordenado e feio. Não discuto que são bons lugares para se morar, mas se eu fosse turista em Brasília não gastaria meu tempo conhecendo Águas Claras ou o Guará. É o tipo de lugar que a gente só vai se tem o que fazer ou quem visitar.

É claro que o colunista do NYT usou um monte de clichês para falar de Brasília e suas críticas parecem ter sido embasadas por uma observação bem superficial. Um lugar frio o pouco acolhedor. Bom, você pode usar quase todos os argumentos referêntes a esse aspecto da cidade a críticas feitas ao bairro da Défense em Paris. Acho que o concreto armado inspira esse tipo de comentário.

Mas Brasília tem sim seus paraísos perdidos em meio ao concreto. O parque da cidade, muitos jardins nas entrequadras, bares charmosos e cafés acolhedores… Pena que não dá para ver quase nada disso da janela do carro.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Sensibilidade moderna

Não se pisa em ovos esses tempos
Os ovos se quebraram
Sobraram as cascas
Pisamos em porcelana fina
Do sentimento de gente argelina

Fake!

Todo um é mais frágil que o original
Cópias são sensíveis demais,
não duram, não resistem.
Lidam mal com o tempo, com a comparação

Os cegos de espírito se confundem
Fragilidade por sensibilidade
Agressividade por verdade

Bem vindo ao século da falsidade!

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Como reivindicar algo do jeito que a imprensa quer?

Esse post surgiu depois de refletir um pouco sobre o que a mídia quer da população. Sabe, desde as manifestações de junho do ano passado que escutamos coisas como "a população tem o direito de manifestar, mas sem violência", "as manifestações devem ser pacíficas", "nada de vandalismo" (e olha que muitas vezes os ônibus que são queimados já deveriam estar fora de circulação a muito tempo)... E dá-lhe críticas aos Black Blocs...

Mas é engraçado, pois na maioria dos países do antigo 3º Mundo as manifestações sempre acabam em violência por conta da intervenção da polícia. Mas enfim, eu pensei bem e queria compartilhar alguns pontos:

- Os manifestantes tem sido enquadrados pelo crime de formação de quadrilha.
Na ditadura um aglomerado de pessoas conversando no meio da rua era caracterizado de que mesmo? Alguma semelhança? Todos aqueles que foram presos fizeram alguma coisa?

A rede Globo não precisa lembrar, afinal, o Estado detém o uso legítimo da violência. Mas sabe, eu não me lembro se Max Weber se referia ao regime democrático. E mesmo se fosse, não acham que essa visão está um pouco ultrapassada. Falamos em democracia representativa e participativa a mídia puxa essa carta amarelada e mofada de "uso legítimo da violência".

Tudo bem, vamos voltar com o quesito reinvidicações. Como a mídia espera que façamos as tais reivindicações? Os abaixo assinados podem (e muitas vezes) são ignorados. O que eu tenho impressão de que querem que façamos, no lugar das manifestações, algo tal um carnaval fora de época. Ou uma espécie de CRUJ (Comitê Revolucionário Ultra-Jovem) que lutava por máquinas de refrigerantes nos corredores da escola e recreios de 1 hora. A imprensa não gosta da população séria externando sua indignação com palavras de ordem. Não, temos que estar todos de mãos dadas, caras felizes e flores nos cabelos. Nada de coisas sérias, por favor. Dá trabalho para os repórteres. Eles vão ter que estudar para entender, quem dirá explicar.

Mas porque manifestar então. Achei que o propósito de ir às ruas era justamente bradar para que a população seja ouvida, incomodar. Pois eu tenho a impressão de que os políticos não fazem a menor ideia e não tem o menor interesse em agradar o seu eleitorado. Vide a "mini-reforma eleitoral".

Quais são os mecanismos democráticos de reivindicação? O voto? Muitos caçoaram o #nãomerepresenta, mas o que fazer quando isso é verdade? Eu tenho um voto para gastar com um candidato que pode ou não ser eleito. Dentre as opções de candidatos que são apresentados, o que fazer se nenhum me agradar? Eu sou mesmo obrigada a escolher o menos pior? Se a minha única ação política é votar, porque eu não posso votar diretamente nos assuntos que me interessam? Porque tenho que escolher um representante? E porque esse representante, mesmo sendo eleito por mim, vota de acordo com as afiliações partidárias, troca votos por postos, ministérios... E eu, tenho que ver isso e ficar contente? Falar "pelo menos eu votei consciente", deitar minha bunda no sofá em frente a televisão e ficar esperando um milagre acontecer?

Ou ainda, até que ponto estratégias como tentar colocar membros de um mesmo partido no poder para que o governo tenha uma maioria x ou y não é ser condizente com um sistema que confunde ideologia com interesse? Agora estamos mais uma vez próximos das eleições e o que eu mais vejo são comentários vesgos sobre política. Confunde-se o governo com uma pessoa, o partido com um político, uma ideologia com uma barganha.

Outra coisa que me preocupa é a pouca representatividade dos sindicatos e a aparelhagem da CUT. Regulamentação de greve e a simples possibilidade de se considerar uma greve ilegal para mim soa como um modo de impedir as reivindicações da população, das classes de trabalhadores. Os sindicatos sempre foram a forma dos trabalhadores se organizarem, pois os partidos políticos sempre exigiram tempo e dinheiro que essas classes não dispunham.

Entretanto eu não acredito que não exista a diferença entre esquerda e direita. Acho apenas que muita gente se esqueceu o significado disso. Eu sou de esquerda, mas o PT não é o meu partido.

Certa vez eu disse que o brasileiro vota no político e o que quis dizer com isso é que muitas vezes ignora o funcionamento do executivo e supõe que seu candidato possa de alguma forma ser um ser todo poderoso que deseja e faz. Quase um justiceiro que não está sujeito às regras do nosso regime, ou que de fato o regime o permite fazer o que quer e que não beneficie aquele que age como todos. Enfim, votamos no político, mas ele não está sozinho. Os partidos que aí estão são cada vez mais do mesmo. Eu e a maioria do país votar nulo não irá anular o pleito nem obrigará uma mudança nas candidaturas. O sistema que aí está não permite aos pequenos, os ainda idealistas, que realmente disputem.

- Me diga então, oh, grande mídia toda poderosa, o que devo fazer?
- Votar ou não votar, eis a questão? Só?

terça-feira, 20 de maio de 2014

O paradoxo da maternidade

Muitos ainda acreditam que o papel da mulher é ser mãe. A alegação se baseia no papel supostamente "natural" e "biológico" do sexo feminino. Para continuar com essa afirmação em tempos onde os instintos são tão pouco valorizados e tentamos ao máximo nos separar da natureza, fala-se do gratificante papel da mãe. Temos até um dia para elas (!) Mas contrariamente ao que se possa imaginar, a maternidade não é tão valorizada assim no nosso país.

Apesar dos clichês existe um paradoxo na maternidade. Ele reside na sua real importância e na competência da mulher para exercê-la. Desde a gravidez até o parto e para o resto da vida. Ao mesmo tempo que é valorizada como mãe, não é dado a mulher autonomia para gerir seu corpo, seu parto, seu filho. E contraditoriamente é a pessoa mais autorizada a exercer essa função. Em algumas sociedades, como a nossa, de base extremamente sexista, nem ao menos empurrar o carrinho é uma função que pode ser exercida por homens.

Bourdieu, em seu livro "A dominação masculina" expõe a teoria de que todos os papeis da mulher na sociedade contemporânea tem relação com a maternidade e o cuidado que deriva dela. Secretária, professora, enfermeira... Como se o papel da mulher fosse uma grande continuação da maternidade over and over.

