Antes de começar, já preciso me retratar. Fiz isso inúmeras vezes. Agora vejo o quanto essa postura é perigosa. Estou falando do pseudo-sabido, vulgo desentendido, que diz "eu nunca vi esse filme, mas acho um monte de coisas a respeito dele".
Se você não viu, não leu, não comeu e ainda está pensando se vale a pena ou não, faça perguntas, não tire conclusões. Se você não conhece ou conhece muito pouco, expor seu preconceito tão precipitadamente pode transformar um conceito em um estereótipo.
O que eu ainda faço e estou tentando parar de fazer e tentar fazer alguma coisa, não conseguir e reclamar da coisa. Por exemplo, eu tentei ler Macunaíma umas trocentas vezes. Ele sempre me faz dormir. Mas eu acredito que devam ter coisas interessantes dentro do livro. Antes, eu falava mal dele. Parecia óbvio, afinal, se eu não consegui ler, é porque achava chato. Mas as vezes temos que tentar um pouco mais.
Exemplo. Quando li Lavoura Arcaica pela primeira vez, quase entrou para rol dos romances chato-macunaimescos da minha biblioteca mental. Mas depois de um tempo, me acostumei com o ritmo do livro e descobri coisas que muitos, mesmo do ramo, não percebem. Eu não posso dizer nem que gosto nem que desgosto, só posso dizer que é sensacional (pois fantástico poderia causar confusão).
Outro exemplo, também literário - Vidas Secas. Romance seco, duro, assim como a vida do sertanejo. Lido com uma dificuldade imensa no segundo grau, com o peso e o desânimo da obrigação. Relido na faculdade "estranhado e entranhado" de vez na caixinha dos meus livros favoritos. Não chore pela Baleia, chore por você que foi capaz de sentir mais afinidade por ela do que pelo Fabiano. Graciliano, mandou bem! hehehe
Outro exemplo, ativista. Sempre reclamei de ativismos, hoje sou feminista assumida, estudiosa do assunto e reclamosa dos que falam mal.
Então, minha gente, vamos pensar um pouco depois de completar o mas... com um "eu acho". E quem sabe mudar para um "o que você acha disso que falam?"Mesmo que seja no sentido "socratiano" (era ele que fazia isso?) da pergunta.
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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Dia da consciência negra
Foi ontem, mas sempre tem espaço para atrasados...
Não quero entrar muito na questão política, ando meio farta disso no momento. Mas vou pontuar algumas questões. Vc é da classe média? Estudou em colégio particular? Quantos amigos negros você teve no colégio? Quantos no trabalho, na universidade pública?
Na maioria dos casos, eu acho que a resposta será: poucos. Guarde isso.
Outro dia estava mostrando algumas fotos do Brasil para minha roomate, uma doutora em ecologia que sonha em conhecer a Amazônia (antes da gente destruí-la). Como alguns lugares que eu queria mostrar não tinham fotos legais na net, pelo menos não tão fáceis que minha (in)habilidade pudesse encontrar, entrei no meu picasa e comecei a mostrar algumas das fotos de viagens que eu fiz pelo país. Ela comentou dos meus cachos, perguntou se eram naturais. Eu disse que sim, e comecei a mostrar os diferentes cortes que o meu cabelo já teve. Ela parou para fazer um comentário de que um dos meus amigos que compareceu à minha festa de aniversário não parecia ser brasileiro. Ele, com certeza, acharia isso uma ofensa, mas muitos brasileiros achariam que isso é um elogio. Porque? Guarde essa resposta.
Quais são os principais argumentos contra as cotas para negros nas universidades públicas? Você pode encontrar mais argumentos iguais aos seus nesse site, um pequeno exemplo. Você certamente se sentiria muito bem e justo ao pensar "a injustiça é contra os pobre, se a cota fosse apenas para pobres, pois eles são os mais excluídos.
Tudo bem, então analisa porque a maior parte dos ricos e da classe média é branca? Se vc seguir alguns dos argumentos do site que eu citei, vai achar brilhante dizer que a escravidão só acabou há 100 anos e é muito pouco tempo para que os negros conquistassem seu espaço. Mas alguns ilustres, mesmo assim, conseguiram. Bom, o feito de poucos não pode ser extendido a todos. Certamente se todo mundo quisesse mesmo ficar rico, ficaria, né? Só não consegue porque não quer.
Só fazendo um parênteses, a Finlândia se tornou independente da Russia há 100 anos e já teve tempo de virar uma potência. Porque o Brasil ainda está engatinhando? Não esqueça de levar o IDH em consideração na sua resposta.
Agora se mais de 50% da população brasileira é negra, tem algo muito errado nos negros serem uma minoria.
