sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

As desastrosas crônicas de Nárnia

Para matar o tempo e dar uma relaxada do trabalho eu pedi e ganhei o volume único das Crônicas de Nárnia. A minha idéia era ler uma coisa bobinha e divertida para fugir um pouco da minha linha de pesquisa. Afinal, o que poderia ter a ver com práticas sociais e represetação um livro pra crianças?

Ledo engano! O livro é um prato cheio para críticas. O autor coloca de forma praticamente transparente todos os seus preconceitos e crenças. Isso pode ser considerado bom de certa forma porque sendo transparente e facilmente identificável torna-se questionável.

Do ponto de vista estético o livro é medíocre. Eu não sei dizer se é um problema da tradução, acredito que seja, mas além de tudo, o livro (ou a tradução) é muito mal escrito. As descrições são imprecisas e os acontecimentos se atropelam. Essa última parte acredito que, para as crianças, seja uma vantagem. Elas dificilmente dormirão se alguém estiver lendo corretamente o livro para elas. Mas o vocabulário é tão pobre em comparação a riqueza que se imagina haver no mundo de Nárnia.

Ideologicamente não podemos culpar o tradutor. O Lewis devia ser um pedagogo pra lá de retrógado. Critica abertamente as escolas mistas, prega que as mulheres, mesmo sendo rainhas, devam ficar à sombra dos Grandes Reis homens e é claro, humanos são melhores que os bichos. Os animais em Nárnia são mais honestos, inteligentes e fiéis que os humanos, mas curiosamente apenas aos filhos-de-adão é dada a capacidade de reinar sob a terra de Nárnia. Os tempos áureos desse mundo apenas existiram quando um humano o governou. Curiosamente ainda aos humanos é dada a alcunha de filhos-de-adão ressaltando o caráter católico do livro. O deus desse mundo é um leão e vc pode até cair na besteira de pensar que nisso o autor foge ao clichê catequizante que dá o tom da narrativa, mas não se engane. Na penúltima crônica, que será precisamente o 3º filme da série, ao chegar ao fim do mundo (que em Nárnia é plano) o leão aparece sob a forma de um cordeiro apenas para dizer as crianças que ele também é o senhor do mundo deles (a Terra ou mais precisamente, a Inglaterra), mas que lá aparece sob diferentes formas.

Outro problema agoniante é o racismo escrachado do livro. Os nativos de nárnia são os animais falantes. Os reis são os humanos. Mas Nárnia é um país. Existe a Arquelândia, onde os animais são burros e os homens são brancos. Na visão do autor, é um bom país. Já a Calormânia, uma terra árida onde as pessoas tem a pele morena e os olhos escuros e as roupas se parecem muito com as que conhecemos por serem árabes, é um país feio de gente ruim, música e poesia inferiores e comida estranha e difícil de agradar realmente ao paladar.

O que ele tem de bom? Apesar de tudo, a imaginação do autor não é de se jogar fora. Imaginar que você pode se transportar para um outro mundo atravessando um guarda roupa é muito divertido. Eu só daria um conselho aos pais que queiram ler o livro aos filhos: discuta essas passagens com os meninos explicando bem a época em que o autor viveu e o porquê de certos pensamentos. E principalmente, não deixe passar o preconceito e o sexismo do livro. Eu acredito que devamos ler todo e qualquer livro com uma certa dose de crítica e atenção, mas não precisamos jogar fora coisas que fujam as nossas crenças. Dessa forma estariamos nos tornando iguais ao Lewis ao criticar escolas mistas.