Felizmente o debate e a luta contra esses papéis vem se acirrando. E a famosa frase que eu ouvi durante todo o meu mestrado e que ressoa aos meus ouvidos "quando você for mãe, você vai entender", pode conter um futuro menos apocalíptico do que parece. Mas uma coisa eu devo confessar, por mais que tenha aprendido, com a gravidez mais do que nunca, a fazer ouvidos de mercador, o que mais sinto é indignação feminista na veia. Pois a verdade é que ao ser mãe não ganhamos tanto respeito ou autoridade quanto poderíamos esperar.

Duvida? Porque então as mulheres são tão mal tratadas na sala de parto? Porque são vítimas do teto de vidro no mercado de trabalho por conta a simples possibilidade de serem mães? No fundo no fundo não tem autoridade para decidirem nem como querem parir. Depois ainda temos a enorme responsabilidade de cuidar do bem estar físico e emocional dos bebês, levando todas as frescuras da sociedade em consideração pois podemos ser acusadas de negligência o tempo todo. Como disse a Badinter, o sinônimo de maternidade é culpa.

Culpa que nos fazem sentir desde o instante em que engravidamos. "Mas você não se preparou antes de engravidar?", "está tomando isso, comendo aquilo, fazendo assim, pesando assado"... Tem que ler um monte, pois nem o que vai comer ela tem autonomia para decidir. E o que eu acho mais engraçado é que as cervejas importadas vem um símbolo de que mulheres grávidas são proibidas de ingerí-las (o que sabemos que não é verdade absoluta), mas outras coisas que grávidas não deveriam comer, não são reconhecidamente proibidas para gestantes. Se você não está informada, pode acabar comendo algo que não deve, fazendo algo que não deve. Nenhuma informação é de fácil acesso, nada é confiável. E ainda assim, a culpa é 100% sua, só sua.

Paralelamente a isso, temos que lidar com o fato de não sermos autoridade suficiente para escolher pelos nossos filhos e lidarmos com as consequências. Parece que a sociedade toda é um grande espião. Devemos entender que o cuidado com a criança não deveria ser nem chamado de maternidade. Algo que poderia sim ser dividido entre os sexos deveria ser entendido como cuidado parental. O próprio termo maternidade influencia homens a continuarem negligentes com a função. Praticamente tudo o que a mãe faz o pai pode fazer.

Muitos falam que só a mulher pode amamentar. Bom, agora eu sei que o percentual de mulheres que não tem leite ou do qual o leite não é suficiente é grande. Insistir nesse argumento faz com que essas mulheres se sintam menos mulheres (visto que isso e o parto parecem ser as exclusividades femininas em termos de parentalidade), mas também faz com que homens, que poderiam participar desse momento, onde muitos afirmam ser onde se a cria o vínculo com a criança, fiquem de fora tornando a relação deles com os filhos distante. Se qualquer um pode dar leite para a criança no copinho, porque o pai não pode fazer?

A maternidade é função da mulher, muitos dizem e afirmam. Mas as mulheres estão cercadas de autoridades masculinas mais capazes de julgar seu papel do que ela. Médicos, juízes… Sinto muita vontade de não ouvir nada. Sinto muitas vezes raiva de quem fala, com sarcasmo, "você vai ver, vai entender". Porque jogar uma praga nos outros? Se ter um filho é uma experiência tão única porque supões que todxs a encararão da mesma maneira?

Enfim, seria tão melhor se as pessoas esperassem a gente perguntar do que saírem por aí se metendo na maternidade dos outros, ou melhor, na parentalidade dos outros.

Em contrapartida, governo e sociedade não fazem nada para aliviar o fardo. Ter um filho não tem nenhum incentivo do governo. O bolsa família é exclusivo para uma faixa da população. Deveria ser estendido à todas. Não ganhamos o enxoval do bebê, não temos creches, berçários, nada em quantidade suficiente. Em suma, não ganhamos nenhum incentivo por colocarmos mais um brasileiro no mundo, no máximo um dia por ano e uma comemoração ridícula, um "feriado" com fins comerciais para quem já gasta tanto por negligência do governo.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A sinceridade

Esse é um tema bastante espinhoso. Falar a verdade por aqui pode ser um comportamento muito criticado. Desde coisas bobas como "não gostei" ou "não quero" até colocar suas opiniões em relatórios supostamente "objetivos".

Um exemplo clássico dessa dificuldade nacional é recusar um convite. Sempre temos que estar tencionados a comparecer, por isso devemos inventar algo, nem que seja a famosa consulta ao dentista ou o exame de sangue para recusar um barzinho com os amigos. Parece que dizer "não estou muito a fim" ou "não estou muito animado" é equivalente a dizer "você é um chato e eu não quero sair com você".

Eu percebi isso com mais clareza quando estava na Suécia. Minhas amigas sempre faziam "diners parties"e muitas vezes eu só queria ficar em casa na companhia do meu marido que trabalhava umas 10 horas por dia. Eu, no meu hábito brasileiro, com vergonha de dizer "não", soltava um "maybe". Pra que!? Depois eu ficava sabendo que era presença contada na festa. Que para eles, os alemães, talvez era quase "sim", quando aqui, é mesmo "não".

Uma amiga minha indiana me ensinou bastante sobre sinceridade, embora eu nunca tenha dito isso a ela. Uma pessoa franca, não sei se a cultura indiana é assim, ou se era ela mesma. Mas não tinha medo de dizer que não comia comida ocidental, que não gostava disso, daquilo e que achava isso ou aquilo. E era engraçado, pois ela não tinha papas na língua. Falava sem floreios. Não é à toa que era o guia da turma. Sempre que alguém precisava de um conselho, recorria à ela. E é engraçado, pois eu quase sempre concordava com ela. Mas acredito que se ela vivesse por aqui, não teria tal posição. Acho que seria considerada grossa ou tosca.

Outra coisa interessante é que você aprende a ouvir os outros de uma maneira mais tranquila e principalmente, respeitar sim as diferenças. E talvez por isso, consiga até conviver melhor com seus amigos. Uma certa vez, um amigo nosso recusou um convite dizendo "Vou tomar café e ler artigos. Sempre faço isso às quintas-feiras". No começo achei estranho alguém ter uma agenda assim, mas depois de uns tempos morando por lá, percebi que muitas vezes para dar conta de se fazer tudo o que se tem que fazer é preciso colocar na agenda, senão não sobra tempo para se fazer o que quer. No fim, ele acabou aparecendo no bar para nos encontrar, mas desconfio que só depois de ler uns artigos antes.

Quando estava lá, recebi muito poucas visitas. Uma delas me desapontou muito nessa "brasilianidade". Eu não tinha muito dinheiro para viajar e precisava organizar as coisas com antecedência. Essa pessoa ficou hospedada na casa de amigos numa cidade próxima. No mesmo período, meus sogros estavam na nossa casa e iriam embarcar no tour pela Escandinávia em poucos dias. Resumo da ópera, eu deixei meus sogros no hotel e fui encontrar essa amiga. Mas algo me chamou a atenção: ela não parecia fazer muita questão de me ver. Achei deselegante essa atitude, sendo que ela sabia que eu estava abrindo mão de passar mais tempo com eles para encontrá-la. Mas se ia me tratar com descaso, porque não me poupou a viajem?

Eu sei que muitas vezes as pessoas se magoam com a gente e a gente não sabe ao certo o motivo. Acredito que quando a gente não acha que fez algo errado, não consegue prever os melindres alheios. Mas será que esse descaso não foi um resultado desse hábito de ter que estar, em tese, sempre disposto? Ou pior, talvez ela tenha pensado que eu fosse me magoar ao ouvir que ela de fato não queria me ver e fosse preferir ser mal tratada por ela. Faz sentido, né...

Outra coisa que considero parte da hipocrisia nacional é o respeito às diferenças. Todo mundo fala, mas quem é que realmente respeita? Em toda a discussão parece que quem puxa a carta da diferença é aquele que não tem argumentos ou que não consegue aceitar outro ponto de vista. No fim, o que você percebe mesmo que sua diferença será respeitada sim, quando for igual a de todo mundo, ou seja, não seja diferente.