Porque algumas famílias de classe média tentaram derrubar por meio de liminares as cotas? Estão baseadas num princípio constitucional e numa injustiça social. No fundo querem apenas que seus "pimpolhos" tenham ainda mais uma chance de passarem a pública.
Agora faça um exame de consciência. Porque minha amiga achou que meu amigo não tinha o estereótipo de um brasileiro? Quem nós, os brasileiros que temos "voz" estamos querendo apagar? Com quem estamos querendo nos identificar? Porque?
Não quero entrar muito na questão política, ando meio farta disso no momento. Mas vou pontuar algumas questões. Vc é da classe média? Estudou em colégio particular? Quantos amigos negros você teve no colégio? Quantos no trabalho, na universidade pública?
Na maioria dos casos, eu acho que a resposta será: poucos. Guarde isso.
Outro dia estava mostrando algumas fotos do Brasil para minha roomate, uma doutora em ecologia que sonha em conhecer a Amazônia (antes da gente destruí-la). Como alguns lugares que eu queria mostrar não tinham fotos legais na net, pelo menos não tão fáceis que minha (in)habilidade pudesse encontrar, entrei no meu picasa e comecei a mostrar algumas das fotos de viagens que eu fiz pelo país. Ela comentou dos meus cachos, perguntou se eram naturais. Eu disse que sim, e comecei a mostrar os diferentes cortes que o meu cabelo já teve. Ela parou para fazer um comentário de que um dos meus amigos que compareceu à minha festa de aniversário não parecia ser brasileiro. Ele, com certeza, acharia isso uma ofensa, mas muitos brasileiros achariam que isso é um elogio. Porque? Guarde essa resposta.
Quais são os principais argumentos contra as cotas para negros nas universidades públicas? Você pode encontrar mais argumentos iguais aos seus nesse site, um pequeno exemplo. Você certamente se sentiria muito bem e justo ao pensar "a injustiça é contra os pobre, se a cota fosse apenas para pobres, pois eles são os mais excluídos.
Tudo bem, então analisa porque a maior parte dos ricos e da classe média é branca? Se vc seguir alguns dos argumentos do site que eu citei, vai achar brilhante dizer que a escravidão só acabou há 100 anos e é muito pouco tempo para que os negros conquistassem seu espaço. Mas alguns ilustres, mesmo assim, conseguiram. Bom, o feito de poucos não pode ser extendido a todos. Certamente se todo mundo quisesse mesmo ficar rico, ficaria, né? Só não consegue porque não quer.
Só fazendo um parênteses, a Finlândia se tornou independente da Russia há 100 anos e já teve tempo de virar uma potência. Porque o Brasil ainda está engatinhando? Não esqueça de levar o IDH em consideração na sua resposta.
Agora se mais de 50% da população brasileira é negra, tem algo muito errado nos negros serem uma minoria.
Porque algumas famílias de classe média tentaram derrubar por meio de liminares as cotas? Estão baseadas num princípio constitucional e numa injustiça social. No fundo querem apenas que seus "pimpolhos" tenham ainda mais uma chance de passarem a pública.
Agora faça um exame de consciência. Porque minha amiga achou que meu amigo não tinha o estereótipo de um brasileiro? Quem nós, os brasileiros que temos "voz" estamos querendo apagar? Com quem estamos querendo nos identificar? Porque?
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Cabelos enrolados podem acabar com seu relacionamento?
Parece absurdo, mas não é. Esse é o título de uma postagem de um site especializado em cabelos cacheados. O depoimento era de uma leitora que enquanto grávida decidiu "assumir" os cachos pela praticidade. Reproduzo aqui um trecho do depoimento que pode ser encontrado no site natural curlly:
CurlyNikki recently shared a painful story about a woman who found the future of her marriage in jeopardy based on her decision to wear her hair natural. Although her husband agreed that she had more to offer to the relationship than her hair, and that their daughter’s naturally curly hair was “beautiful,” he still felt his pregnant wife’s “nappy” hair was unattractive.
For better or for worse, she agreed to wear more straight hairstyles, allowing the couple to reach a boggling agreement
that insured that his happiness and comfort would not be compromised by her appearance. Of course, what followed this courageous confession was a hailstorm of angry, confused, offended and empathetic comments by users who could barely stand the audacity of a man’s ultimatum towards his pregnant wife. But is this an isolated situation, or can having curly hair really be a deciding factor in whether or not a marriage can stand the test of time?
tradução:
"(...) recentemente compartilhou a dolorosa história de uma mulher que encontrou o futuro do seu casamento baseado na decisão de usar seu cabelo ao natural. Apesar do seu marido concordar que ela tinha mais para oferecer ao relacionamento do que apenas seu cabelo e concordar que o cabelo de sua filha naturalmente enrolado fosse bonito, ele ainda sentia o cabelo de sua esposa grávida bagunçado não fosse atraente.