Outra coisa que me irrita muito é a máxima de que existem diferentes maneiras de se dizer a verdade, indicando que haveria uma certa e uma errada. Quando eu digo "verdade" é no sentido de dizer o que o outro realmente acha ou pensa. Ninguém é de fato dono da verdade. Mas as pessoas confundem aquela mentirinha de elogiar uma roupa que você de fato não gostou porque percebeu que a pessoa está se sentindo bem nela e perguntou sua opinião com coisas mais sérias, como trabalhos de escola, feedbacks profissionais e etc. Tudo sobre a desculpa do "existem maneiras de se falar isso ou aquilo". A discussão sai do plano do conteúdo do que foi falado e vai para o da forma como foi falado e aquilo que se disse não tem mais importância.

Eu confesso que sofri muito durante a minha adolescência por ser sincera. Claro que quando era adolescente, acrescia uma dose de sarcasmo à minha sinceridade, e isso sim, eu descobri que é, em muitas vezes, desnecessário. Mas hoje não me arrependo de ser como sou. Ao contrário de muitos que se fixam na minha imagem adolescente, eu não saio por aí falando as minhas verdades ao vento. Reservo sim minhas opiniões mais sinceras ao crème de la crème dos meus amigos, mas também não sou hipócrita. Aquilo que sei que não será bem recebido, não minto, omito.

Não me envergonho de ser sincera. Não digo que sei tudo, mas tem muita gente que gosta de interpretar assim. Fica sentido pelo o que eu falei e racionaliza dizendo a si mesmo "quem ela pensa que é? acha que é a dona da verdade?". Para esses, fica o meu lamento. Quem souber ouvir uma opinião sincera, e desencanar se não concordar, talvez se beneficie da companhia, mas quem não souber, se poupe e não me pergunte o que eu acho. Também não tenho medo de ouvir respostas de qualquer jeito e esse eu acho que é o segredo. Como diz o batido ditado "Quem fala o que quer ouve o que não quer".

No mais, por mais "autista social" (como um amigo meu me chamou outro dia) eu possa ser, sinto que estou bem comigo mesma nesse aspecto e talvez aqueles que não gostam da divergência e chamem isso de falta de tato social, não tenha muito do que se orgulhar.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Porque eu AMEI Breaking Bad

Antes de mais nada, gostaria de avisar aqueles que ainda não assistiram a totalidade do programa que NÃO leiam esse post. Muitos SPOILERS.

O principal motivo pelo qual gostei do seriado, foi a narrativa: simples e direta. Além de cumprir a proposta que faz . Não é necessário ler livros para se entender o que passa na série. Os dois principais personagens, Walter White e Jessie Pinkman foram muito bem pensados. Os atores ajudaram. Mas o que eu mais gostei foi o sentido dado ao título do seriado que norteia toda a narrativa.

O meu marido tem um certo problema com expressões idiomáticas. Muitas vezes traduz literalmente do inglês expressões que ele presume que serão idênticas no português. Uma que eu sempre achei engraçada foi o tal do "quebrar a personalidade". Não sei como deve ser a original em inglês, mas assumo que tenha "breaking" em algum lugar.

Temos então os dois protagonistas: Walter White e Jessie Pinkman. A princípio tudo leva a crer que Breaking Bad é uma referência a falência do personagem principal por conta da incapacidade de pagar pelo tratamento de câncer que precisa. 

Ao olharmos para Walter White da primeira temporada, imaginamos um homem comum, honesto, que tem dois empregos para dar conta de prover sua família como se deve. Ele aparece nessa temporada como um homem discreto. Mas uma coisa parece não encaixar: sua escolaridade. Incompatível com os demais membros de sua família e de seu núcleo familiar. A então modéstia do personagem levanta algumas suspeitas. Quando aparecem os ex-sócios de Walter, imaginamos que ele foi injustiçado na sociedade, como tantos outros casos que vimos por aí. Talvez essa tenha sido a razão pela qual se encontra na posição em que está no início da trama: professor de um College durante meio período e lavador de carros no outro.

Tudo bem que essa parte de lavador de carro eu não consegui entender muito bem. Um trabalho que ainda tem relação com sua formação, como professor de Química de uma escola, eu até entendo, mas lavador de carros, eu confesso que não consigo entender. Mas é preciso entender um pouco de como funciona o mercado de trabalhos braçais lá fora. Talvez o segundo emprego pagasse melhor do que o primeiro e ele só continuasse dando aula para se manter perto da sua área de formação.

Já Jessie Pinkman começa a série como um dependente químico controlado pelo vício que parece ter problemas em perceber a idade que realmente tem. Ele age como um adolescente, se veste como tal e fala como tal. Impulsivo e inconsequente, o jovem é menos carismático no princípio que o íntegro professor de Química. Esse porém nos deixa com pena, pois ao descobrir que tem câncer, ele tenta continuar suas atividades normalmente para não alarmar a família.

Com o passar das temporadas o papel se inverte. Vamos percebendo que a postura íntegra de Walter White é sim um papel que ele representa e só o faz por ser orgulhoso. Incapaz de ser rico, talvez por culpa do próprio orgulho, ele faz de tudo para conservar a reputação de homem correto. Vemos então o orgulho que ele tem da droga que elabora e como fica irritado quando alguém tenta imitar o seu produto. As provas desse orgulho aparecem nas últimas temporadas, quando alerta o cunhado policial sobre a possibilidade de Gael não ser o famoso Heisenberg e quando mantém guardado o livro que o primeiro lhe dá de presente pois contém comentários elogiosos a respeito dele.

Já Jessie, mesmo sem ter no que se agarrar, sem ter uma desculpa, não concorda em matar, extorquir ou mesmo se meter com gente perigosa. Já Walter tenta se convencer de que aquilo é um negócio, como se assim pudesse se distanciar do mal que a atividade causa ou que pelo fato de estar fazendo o que faz para proteger sua família, seu pecado seria menor. Chega a parecer as vezes que ele se sente injustiçado pelo mundo e está no seu direito de reagir.

Outra coisa que causa estranheza a primeira vista é como a relação dos dois vai se intensificando. A princípio, Walter despreza Jessie e só propõe uma parceria porque precisa de alguém para introduzí-lo no meio. É engraçado pensar que Jessie fora aluno de Walter e detestava o professor que aparentemente se decepcionou com o aluno. Quando os dois se reencontram, tempos depois de Jessie ter largado a escola, ele está justamente trabalhando no cozimento da droga, uma atividade química. Ele também é o único que consegue repetir o processo de Walter e produzir o "blue sky". Mas nem por isso ganha o respeito de Walter.

A relação dele com Jessie é como se o último fosse o único resquício de humanidade e bondade que pudesse emanar de Walter. Ele se apega ao garoto e o protege na tentativa de se fazer parecer mais humano frente aos outros. Mas o pupilo vai conhecendo cada vez mais a natureza sórdida de Walter que o faz desprezar o professor. Infelizmente ele se vê preso a ele e ao negócio e age como um autômato em vários momentos da série por ser incapaz de agir como Walter, sem escrúpulos.

Ainda nesse momento da série muitas vezes duvidamos se Walter é realmente esse monstro, mas para quem reluta em acreditar, nos últimos episódios da série, ele dá um telefonema para a mulher confessando o assassinato de seu cunhado (que não diretamente praticado por ele, mas que havia de fato sido arquitetado por ele) e ameaçando a esposa. Pela primeira vez ele se revela completamente na trama, pois não busca se justificar com motivos nobres suas atitudes.

Por fim, e eu vou parar por aqui, mesmo tendo mais coisas para comentar, há um confronto final entre Jessie e Walter onde o primeiro tem a chance de se vingar do segundo. E ao invés de se desumanizar como Walter, Jessie o deixa viver, o que é uma pena para Walter, pois ele não tem mais a máscara de bom moço nem a justificativa de estar zelando para o bem de sua família. Ou seja, todo o seu disfarce de desfaz por completo, um processo que vem acontecendo desde a primeira temporada, e aí que ele "breaking bad".