Para melhor ou pior, ela concordou em usar mais seu cabelo liso, permitindo que ao casal alcançar um complexo acordo asegurando que sua felicidade e conforto não fosse comprometido pela sua aparência. Claro, o que se seguiu à sua corajosa confissão foi uma avalanche de comentários raivosos, confusos, ofensivos e enfáticos por usuários dizendo como o homem poderia ter a audácia de dar tal ultimato à sua esposa grávida. Mas essa é uma situação isolada ou pode mesmo o cabelo enrolado ser um fator decisivo ou o casamento não pode suportar o teste do tempo?
Em outra reportagem do site o título trazia a reflexão: o cabelo natural pode te fazer "enegrecer"?
Por essas duas rápidas leituras podemos inferir que existem pelo menos 2 preconceitos em relação aos cabelos enrolados: cabelo enrolado é feio e afro (ou talvez seja feio por ser afro).
Bom, nem preciso dizer o quão ruim e anti-natural esse padrão de beleza ariano-escandinavo (aliás, se o povo soubesse o quanto meus cachos fazem sucesso na Suécia...) Enfim, o que mais me deixou enojada foi a idéia das pessoas ligarem cabelos enrolados aos negros e por isso eles serem feios ou desprezados. É um absurdo, mas também verdade. Por essas não temos como negar que o racismo está mais presente no nosso dia a dia do que imaginamos. Afinal, uma minoria das mulheres brasileiras tem cabelos naturalmente lisos, mas uma rápida visualizada dentro de qualquer salão em qualquer lugar do país vemos que a maior procura é por escovas à base do secador ou tratamentos químicos para alisar os cabelos, as chamadas "progressivas". E quantas loiras! Alguns lugares parecem até uma sucursal sueca.
Não podemos negar que algumas mulheres queiram fazer o que bem entenderem de suas madeixas, mas o fato de dispensarem a maior parte do seu dinheiro tentanto ter as madeixas lisas e loiras me faz achar que não querem ser diferentes, e sim iguais. Iguais às européias e diferente da maioria das brasileiras, sobretudo das negras. A escravidão é uma mancha na nossa história, mas parece que o stigma negro nos traços é que tem de ser evitado, tentando fingir que ela nunca aconteceu. Os índios tem cabelo natualmente liso e uma mística ligada ao bom selvagem, o héroi nacional, o guarani. Não vou nem entrar no mérito indígena e do quem vem sido usado como desculpa para apagar toda a questão indígena.
Eu não tinha me tocado de toda essa discussão até ser alertada por um comentário de uma das BF's que foi quem achou a citação no site. Então, como boa representante dos cabelos afros, fui fazendo uma retrospectiva da minha história capilar. Tenho fotos linda de infância com meus cachinhos livres e soltos. Não lembro quando a tortura começou, mas de uma hora para outra meus cachos passaram a ficar "rebeldes". Estava decidido, meu cabelo deveria ser "domado". Vieram então as marias-chiquinha e rabos-de-cavalo que de tão apertados me deixavam com dor de cabeça. A idéia era puxar bastante a raiz para ver se o cabelo acostumava a ficar liso. Depois, no início da minha adolescência era época do relaxamento "Amacihair teen", que transformava meu cabelo cacheado em ondulado e deixava minha cabeça fedendo a amônia por uns 3 meses. Mas eu me submetia a isso porque ouvia da minha mãe que meu cabelo era feio. Tinhamos que fazer alguma coisa!
Na época dela, ela colocava a cabeça na tábua de passar e passava o cabelo a ferro. Hoje temos a chapinha. Mas na minha adolescência ainda não tinha chapinha. Eu cansei de ficar com a cabeça fedendo e deixei o meu cabelo crescer, pois segundo minhas fontes, com o peso meus cachos ficariam menos rebeldes. Mas eu não queria ter cabelos lisos, só não queria que as pessoas me olhassem como se eu fosse uma maluca saída do hospício. Sim, pois era assim que eu me sentia toda vez que deixava meu cabelo secar ao vento ou naturalmente. Eu então fazia uma enorme trança com ele molhado e quando o cabelo secava, estava ondulado. Mas era um trampo. Um cabelo daquele tamanho demorava 24 horas para secar. As vezes eu queria usar meu cabelão todo bagunçado, enrolado, livre e solto. Mas as comparações com Clara Nunes e Maria Bethania me desencorajavam, afinal, eu não era fã delas na época e elas estavam muito longe de ser o padrão de beleza de uma adolescente metaleira.