O seriado ainda poderia se estender mais, mas esse é o bom dele, afinal, quando começa, já sabemos que Walter vai morrer. Só nos resta saber se em decorrência do câncer ou do envolvimento com o tráfico de drogas. Ele não tem porque enrolar. Eu entendo que os processos são inversos: a desconstrução da falsa normalidade e honestidade de Walter em contraponto com o fortalecimento do caráter de Jessie. O primeiro vai de herói a anti-herói e o segundo sofre o processo inverso.

#breakingbad

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Mudar é difícil, mas é preciso

Depois de quase um mês em Londrina, arranjo pela primeira vez um tempinho para blogar. A saudade é imensa, inclusive dos espaços virtuais aos quais me habituei. Mas as miudezas do cotidiano nos consomem e quando paramos para pensar, quase nada era realmente necessário. Infelizmente, refletir sobre isso não é produtivo ou permitido. Vamos em frente.

Durante todo o processo eu achei que estava indo devagar, mas um mês aqui já temos quase tudo o que precisamos, temos médico para o bebê, fogão, geladeira e máquina de lavar. Cama e bom, só. O dinheiro acabou, agora só quando o pagamento cair. O mais difícil são os detalhes. Muitos. Tantos que nem nos damos conta do quanto gastamos e do que precisamos. Talheres, copos, pratos, panos... Isso sem contar os mantimentos. Temos que comprar tudo novamente, desde o sal até os temperos. Nada é de graça.

Realmente não é fácil. E as perguntas parecem não entender a odisseia que é montar uma vida. Não estamos começando, estamos continuando, mas tivemos que resetar o sistema. Ainda me cobro por não ter o mesmo pique que tinha antes de engravidar. Aos poucos estou entendendo o que a amiga Pati disse: Nada vai ser como antes.

O apoio vem de onde não esperávamos. Chegam cartinhas lindas de amigas de luta para as quais nem expus meus anseios, mas que tiveram sensibilidade e empatia para dizer com eficácia "sim, você vai conseguir e sim, estamos aqui". Eu também estou aqui.

Impressões ainda estão bem turvas. A cidade parece legal. Tem falafel e chorinho no bairro. Mas ainda é cedo para dizer o achei, como vai ser a vida aqui. Mais uma vez acho bom não me precipitar. Já ouvi dizer que a gente gosta de onde vive bem. Tudo indica que viverei bem aqui. Assim espero. E quem sabe daqui a pouco não me inteiro sobre os modos e costumes do londrinense a ponto de adicionar outra sessão ao blog, crônicas londrinenses.

De Brasília saudades também. Da beleza, das histórias, da vivências, dos amigos, da família, do clima.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Espero que vocês fiquem entalados no trânsito!

Desculpem o tom, mas é mesmo um desabafo...

Desde que saí da casa da minha mãe, nunca tive carro. Usei uma scooter como meio de transporte e uma bike. Não concomitantemente. Da scooter eu abri mão quando uma madame tentou me matar, da bike, quando parei de trabalhar perto de casa.

Hoje, para a minha infelicidade, tenho um carro. Não que eu ache ruim poder ter um carro, mas acho ruim ter que ter um. Carro implica gasto com manutenção, seguro, gasolina, estacionamento e impostos. Além de muito estress. Se você tem um carro, vai ter que andar com ele no trânsito e aí vai lidar com o melhor tipo de pessoa #sqn.

O carro é um símbolo de poder. Ter um carro coloca você acima de quem não tem (ou de quem não está no carro naquele momento). Para algumas pessoas, ausente de qualidades individuais, o carro é a única maneira de se conseguir respeito. Muitos colocam todas as frustrações no veículo. A sensação de poder, de estar protegido pela couraça de metal, de ser quase um mascarado, permite aos projetos de delinquentes cometer todo o tipo de delito com a desculpa de "mas onde eu ia para o MEU CARRO?".

Tudo é desculpa. O do carro maior "não" viu o menor, o mais caro podia sim fechar o mais barato, afinal, ele não ia chegar a tempo mesmo. Tudo pode, menos parar no lugar permitido, dar passagem, para no sinal vermelho quando não tem pardal…

Eu odeio o trânsito porque as pessoas são egoístas e mal educadas. Vale mais botar a mãozinha pra fora e fechar o outro do que dar a seta avisando que vai virar. Somos uma legião de inválidos parando no meio fio, subindo a calçada, estacionando em fila dupla, porque não podem andar 5 minutos até o destino. Eu me pergunto se o estacionamento subterrâneo (a ideia de jerico mor) vai funcionar, afinal, quanta gente não insistirá em estacionar em cima porque dá muito trabalho subir escada.

"Servidor público, ai como eu odeio você nessa hora!" Só entende quem mora na 402 Sul e quer sair da sua própria quadra entre 14 e 18 horas. O pessoal do setor de autarquias estaciona em fila dupla, sendo que tem vários prédios repletos de vagas devidamente reservadas para esse fim. Mas os inválidos mentais não podem andar um pouquinho. Eles precisam tornar a nossa vida um inferno. E ainda assim, não tem nem o bom senso de não estacionar na curva. Correm demais para quem está andando numa residencial, trancam a pista de modo que só pode passar um carro de cada vez, onde passariam 2. E ah, são todos apressadinhos e rápidos na buzina.

Mas eu gosto mesmo dos donos de utilitários. Sempre sozinhos nos seus carros, nunca parando no lugar certo, ainda tem a ilusão de que seus carros não são um trambolho, param de qualquer jeito. Só porque sabem que as encostadas dos outros, no máximo, pegarão nos seus pneus. Como vocês são incômodos! Espero que no fundo, sintam-se felizes por estarem na contra-mão do mundo. Tem gente que diz que é o carro ideal para a família, mas qual? A menos que essa família possua 7 integrantes e esteja sempre de mudança, não vejo a utilidade de um utilitário.

De todo modo, nada pior do que o DETRAN que NUNCA multa esse povo. Eu me pergunto para que ele serve. Quando alguém já viu um veículo estacionado em lugar indevido ser rebocado? Realmente não dá pra confiar no bom senso alheio, tem que multar. Mas só multa no pardal, na câmera. Porque o cara não quer nem sair do lugar. Fica lá, olhando a telinha e arrecadando dinheiro. É mesmo um absurdo. Qualquer voltinha no Setor de Altarquias, Bancário e na 402 Sul no horário comercial ia render uma fortuna em multas para o governo. E quem sabe com o dinheiro ele pensasse melhor e colocar um asfalto "à prova d'água"?

sábado, 1 de março de 2014

Mais um carnaval

Lantejoulas e paetês
cerveja e brilhantina
a música não interessa
não precisa nem ter rima

Uma beleza quando começa
A grandeza da nossa festa
Ninguém liga para o dinheiro que se gasta
Nem organizar tamanha arruaça
Só importa a farra
Beber pra esquecer o merda que é você

E no fim do glamour
O perfume se mistura com suor
O corpo salpicado de papel picado
O chão mijado
O lápis borrado

Mas quem liga?
Valeu a pena
E a alma, é pequena?


*poema inédito e meu mesmo.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Para entender um pouco sobre literatura - a representação

Eu deveria falar mal de algo da moda sempre, para dar ibope para o blog, mas sou uma pessoa sem TV e as tendências e temas da moda me dão um pouco de preguiça.

Mas algo que eu gostaria de abordar para que os fãs de Game of Thrones, e outros que critico, entendam um pouco melhor o meu ponto de vista. A crítica literária não é uma ciência. Tem gente que até colhe dados, mas tem sempre um aporte teórico por trás. E tudo depende da sua "escola". Mesmo assim, teoria literária não é a casa da mãe joana. Eu não posso falar o que eu quiser. Claro, quando estou colocando a minha opinião pessoal, posso até dizer o que penso sem embasamento teórico. Mas acaba sendo meio difícil isso acontecer, pois determinado tipo de abordagem faz com que você veja tudo, até as coisas mais simples do cotidiano, com outros olhos. Por isso resolvi colocar alguns tópicos caros aos teóricos da literatura tentando abordá-los de uma maneira simples para, quem sabe, sensibilizar alguns leitores.