Sempre tive dor de cabeça ao prender meus cabelos apertados, o jeito mais fácil de domá-los. Algumas vezes recorria a touca, um método onde vc penteia o cabelo em torno da cabeça com auxílio de granpos. Pode secá-los ou dormir com uma touca de meia na cabeça, mas tem que virar para o outro lado, pois senão ele fica muito estranho. O problema dos secadores, para mim, sempre foi o barulho. Mesmo os mais silenciosos não são nada agradáveis. Tenho por mim que parte do "zumbido" que a minha mãe reclama do ouvido dela fazer é por causa das longas sessões imersa num secador de cabeça mais barulhento que um carro de fórmula 1, que disconfio que ela usaria até hoje se ele não tivesse quebrado após 20 anos de uso.
Bom, acho que apenas por esse rápido histórico, dá para perceber que se adequar ao padrão não é tão fácil. Além de requerer tempo e dinheiro, muitas vezes requer saúde, pois durante a gravidez e alguns tratamentos, as mulheres não podem fazer progressivas ou mesmo pintar o cabelo. As mulheres simplesmente alisam o cabelo porque acham que vai ser mais prático, mais simples, que ficarão mais bonitas. A verdade é que existe muito preconceito contra cabelos enrolados, inclusive essa falácia de que é mais fácil lidar com cabelos lisos. Daí voltamos ao caso lá de cima, da mulher que teve o casamento abalado por assumir seus cachos. Seria muito simples eu falar que a mulher apenas pode decidir não mais alisar os cabelos. Em teoria, mas na prática quantas mulheres alisam o cabelo por motivos que passam até pelo "profissionalismo"? Quando eu trabalhava em loja, minha gerente me disse que se eu não tivesse o cabelo curto, provavelmente me mandaria fazer escova, pois cabelo enrolado parece desleixo. Existem uma série de fatores externos que mexem com a auto-estima de uma mulher que tem cabelos enrolados.
Se você reparar, vai ver que durante todo o post, tem fotos minhas com minhas madeixas originais. Hoje, do meu lugar de fala, não me sinto mais obrigada a alisar meus cabelos. Mas isso foi um processo longo. Dá para perceber que eu sou branca, então não posso dizer que sofri racismo por causa dos meus cabelos, mas já ouvi coisas do tipo "Você fica mais bonita de escova". Acho que o precesso é tão longo, que quando alguma amiga me vê de escova, simplesmente diz "nossa, você fica tão estranha de cabelo liso"! Eu não sei se vcs lembram do meu post sobre ser baixinha. Não era fácil me achar uma mulher bonita sendo tão diferente do padrão, baixinha e de cabelos enrolados. E olha que quando eu me comparo com outras mulheres acho até que tenho poucos problemas.
Mas eu tenho uma carreira que me permite usar meus cabelos enrolados. Posso dizer até, que com minhas experiências de vida, consigo chegar para alguém e dizer, com toda propriedade, o quanto é ridículo aliar o modo com que uso meus cabelos com a minha competência. Mas quantas pessoas não tem essa oportunidade? Quantos chefes usam o cabelo como uma desculpa para "branquiar" seus funcionários? Sabemos que não é mais permitido selecionar funcionários pela aparência, mas critérios ainda muito subjetivos, como "se encaixar no perfil da empresa" ainda são usados. O que isso quer dizer no final? Eu queria perguntar qual é o real problema com os cabelos enrolados? Qual é o desleixo em eriçar em vez de pentear? Em afofar no lugar de prender? Estamos realmente atentos a malícia escondida por um simples conceito de beleza?
CurlyNikki recently shared a painful story about a woman who found the future of her marriage in jeopardy based on her decision to wear her hair natural. Although her husband agreed that she had more to offer to the relationship than her hair, and that their daughter’s naturally curly hair was “beautiful,” he still felt his pregnant wife’s “nappy” hair was unattractive.
For better or for worse, she agreed to wear more straight hairstyles, allowing the couple to reach a boggling agreement
that insured that his happiness and comfort would not be compromised by her appearance. Of course, what followed this courageous confession was a hailstorm of angry, confused, offended and empathetic comments by users who could barely stand the audacity of a man’s ultimatum towards his pregnant wife. But is this an isolated situation, or can having curly hair really be a deciding factor in whether or not a marriage can stand the test of time?
tradução:
"(...) recentemente compartilhou a dolorosa história de uma mulher que encontrou o futuro do seu casamento baseado na decisão de usar seu cabelo ao natural. Apesar do seu marido concordar que ela tinha mais para oferecer ao relacionamento do que apenas seu cabelo e concordar que o cabelo de sua filha naturalmente enrolado fosse bonito, ele ainda sentia o cabelo de sua esposa grávida bagunçado não fosse atraente.
Para melhor ou pior, ela concordou em usar mais seu cabelo liso, permitindo que ao casal alcançar um complexo acordo asegurando que sua felicidade e conforto não fosse comprometido pela sua aparência. Claro, o que se seguiu à sua corajosa confissão foi uma avalanche de comentários raivosos, confusos, ofensivos e enfáticos por usuários dizendo como o homem poderia ter a audácia de dar tal ultimato à sua esposa grávida. Mas essa é uma situação isolada ou pode mesmo o cabelo enrolado ser um fator decisivo ou o casamento não pode suportar o teste do tempo?
Em outra reportagem do site o título trazia a reflexão: o cabelo natural pode te fazer "enegrecer"?
Por essas duas rápidas leituras podemos inferir que existem pelo menos 2 preconceitos em relação aos cabelos enrolados: cabelo enrolado é feio e afro (ou talvez seja feio por ser afro).
Bom, nem preciso dizer o quão ruim e anti-natural esse padrão de beleza ariano-escandinavo (aliás, se o povo soubesse o quanto meus cachos fazem sucesso na Suécia...) Enfim, o que mais me deixou enojada foi a idéia das pessoas ligarem cabelos enrolados aos negros e por isso eles serem feios ou desprezados. É um absurdo, mas também verdade. Por essas não temos como negar que o racismo está mais presente no nosso dia a dia do que imaginamos. Afinal, uma minoria das mulheres brasileiras tem cabelos naturalmente lisos, mas uma rápida visualizada dentro de qualquer salão em qualquer lugar do país vemos que a maior procura é por escovas à base do secador ou tratamentos químicos para alisar os cabelos, as chamadas "progressivas". E quantas loiras! Alguns lugares parecem até uma sucursal sueca.
Não podemos negar que algumas mulheres queiram fazer o que bem entenderem de suas madeixas, mas o fato de dispensarem a maior parte do seu dinheiro tentanto ter as madeixas lisas e loiras me faz achar que não querem ser diferentes, e sim iguais. Iguais às européias e diferente da maioria das brasileiras, sobretudo das negras. A escravidão é uma mancha na nossa história, mas parece que o stigma negro nos traços é que tem de ser evitado, tentando fingir que ela nunca aconteceu. Os índios tem cabelo natualmente liso e uma mística ligada ao bom selvagem, o héroi nacional, o guarani. Não vou nem entrar no mérito indígena e do quem vem sido usado como desculpa para apagar toda a questão indígena.
Eu não tinha me tocado de toda essa discussão até ser alertada por um comentário de uma das BF's que foi quem achou a citação no site. Então, como boa representante dos cabelos afros, fui fazendo uma retrospectiva da minha história capilar. Tenho fotos linda de infância com meus cachinhos livres e soltos. Não lembro quando a tortura começou, mas de uma hora para outra meus cachos passaram a ficar "rebeldes". Estava decidido, meu cabelo deveria ser "domado". Vieram então as marias-chiquinha e rabos-de-cavalo que de tão apertados me deixavam com dor de cabeça. A idéia era puxar bastante a raiz para ver se o cabelo acostumava a ficar liso. Depois, no início da minha adolescência era época do relaxamento "Amacihair teen", que transformava meu cabelo cacheado em ondulado e deixava minha cabeça fedendo a amônia por uns 3 meses. Mas eu me submetia a isso porque ouvia da minha mãe que meu cabelo era feio. Tinhamos que fazer alguma coisa!
Na época dela, ela colocava a cabeça na tábua de passar e passava o cabelo a ferro. Hoje temos a chapinha. Mas na minha adolescência ainda não tinha chapinha. Eu cansei de ficar com a cabeça fedendo e deixei o meu cabelo crescer, pois segundo minhas fontes, com o peso meus cachos ficariam menos rebeldes. Mas eu não queria ter cabelos lisos, só não queria que as pessoas me olhassem como se eu fosse uma maluca saída do hospício. Sim, pois era assim que eu me sentia toda vez que deixava meu cabelo secar ao vento ou naturalmente. Eu então fazia uma enorme trança com ele molhado e quando o cabelo secava, estava ondulado. Mas era um trampo. Um cabelo daquele tamanho demorava 24 horas para secar. As vezes eu queria usar meu cabelão todo bagunçado, enrolado, livre e solto. Mas as comparações com Clara Nunes e Maria Bethania me desencorajavam, afinal, eu não era fã delas na época e elas estavam muito longe de ser o padrão de beleza de uma adolescente metaleira.
Sempre tive dor de cabeça ao prender meus cabelos apertados, o jeito mais fácil de domá-los. Algumas vezes recorria a touca, um método onde vc penteia o cabelo em torno da cabeça com auxílio de granpos. Pode secá-los ou dormir com uma touca de meia na cabeça, mas tem que virar para o outro lado, pois senão ele fica muito estranho. O problema dos secadores, para mim, sempre foi o barulho. Mesmo os mais silenciosos não são nada agradáveis. Tenho por mim que parte do "zumbido" que a minha mãe reclama do ouvido dela fazer é por causa das longas sessões imersa num secador de cabeça mais barulhento que um carro de fórmula 1, que disconfio que ela usaria até hoje se ele não tivesse quebrado após 20 anos de uso.