A representação.

Muita gente se defende dizendo que novela é só para passar o tempo, que revistinha é só para se divertir e etc. Bom, parte da minha formação literária tem uma forte base sociológica e psicossocial que diz o contrário. Como nossa identidade individual é formada? Numa bolha? Não. Nas relações familiares e sociais. A questão da representação dialoga com isso no sentido que parte do imaginário social é auxiliado pela literatura e por outras produções ficcionais como a novela, os filmes e seriados. Quanto você não atribui aos Simpsons da cultura americana? Ou quanto você não acaba imaginando que nos EUA as coisas aconteçam como nos seriados?

A mesma coisa por aqui. Benedict Anderson acredita que a Nação é uma comunidade imaginada. Mas imaginada por quem? Escritores, jornalistas, cineastas, músicos, artistas… Eles reproduzem muito do que veem, e muito do que veem é cheio de preconceito e estereótipos. Muitas vezes eles reproduzem aquilo que querem acreditar. Mulher é dona de casa ou puta, negro é pobre e bandido. Comparando com os dados do senso, isso está longe de representar a realidade. Mas aí tem muita gente que alega ser ficção. Mas porque então a maioria das obras não foge do lugar comum? Sugiro que aqueles que gostarem da discussão deem uma lida na entrevista do link acima.

Mas ainda, porque se preocupar com o que um escritor escreve? Não é só a nação que é fruto da imaginação. Nós temos muitos elementos exteriores que contribuem para a formação do nosso inconsciente e consciente - ou ainda, da identidade. O que eu encontro de mais simples para explicar isso é o fato, por exemplo, das meninas serem sempre representadas de rosa, brincando de bonecas, de vestido. Como se sente a criança, na fase concreta, a pequena menina que quer andar de skate e que sua cor predileta é azul? Pode ser que ela não ligue, se a família dela estimular, mas pode ser que achem que isso não é coisa para menina, afinal, não se vêem muitas meninas por aí representadas dessa maneira. Qual das princesas da Disney anda de skate? O processo é mais complexo, mas eu estou tentando passar de uma maneira mais simples.

Outro exemplo que pode ajudar. A questão dos negros no Brasil. Como eles aparecem na literatura, nas novelas, nos filmes? Pobres, subalternos e sobretudo - bandidos. Todo mundo condena o rolezinho porque já tem na cabeça que negro é bandido, mesmo que não tenham feito nada. Será que o fato deles serem as maiores vítimas da violência policial é apenas coincidência? Eu acho que não. Podemos trabalhar com a lógica tostines: a literatura reflete o preconceito da sociedade que é racista ou a sociedade é racista porque a literatura é racista? Eu prefiro acreditar que eles se retroalimentam. Uma fomenta a outra.

Mas a gente pode colocar a culpa do racismo ou do preconceito na literatura? Eu acho que a responsabilidade total por isso não, mas na atual conjuntura, a reprodução disso é bem problemática. A gente não vive mais na época onde se discutia em público se os negros possuíam ou não alma. Racismo é crime inafiançável. Temos sim que nos responsabilizar pelo que falamos e escrevemos. Mas muitos escritores se escondem atrás do eu-lírico para propagarem livremente todos os seus preconceitos. Alguns ainda acabam sendo considerados como inovadores, o que para mim soa como uma simples repaginada (ou releitura - termo um pouco mais apreciado). O chato é isso acontecer logo na pós-modernidade e da crise da autoria, qual a alegação do autor nesses casos?

A autoria

Para ficar um pouco mais claro, a pós-modernidade recebeu muitas contribuições da teoria feminista para desmistificar a identidade dominante e universalismo. A revelação foi que o universal não era algo neutro que representava todos os seres da humanidade. Ele era masculino, branco e ocidental. Depois disso, muito começou a se discutir sobre a legitimidade do autor para escrever sobre determinados temas. Será que aquele escritor estava qualificado para escrever sobre determinado grupo? Porque no lugar de dar voz aos negros, sem nunca ter vivido na pele de um os seus dramas, não dar espaço para que o próprio negro escrever sobre si? A discussão complicou quando a competência do autor como produtor de ficção começou entrar em xeque. Como serei inovador e criativo, onde fica minha sensibilidade se só poderei escrever sobre o que eu vivo e o que eu conheço? Complicado, né? Mas escrever sem levar essas questões em conta é, no mínimo, irresponsável.

Para aqueles que gostaram dessa última polêmica eu sugiro um exercício bem simples; releia A Hora da Estrela, da Clarice Lispector, e preste atenção na relação entre o narrador da história, o Rodrigo SM e a Macabéa. Tenho certeza de que no Ensino Médio, quando você foi obrigado a ler o romance, passou batido por essa discussão. Outro interessante é O Discurso sobre o Método, do Sérgio Sant'anna. Existem vários outros, mas eu gosto especialmente desses.

A obra

Muitas correntes teóricas pregaram que o que importava ao estudo da Literatura era a obra. Roland Barthes chegou a declarar a morte do autor. O objeto da Literatura seria apenas o livro. Eu confesso que não sei se ainda existem correntes que acreditam nisso, mas essa crença está um pouco fora de moda. O autor tem importância sim pois ele seria o filtro entre a realidade e a ficção. Daí podemos citar a hermenêutica, teoria que parte do pressuposto de que a literatura (e outras obras do gênero), são uma interpretação de mundo e assim sendo, não podemos excluir por completo o autor. Mas além disso, o leitor traz a sua interpretação para a leitura da obra e o processo todo seria uma dupla interpretação.

Eu gosto também de trabalhar com a questão da voz e dos vazios do texto. Dentro de uma obra você tem, claro que através do filtro do autor, várias vozes, vários grupos e várias realidades representadas. Essas vozes podem ser verossímeis ou não e o autor pode te dar espaço (o vazio) para preencher o texto com suas próprias visões de mundo ou não. Se você não consegue entrar no texto, se ele te causa um desconforto ele pode estar mal escrito ou não (e isso pode ser proposital ou não).

O pacto da leitura

Uma das teorias prega que quando abrimos, ou até mesmo escolhemos um texto para ler, fazemos um pacto com o autor. Por exemplo, eu vou ler um romance policial. O que eu espero? Eu espero que haja um crime a ser resolvido, um mocinho e um bandido. O bandido vai ser um lobo em pele de cordeiro e eu vou tentar durante toda a leitura descobrir quem ele é. Ah, e eu quero que tenha ação. Se eu estiver lendo um romance policial que de repente me aparece um mutante soltando raios pelos olhos e o detetive vira um deus grego para combatê-lo é, no mínimo, fora da proposta. Pode ser que se ele estiver bem escrito, a proposta pareça convincente.

Eu faço sempre a analogia com a dança. O gênero literário é como um tipo de dança. Os passos e a música devem se combinar e o autor prepara o cenário, pega a sua mãe e te conduz. Você deve dançar tranquilamente, sem reparar que os músicos estão fora do tom, que os passos do autor estão em desacordo com a música ou que ele está dançando uma valsa no lugar de uma salsa. Se isso acontecer, o pacto foi rompido e você não vai querer mais ler o livro.

Bom, eu vou parar um pouco por aqui e depois, se tiver ânimo, escrevo um pouco mais sobre os elementos do romance ou algo que interesse. Fiquem à vontade para comentar, criticar, pontuar algo que tenha esquecido, e até para me corrigirem, afinal, como pseudo-crítica, eu aceito críticas (confesso que nessa parte ainda não sou muito experiente, mas estou me esforçando).

Caso alguém queira se aventurar, recomendo fortemente:

Antoine Compagnon - O Demônio da Teoria
Antonio Cândido - Literatura de dois gumes (in A educação pela noite)
Roberto Schwarz - Que horas são?



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O novo cortiço brasileiro

Também chamado de "novo conceito de habitação".

Quando Aluísio de Azevedo escreveu O Cortiço, em 1890 tinha uma preocupação em mente: relatar os problemas sociais daquela comunidade. É claro que o cunho realista-determinista da obra faz crer em alguns momentos que os problemas ali expostos são devido a natureza e etc. Confesso que não me lembro bem do romance, coisas da leitura impositiva. Lembro melhor do filme. E no filme o que mais me marcou foi a caracterização do próprio cortiço.

Eu, quando criança, morava num bairro que era por muitos considerado periferia. Muitas vezes não falava onde morava para meus colegas de escola por vergonha. É fato que sofria bem pouco bullying na escola, mas a vergonha era automática. A semelhança do cortiço com o bairro onde morava era a vida pública das pessoas: roupas dependuradas na janela, crianças chorando e principalmente; casais brigando no meio da rua, e principalmente o espaço pequeno que fazia com que parte da sua vida acontecesse fora da sua casa. As pessoas do cortiço tinham me lembrava muito o apê onde morava: 2 quartos, uma sala com 2 ambientes bem pequenos e uma cozinha que mais parecia um corredor onde não cabiam duas pessoas ao mesmo tempo. Meu apê era bem melhor do os quartos do cortiço, mas era muito apertado.

Recentemente fui olhar apartamentos para alugar em outra cidade, pois irei me mudar e não foi que toda essa sensação de viver num cortiço voltou a minha mente?! Os prédios são super "chiques"; tem garagem, espaço gourmet, piscina, sala de ginástica... E 3 quartos, uma sala, uma cozinha e 2 banheiros espremidos em 60 metros quadrados.

A justificativa para esses apartamentos compactos é que tudo aquilo que você não pode fazer na sua própria casa, você faz na área comum do prédio. Mas a minha pergunta é como? e pra quê? Se todos os moradores dos 38 andares e dos 76 apartamentos resolverem frequentar o espaço gourmet, a piscina, a sala de ginástica e etc nos horários livres (que para a maioria das pessoas é o mesmo), não vai caber. E bom, eu sou uma pessoa reservada. Ninguém parou para pensar que nem sempre você quer fazer a social com o seu vizinho? Claro, nem todo mundo usa esses espaços, mas mesmo assim, porque não tirar essas bobagens do prédio e aumentar uns 10metros quadrados dentro do apartamento? Porque a gente tem que viver numa gaiola? Porque não dá para colocar uma esteira dentro de casa sem ter que se livrar da cama?

Um dos prédios que eu visitei tinha uma lavanderia. A corretora me mostrou toda contente. Parece que isso está virando moda por aqui. Bom, eu já morei fora e lá é muito comum ter uma lavanderia comum por prédio. Onde eu morava tinha que marcar hora. Mas existem lugares que se a máquina está livre, pode ser usada. Isso parece muito bom, mas imagina se tem uma pessoa folgada que resolve ocupar todas? Ou você ter que ficar supervisionando a sua roupa para ninguém tirar ela da máquina antes de acabar de bater?

Onde eu morava, só o morador que tinha reservado a lavanderia para aquele período podia entrar lá, pelo menos. Mas para dar conta de toda roupa eu tinha que passar um dia inteiro lavando e colocando para secar. Não podia dar mole e perder o tempo do ciclo de lavagem ou secagem porque a máquina levava de 4 a 5 horas. A de secar, se perdemos o tempo, ela esturrica a roupa, claro, elas tem timer, mas como você acha que eu aprendi o tempo certo para cada peça? Em suma, é um saco porque você não pode colocar a roupa para lavar e ir fazer outra coisa. Pendurar quando puder.

Isso NÃO é vantagem. É bem melhor ter a máquina na sua casa. Sabe porque fazer isso? Se não tem máquina de lavar, não precisa de área de serviço e o apartamento fica cada vez menor. Se tem espaço gourmet, para que cozinha?

E no final, vamos morar todos em cortiços "conceituais"- Mouquifau Residence.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Quem tem medo de rolezinho?

"Daqui do morro dá pra ver tão legal
O que acontece aí no seu litoral
Nós gostamos de tudo, nós queremos é mais
Do alto da cidade até a beira do cais
Mais do que um bom bronzeado
Nós queremos estar do seu lado"

Nós vamos invadir sua praia - Ultraje a Rigor

Eu acho esse música a cara do rolezinho. Adoro também ouvir as opiniões dos "especialistas" (gostaria de saber onde eles acham especialistas tão desinformados) sobre os rolezinhos. Mas o principal, eu fico muito triste em ver que o brasileiro é tão classista e preconceituoso. Tem medo do seu próprio povo. 

Mas antes eu vou dizer o que eu acho dos rolezinhos friamente - se tem gente que ainda quer frequentar o shopping, a administração dele devia mais era deixar. Eu acho shopping um saco. É ruim chegar, caro para estacionar, fechado, cheio e com o único objetivo de te fazer gastar dinheiro. Você raramente vai fazer alguma coisa além de perder o seu dinheiro lá dentro. Tudo é feito para você achar que a realização pessoal está em comprar um bando de porcaria que no fundo nem precisa. É diferente, por exemplo, de um museu, onde você paga para entrar, mas vê um monte de coisas interessantes.

Eu fui vendedora de shopping por um ano e não precisei de mais para entender como funcionava. É um ambiente estranho e competitivo. Mas qualquer um pode ser vendedor, inclusive aquele povo que os gerentes estão tentando barrar, basta saber vender. O que acaba acontecendo é o que é proibido por lei. Os vendedores são escolhidos pela aparência e pela experiência. Nas lojas mais chiques, os mais bonitos das classes mais altas, nas lojas mais ou menos, os mais bonitos das classes mais baixas.

Mas o preconceito do shopping não começou com o rolezinho. Os vendedores são tratados como lixo, os funcionários também. Não existe cantina na maioria deles para que você leve seu almoço e o moço da marmita, na minha época, foi proibido de entrar no shopping. O que você vai fazer com os seus 15 minutos de almoço? Muitas vezes você nem quer perder esse tempo todo porque a loja tá bombando. Mas faça o teste, o que você consegue comer rápido e que preste num shopping? 

Além disso, na minha época sofríamos bullying por parte da direção do shopping. Eles baixavam normas absurdas, como por exemplo, a de que era proibido escovar os dentes no banheiro porque isso incomodava os clientes. Teve até rumores de que iam proibir nossa entrada nos banheiros. Eu não me lembro se havia um banheiro para funcionários, mas acho que pela nossa revolta na época, não. Tinham uns túneis na época, para evitar que o pessoal da limpeza andasse com os materiais de limpeza sujos pelo shopping, que eram nojentos, umas coisas apertadas sem reboco… 

Mas o mais interessante eram as fofocas e a própria dinâmica do shopping, um universo à parte.  Você fica sabendo, por exemplo, que o dono de uma das grifes mais caras do shopping quer fazer uma sacola bem vagabunda porque não quer ver nenhuma empregada doméstica sair por aí depois carregando a sacola, pois ele acha que isso é propaganda negativa. Mas essa mesma loja tem uma gambiarra na registradora que dá um jeitinho de registrar a venda sem emitir nota. Essa mesma loja também sonega mercadoria e abarrota tudo na caixa dizendo que tem bem menos peça lá dentro do que na verdade tem. Aliás, muitas lojas fazem isso. 

*Sempre que fizer compras no shopping exija a nota fiscal. Evite pagar com cheque, pois eles vão dizer que a máquina está com problema e não te darão a notinha. 