Bom, acho que apenas por esse rápido histórico, dá para perceber que se adequar ao padrão não é tão fácil. Além de requerer tempo e dinheiro, muitas vezes requer saúde, pois durante a gravidez e alguns tratamentos, as mulheres não podem fazer progressivas ou mesmo pintar o cabelo. As mulheres simplesmente alisam o cabelo porque acham que vai ser mais prático, mais simples, que ficarão mais bonitas. A verdade é que existe muito preconceito contra cabelos enrolados, inclusive essa falácia de que é mais fácil lidar com cabelos lisos. Daí voltamos ao caso lá de cima, da mulher que teve o casamento abalado por assumir seus cachos. Seria muito simples eu falar que a mulher apenas pode decidir não mais alisar os cabelos. Em teoria, mas na prática quantas mulheres alisam o cabelo por motivos que passam até pelo "profissionalismo"? Quando eu trabalhava em loja, minha gerente me disse que se eu não tivesse o cabelo curto, provavelmente me mandaria fazer escova, pois cabelo enrolado parece desleixo. Existem uma série de fatores externos que mexem com a auto-estima de uma mulher que tem cabelos enrolados.
Se você reparar, vai ver que durante todo o post, tem fotos minhas com minhas madeixas originais. Hoje, do meu lugar de fala, não me sinto mais obrigada a alisar meus cabelos. Mas isso foi um processo longo. Dá para perceber que eu sou branca, então não posso dizer que sofri racismo por causa dos meus cabelos, mas já ouvi coisas do tipo "Você fica mais bonita de escova". Acho que o precesso é tão longo, que quando alguma amiga me vê de escova, simplesmente diz "nossa, você fica tão estranha de cabelo liso"! Eu não sei se vcs lembram do meu post sobre ser baixinha. Não era fácil me achar uma mulher bonita sendo tão diferente do padrão, baixinha e de cabelos enrolados. E olha que quando eu me comparo com outras mulheres acho até que tenho poucos problemas.
Mas eu tenho uma carreira que me permite usar meus cabelos enrolados. Posso dizer até, que com minhas experiências de vida, consigo chegar para alguém e dizer, com toda propriedade, o quanto é ridículo aliar o modo com que uso meus cabelos com a minha competência. Mas quantas pessoas não tem essa oportunidade? Quantos chefes usam o cabelo como uma desculpa para "branquiar" seus funcionários? Sabemos que não é mais permitido selecionar funcionários pela aparência, mas critérios ainda muito subjetivos, como "se encaixar no perfil da empresa" ainda são usados. O que isso quer dizer no final? Eu queria perguntar qual é o real problema com os cabelos enrolados? Qual é o desleixo em eriçar em vez de pentear? Em afofar no lugar de prender? Estamos realmente atentos a malícia escondida por um simples conceito de beleza?
segunda-feira, 27 de junho de 2011
Um menosprezo arraigado
Lembro de um posto da Luci (Luci, vc tá em alta aqui no café, hein?) onde ela falava das baixas expectavivas que seu pai tinha nela desde a infância e como era difícil ter uma auto-estima nessas condições. Pois bem, eu me identifico bastante com a Luci, entendo bem como isso é difícil.
Mas muitas vezes a gente só reconhece a injustiça desse tratamento quando está fora dele. Eu fui descobrindo aos poucos com ajuda dos meus amigos, na adolescência, e do Marcos, que algumas coisas eram ditas apenas com a intenção de me magoar. Porque alguém da sua própria família faria isso com vc é algo que eu sempre quis entender. Mas talvez haja uma explicação plausível, talvez seja inveja, quem sabe. Muitos acreditam que inveja é um sensação incontrolável e que pode crescer ao ponto de dominar uma pessoa. Por isso tantos amuletos na história tem como função afastar olhares invejosos, como a carranca, o olho grego, a pimenta vermelha...
O interessante desse tratamento é que vc pode não estar mais acostumada com ele, mas sua família parece julgar apropriado continuar te tratando como sempre tratou. Sabe quando os pais se recusam a ver que os filhos não são mais crianças? Então, é mais ou menos isso. Eu me choco toda vez que sinto na pele o menosprezo que minha família tem por mim. Eu não estou mais acostumada, vivo num ambiente saudável onde convivo com pessoas que gostam de mim e querem o meu bem, assim como eu o delas. O que é triste é que todo esse trabalho de valorização parece dar um passo pra traz quando acontece algo assim. Toda aquela infância difícil e traumática parece reaparecer num segundo quando vc houve um comentário ácido e invejoso desses. Claro que hoje eu sei como lidar bem melhor com isso. Solto uns três palavrões, o Marcos faz umas piadas malvadas a respeito, rimos um pouco e passa. Mas eu já aprendi que é preciso falar para me lembrar e quem sabe da próxima vez combater a raiva antes mesmo da pessoa invejosa terminar de falar, ou soltar uma bela resposta para desconcertar o mediocre.