Ou seja, na minha cabeça é um bando de gente que faz coisa errada, mas não olha para o próprio umbigo e depois fica cagando regra. Eu, sinceramente, depois que saí desse ramo, vou ao shopping quando não tenho outra alternativa. Detesto o fato de que quase todos os cinemas de Brasília são dentro de shoppings. Passear e shopping são duas palavras que não deveriam ser usadas na mesma frase, não combina. Ele não é um lugar agradável. Cheio de luzes artificiais, plantas de plástico. Tudo brilha em excesso. É uma poluição visual e auditiva.

Mas infelizmente aqui nós não temos um centro onde você possa caminhar, sentar num banquinho e ver os pássaros e depois comprar o que precisa e pegar a roupa na lavanderia. Aqui fica tudo meio setorizado e nunca é muito simples resolver várias coisas de uma vez.

Mas voltando ao rolezinho, porque eles não podem? A cleptomaníaca não é a menina da periferia, o estelionatário não usa boné aba reta. Bagunça, baderna? Coloque 3 adolescentes que se conheçam da qualquer classe longe dos pais que o resultado será parecido. Mas porque eles não podem? Tudo que eles querem e ver e serem vistos. Quer dizer que o dinheiro deles não é bem vindo no seu shopping? A madame vai ficar com medo de um bando de adolescente que quer aparecer? O que ela, a madame, andou fazendo para ter medo? Será que tratou alguém feito lixo só porque era pobre ou estava numa situação inferior? Eu não sei, mas vejo muita sabedoria naquele ditado "quem não deve não teme". Porque esse povo tem medo? Medo do quê? 

Proibir o rolezinho ou os jovens de entrar no shopping eu sou contra. Eles podem fazer alguma coisa? Sim, podem. Mas eles também podem só querer estar lá. Não existe um princípio do direito que diz que você é inocente até que se prove o contrário? Ah, mas esse certamente não serve para o Brasil. Aqui você só tem o benefício da dúvida a partir de uma determinada classe.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Não se iluda, se você morar fora não será elite

Vendo a polêmica causada por aquele americano que detestou morar por aqui e um dado de uma pesquisa que diz que a maior parte da elite brasileira quer morar fora, eu resolvi escrever esse post, afinal, morei um ano fora do país e talvez possa dar um toque para aqueles que pretende sair, não se decepcionarem.

Eu acho que tudo depende para onde vai. Não posso dizer muito, mas para mim parece que os EUA são o Brasil com gadgets. O modo de pensar, o consumismo, a disputa e o classissismo que parecem existir nos dois. Afinal, o modo de vida americano parece muito com o brasileiro. As pessoas vão passear no shopping, todo mundo tem carro… essas coisas.

Eu vivi na Escandinávia, na Suécia, mais precisamente. O pior e o melhor lugar, na minha opinião para ter um gostinho do é o 1º mundo. Me desculpem os outros, mas depois dela a França, Inglaterra e outros me pareceram uma bagunça. Mas aí reside o problema, o lugar é tão organizado que sua vida não apresenta muitas surpresas. Inclusive você não pode deixar para programar o seu final de semana na semana que ele irá ocorrer, pois seus amigos já terão compromisso. Deixar para comprar bebida quando quiser beber também não. Só os ricos tem grana para beber no bar e a loja do governo, o único outro lugar autorizado a vender bebidas com mais de 4% de teor alcóolico tem horários bem restritos de funcionamento.

Outra coisa que é bom lembrar: você não poderá tratar os prestadores de serviço (garçons, motoristas de ônibus, vendedores, pedreiros e etc) como lixo, que nem trata no Brasil. É possível que a pessoa que esteja te atendendo fale pelo menos 3 línguas e tenha um mestrado. Eles também não irão tratar você como o Xá. É bem possível que, mesmo no restaurante, tenha que se servir de água e pegar os seus próprios talheres. Está mesmo preparado para isso? Pode ser um choque.

Muito provavelmente, se trocar o Brasil por um país mais desenvolvido, terá que andar de transporte público. Outro choque para o filhinho da mamãe que nunca pegou sol na moleira. Por melhor que seja, transporte público é transporte público. Isso significa que dificilmente irá sentar no horário de pico. Vai ter que exercitar as pernocas, pois em qualquer outro lugar do mundo, uma distância de 10min até a parada ou a estação não é nada. Mas eu desconfio que ser como todo mundo no exterior pode, só aqui é que não, afinal, no Brasil pobre não entra nem no shopping.

Ah, essa é muito importante: você provavelmente não terá nem empregada nem faxineira. Isso pode ser um tremendo susto para alguns. Terá que limpar a sua própria sujeira. Mas sempre pode viver como uma barata. A menos que você more numa república (o que é muito comum em vários países), nesse caso, talvez tenha que manter o decoro. Mas não se preocupe, os eletrodomésticos lá fora realmente funcionam. Os aspiradores de pó são uma maravilha e a máquina de lavar louça não é artigo de luxo.

Você não poderá quebrar a lei e colocar a culpa no governo. Se estacionar seu carro (ou bicicleta) em lugar indevido não ganhará o perdão do guarda só porque não tem onde estacionar perto de onde você vai. Na melhor das hipóteses, ele te dará uma advertência e ainda te mostrará o quão folgado está sendo, dizendo que poderia muito bem parar mais longe e ir à pé.

Esse é especial para as meninas: você provavelmente não fará a unha no salão toda semana. Provavelmente nem fará a unha no salão. Isso porque fazer a unha custa uns 20 euros. Eu, além de fazer a unha em casa, cortava o meu próprio cabelo, pois via os cortes da moda e ficava com medo de sair do salão com um mullet moderno.

Ah, outro toque para aqueles que se orgulham da tez branca: não, não é tão branca para eles. Provavelmente você ainda terá cara de gringo. Se não tiver cara, vai ter sotaque. E muito provavelmente vai entrar em contato com os estereótipos do brasileiro cedo ou tarde. Mesmo que seja depois de um ou 5 pints de cerveja. "Samba aí, brasileira", "Toma a bola, Pelé", "Você mora numa árvore?", "Conhece a Amazônia, ama o carnaval?"… Aí nessa hora você encontra o seu orgulho, que estava há muito tempo escondido e volta a ser brasileiro. Uma pena que precise disso. O seu sobrenome gringo e o seu passaporte não escondem de onde você vem. Sinto muito.

Por que eu voltei? Bom, não gosto da sensação de ser "estrangeiro" na minha casa. Tudo bem que pelo meu modo de pensar muitas vezes me sinta estrangeira no meu próprio país. Mas ainda tenho essa boba sensação de que posso fazer algo pelo Brasil, mas lá fora eu seria apenas mais uma girando junto com a roda, fazendo parte do esquema já montado, organizado. Aqui ainda há o que fazer. Para quem ainda não entende, cito meu pai:

"Você prefere ser o rei dos cachorros ou o cachorro do rei?"

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Análise do discurso - faça sempre ao ler o jornal

Coloquei ler, mas serve também para quem assiste TV.

Uma coisa que descobri é que o óbvio não é tão óbvio assim. O que pode ser pra mim, não necessariamente é para você. Enfim. Eu nunca escrevi sobre isso aqui, pois sempre achei que devemos ser críticos ao ler qualquer coisa e que isso era óbvio. Realmente a maneira como lemos criticamente  um romance e o jornal é diferente, mas deve haver crítica, afinal, quem escreve nunca é ingênuo.

Algumas coisas que você deve saber ao pegar o jornal e que normalmente não sabe: qual a orientação política do jornal (o que muitas vezes implica na agenda dele). No Brasil temos um fenômeno estranho, pois apenas nos dias de hoje as orientações jornalísticas começam a ficar um pouco menos nebulosas. Mas na França, por exemplo, eu fiz o teste. Perguntei para o jornaleiro de cara "qual o jornal de esquerda?" e ele disse: Le Figaro. O Le Monde, que todo mundo adora, é centro direita. Agora, vá até a sua banca de jornal e pergunte isso para seu jornaleiro. Eu tenho certeza que ele fará uma cara de interrogação.

Para te ajudar nessa tarefa, faça uma pesquisa sobre os donos do jornal, sobre como eles colocam as reportagens sobre o governo e os políticos de ambos os lados. Se defender o PMDB é de direita e se defender o PT de esquerda. Mas tudo isso com ressalvas. Um jornal de extrema esquerda vai acusar o PT e um de direita que seja de um grupo rival ao PMDB também vai ser menos parcimonioso nas críticas a esse último.

Com essa informação em mente, vale lembrar que os jornais, de ambas as orientações, querem vender (pois precisam ser lidos para ter anunciantes) e isso se traduz na prática em um monte de manchetes chamativas e reportagens com pouco conteúdo. Isso porque sabemos o problema da nossa formação em jornalismo, que em muitos lugares do mundo, é uma especialização. A consequência disso é que o nosso jornalista se torna um grande especialista em escrever sem saber bem sobre nada. Mas é claro, não devemos generalizar.

O jornalista é um profissional mais treinado na arte da maquiagem escrita do que qualquer coisa. Como escrever algo que não se tem certeza e não se comprometer. Como mudar a ordem da história para tornar o texto mais interessante. Essas coisas. E a arte de desfazer esse processo, se chama análise do discurso. Você não vai chegar na "verdade". Nem as fotos são capazes de revelar a verdade. Hoje sabemos que ângulos, contextos, tudo pode maquiar um acontecimento, mesmo numa foto.

Após se desapegar dessa ingenuidade inicial, devo avisar que daqui para baixo é pílula vermelha e não tem volta. Se quiser continuar acreditando no jornalismo "imparcial" e no compromisso com a verdade dos meios de comunicação, pare de ler esse texto e vá direto para o G1, R7, Le Monde, Whashington Post, BBC e seja feliz e "bem informado". Se não, continue.

Você já sabe que o jornal (ou veículo de informação) tem uma orientação. O motivo dela é simples: quem banca. É claro que os anunciantes pagam, mas escolhem os veículos pelo público que o lê. Mas o fato de termos famílias de políticos como principais donas de grupos de comunicação nos remete a possibilidade de que tais grupos sustentam os veículos para verem ali representados seus interesses e reproduzidas suas visões de mundo. Algo como o modo de vida burguês da era contemporânea.

Um fenômeno sintomático disso e que eu acho simplesmente uma sacada sensacional é o Vídeo Chow. Um programa que só fala sobre programas de Rede Bobo, de como os atores são lindos, super interessados em seus trabalhos, como tudo lá dentro é organizado. Ele é uma enciclopédia de todas as novelas que por lá passaram. Mas é engraçado, pois as polêmicas sobre as novelas nunca aparecem. Como o beijo lésbico foi vetado, ou a novela vai acabar mais cedo porque tá sem audiência, como o ator X não foi cotado pois está na reabilitação… Enfim, é tudo bobal no sentido Rede Bobo de ser. A vida maquiada, sem emoção e com uma dose extra de água e açúcar na mistura com o objetivo de te passar uma imagem de que a tal emissora é profissional, comprometida com o que faz, confiança e tranquilidade. "Pode assistir sem medo, sem cérebro, sem senso crítico".

Sendo assim, chegamos às perguntas básicas que todo mundo deve se fazer diante de qualquer texto, seja hiper, tele ou qualquer outro: Quem escreve? Para quem escreve? Como escreve? Com qual objetivo escreve? Não somente o que está escrito faz parte do texto. Tudo, desde imagens até aquelas partes destacadas e os sofríveis gráficos e arte em geral que aparecem nas reportagens deve ser observado. Uma coisa comum, por exemplo, é dar mais destaque a um lado da história do que a outro. Não questionar é uma das maiores "virtudes" de nossos jornalistas. Mas eles também não querem que você se questione, então vão passar batido por tudo que possa causar uma polêmica inversa aquela do interesse do veículo. As vezes me pergunto se isso acontece intencionalmente ou se os jornalista não tem noção dos objetivos por trás do seu trabalho. Essa dúvida me ocorre porque sei que em muitos cursos de comunicação, análise do discurso (ou análise crítica do discurso) não figura nem dentre as disciplinas optativas.

Infelizmente eu não posso colocar nenhum exemplo aqui, pois esses veículos, além de "mal" intencionados, são bem armados e me processariam de maneira desproporcional ao meu "mal feito. Um exemplo seria o caso da cobertura do julgamento do mensalão, que toda imprensa se esmerou em acompanhar, mas quantos lembraram que esse não foi o primeiro esquema? Ou questionar um político do porque a vontade de mudança, pós manifestações, se traduziu em medidas tão ridículas? A menina do CQC fez sucesso porque muito do que fazia era o que os jornalistas deveriam fazer, mas eles, acho eu, estão cada vez mais "amiguinhos"dos políticos. "Oh, vem cá no churrasco aqui em casa e eu te dou aquela informação. Aliás, como vai a sua mãe?…" É realmente viável se perder meia tonelada de cocaína, ou melhor, colocarem no seu helicóptero e você nem saber?

Mais uma coisa, não existe tal coisa chamada veículo de comunicação. Não no sentido que eu entendo comunicação. Se existe, ele está longe de ser a mídia impressa e televisiva. A comunicação é um processo de mão dupla. Pergunta e resposta, mensagem e recepção. Algo parecido com a teoria da comunicação do Roman Jakobson. Para facilitar a explicação, eu fiz um esquema (ficou ruim, mas sinta-se livre para usar).


A parte 1 é  o que acontece quando lê ou assiste ao jornal. Você só recebe a informação. É um processo passivo. Por isso é muito importante que sempre reflita antes de aceitar essa informação, afinal, o processo 2, que para mim é o que caracteriza a comunicação, está ausente. Ninguém quer saber o que você acha e pensa na mídia. É um processo hierárquico onde nós estamos na base. Não geramos opinião, ela é gerada pra gente. Não é a toa que chamam muitos jornalistas e blogueiros de "formadores de opinião". Mas eu prefiro o blog, pois existe um espaço para a resposta.

As manifestações de 2013 foram um bom exemplo de como a mídia (que vou chamar aqui de tradicional, como muitos vem fazendo), tem o hábito de vomitar sua própria opinião e visão dos acontecimentos de maneira impositiva para a opinião pública. Quando ela viu que estava falando mal da maior parte da sua seara, mudou de posição, mas sempre mantendo sua linha esdrúxula (desviando o foco do motivo das manifestações para a destruição de lixeiras). Mas essa volta atrás nem sempre acontece. Eu não acho que a opinião da mídia reflita a da população. Até porque o foco dela é a classe média, e diferente dos dados do governo, nem a metade da população é de fato dessa classe.

Mas porque a mídia mudou de foco? Porque liga para a opinião pública? Eu duvido. Acho que na maioria das vezes não está nem aí pra isso. Vide como é feito o cálculo da audiência (meia dúzia de aparelhos no Rio e em São Paulo). Acho que ela mudou de abordagem porque a internet, com a ajuda da mídia ninja, veio em massa contestar a incontestável dona da verdade. Pela primeira vez, por mais absurdo que fosse os comentários na TV, mais e mais pessoas continuavam ignorando as opiniões da última. O que ficou claro para mim nesse episódio, quando a MT não soube interpretar, explicar, entender, cobrir, é que ela está muito longe da população brasileira, de entendê-la. Por quê? Nunca se preocupou com isso. Um ranço da ditadura, onde o negócio era ludibriar?

Não sei, mas se tiver um pouco de paciência, assista a esse vídeo e veja como as "feras" da MT tem dificuldade em entender o pessoal da Mídia Ninja e como o foco das perguntas está todo na questão do financiamento do veículo. Será que isso é um sinal de que eles , da MT, no lugar de se comprometerem com a "imparcialidade", com o foco no acontecimento, respondem apenas àqueles que os pagam diretamente?

Para conhecer mais sobre análise do discurso:

Norman Fairclough - Discurso e mudança social
Michel Foucault - A ordem do discurso