Vou contar dois episódios que estão frescos na minha mente e que vou compartilhar para ilustrar meu raciocínio. Uma vez que estava ainda em Brasília passeando com minha mãe e não lembro o porque acabei comentando que não achava certo toda essa obcessão por comprar roupas, roupas de marca e etc. Ironicamente, nesse dia, eu estava com uma calça e um blaser de uma loja super chique de Brasília. Lembro que tudo que eu estava usando era de marca, menos o sapato. Mas só para esclarecer, eu nunca dei muita bola pra isso, eu compro roupas que me servem, e acreditem, isso não é fácil. Ou seja, quando acho algo do meu tamanho, acabo tendo que comprar. Mas não tenho muita variedade tão pouco sigo tendências, nem sei o que está na moda. Uso o que acho bonito, pago o que acho justo. Compro quando preciso ou quando posso. Mas enfim, para defender minha irmã (acho que estávamos falando da nova mania dela na época de comprar roupas) minha mãe disse que ela não precisava andar mal-arrumada como eu, e deu uma olhada de soslaio para mim. Ah, eu fiquei puta. Só porque eu não estava de salto, nem parecendo uma perua minha mãe disse que eu andava mal arrumada. Só pq não aliso os cabelos nem faço as unhas sou uma mulamba relapsa. Grrrrrrr
Tá, mas esse foi leve. Na maioria das vezes, os comentários são leves, o tom é que dói. A segunda foi ontem, quando conversava depois de quase duas semanas com minha mãe pelo skype. O skype é bem pouco privativo. A pessoa com quem vc conversa liga a câmera, vc se sente obrigado, por polidez, a ligar tbm. Mas quase ninguém usa fones, então, todos ouvem a sua conversa. Estava conversando com minha mãe, mas minha irmã acordou no quarto da frente e veio conversar comigo. Pô, legal, facilita. Eu não preciso ligar para todo mundo. Mas o problema é que as vezes as pessoas só querem falar delas e quando vc quer saber delas, elas não falam. Minha mãe fala pelos cotovelos, mas quando quero saber como está tenho que ficar perguntando os detalhes. É um saco. As vezes eu acho que não devo ligar pois ela não quer falar. Outro dia ela disse que estava sem assunto e do nada me solta que meu primo estava doente internado em São Paulo. Mamis é desse naipe. Mas enfim, fomos conversar e o Marcos estava na sala querendo assistir Family Gui. Eu saí para ele poder ver o programa. Minha mãe perguntou o que era e eu disse "um desenho". Ela perguntou então se eu conseguia assistir em sueco (como se o Marcos conseguisse), mas eu disse que era em inglês com legenda em sueco e que nós costumávamos assistir pois não entendemos os programas suecos. Mais tarde, na conversação entre eu, ela e minha irmã a minha irmã comentou que ela ia ser efetivada no emprego e que não teria mais tempo para estudar inglês. Bom, ela teve muitos anos de pensão do meu pai e de vida mole no estágio para estudar inglês e não estudou, foi o que eu disse para ela. E acabei comentando que aqui na Suécia falar inglês era essêncial. Claro, os suecos falam suecos, mas se vc não fala, eles falam em inglês com vc. Aí veio o comentário maldoso, minha irmã soltou um "como se vc falasse inglês". Como se ela falasse. Fala picas de inglês, não consegue nem jogar GTA e fica tirando uma com a minha cara. Fiquei passada. Eu passei um ano levando bronca de todo mundo naquela casa pq não ia lá lamber o ** deles no sábado pq estava estudando inglês e quando interessa me criticar parece que aquilo nunca aconteceu. Porque, minha gente, porque???? Eu mereço?
Fazer o quê? Deixar as pessoas viverem com a imagem que criaram de mim. E da próxima vez que me perguntarem algo sobre Londres, eu digo "ué, descobre vc sozinha, não fala ingês melhor do que eu?".
Mas muitas vezes a gente só reconhece a injustiça desse tratamento quando está fora dele. Eu fui descobrindo aos poucos com ajuda dos meus amigos, na adolescência, e do Marcos, que algumas coisas eram ditas apenas com a intenção de me magoar. Porque alguém da sua própria família faria isso com vc é algo que eu sempre quis entender. Mas talvez haja uma explicação plausível, talvez seja inveja, quem sabe. Muitos acreditam que inveja é um sensação incontrolável e que pode crescer ao ponto de dominar uma pessoa. Por isso tantos amuletos na história tem como função afastar olhares invejosos, como a carranca, o olho grego, a pimenta vermelha...
O interessante desse tratamento é que vc pode não estar mais acostumada com ele, mas sua família parece julgar apropriado continuar te tratando como sempre tratou. Sabe quando os pais se recusam a ver que os filhos não são mais crianças? Então, é mais ou menos isso. Eu me choco toda vez que sinto na pele o menosprezo que minha família tem por mim. Eu não estou mais acostumada, vivo num ambiente saudável onde convivo com pessoas que gostam de mim e querem o meu bem, assim como eu o delas. O que é triste é que todo esse trabalho de valorização parece dar um passo pra traz quando acontece algo assim. Toda aquela infância difícil e traumática parece reaparecer num segundo quando vc houve um comentário ácido e invejoso desses. Claro que hoje eu sei como lidar bem melhor com isso. Solto uns três palavrões, o Marcos faz umas piadas malvadas a respeito, rimos um pouco e passa. Mas eu já aprendi que é preciso falar para me lembrar e quem sabe da próxima vez combater a raiva antes mesmo da pessoa invejosa terminar de falar, ou soltar uma bela resposta para desconcertar o mediocre.
Vou contar dois episódios que estão frescos na minha mente e que vou compartilhar para ilustrar meu raciocínio. Uma vez que estava ainda em Brasília passeando com minha mãe e não lembro o porque acabei comentando que não achava certo toda essa obcessão por comprar roupas, roupas de marca e etc. Ironicamente, nesse dia, eu estava com uma calça e um blaser de uma loja super chique de Brasília. Lembro que tudo que eu estava usando era de marca, menos o sapato. Mas só para esclarecer, eu nunca dei muita bola pra isso, eu compro roupas que me servem, e acreditem, isso não é fácil. Ou seja, quando acho algo do meu tamanho, acabo tendo que comprar. Mas não tenho muita variedade tão pouco sigo tendências, nem sei o que está na moda. Uso o que acho bonito, pago o que acho justo. Compro quando preciso ou quando posso. Mas enfim, para defender minha irmã (acho que estávamos falando da nova mania dela na época de comprar roupas) minha mãe disse que ela não precisava andar mal-arrumada como eu, e deu uma olhada de soslaio para mim. Ah, eu fiquei puta. Só porque eu não estava de salto, nem parecendo uma perua minha mãe disse que eu andava mal arrumada. Só pq não aliso os cabelos nem faço as unhas sou uma mulamba relapsa. Grrrrrrr
Tá, mas esse foi leve. Na maioria das vezes, os comentários são leves, o tom é que dói. A segunda foi ontem, quando conversava depois de quase duas semanas com minha mãe pelo skype. O skype é bem pouco privativo. A pessoa com quem vc conversa liga a câmera, vc se sente obrigado, por polidez, a ligar tbm. Mas quase ninguém usa fones, então, todos ouvem a sua conversa. Estava conversando com minha mãe, mas minha irmã acordou no quarto da frente e veio conversar comigo. Pô, legal, facilita. Eu não preciso ligar para todo mundo. Mas o problema é que as vezes as pessoas só querem falar delas e quando vc quer saber delas, elas não falam. Minha mãe fala pelos cotovelos, mas quando quero saber como está tenho que ficar perguntando os detalhes. É um saco. As vezes eu acho que não devo ligar pois ela não quer falar. Outro dia ela disse que estava sem assunto e do nada me solta que meu primo estava doente internado em São Paulo. Mamis é desse naipe. Mas enfim, fomos conversar e o Marcos estava na sala querendo assistir Family Gui. Eu saí para ele poder ver o programa. Minha mãe perguntou o que era e eu disse "um desenho". Ela perguntou então se eu conseguia assistir em sueco (como se o Marcos conseguisse), mas eu disse que era em inglês com legenda em sueco e que nós costumávamos assistir pois não entendemos os programas suecos. Mais tarde, na conversação entre eu, ela e minha irmã a minha irmã comentou que ela ia ser efetivada no emprego e que não teria mais tempo para estudar inglês. Bom, ela teve muitos anos de pensão do meu pai e de vida mole no estágio para estudar inglês e não estudou, foi o que eu disse para ela. E acabei comentando que aqui na Suécia falar inglês era essêncial. Claro, os suecos falam suecos, mas se vc não fala, eles falam em inglês com vc. Aí veio o comentário maldoso, minha irmã soltou um "como se vc falasse inglês". Como se ela falasse. Fala picas de inglês, não consegue nem jogar GTA e fica tirando uma com a minha cara. Fiquei passada. Eu passei um ano levando bronca de todo mundo naquela casa pq não ia lá lamber o ** deles no sábado pq estava estudando inglês e quando interessa me criticar parece que aquilo nunca aconteceu. Porque, minha gente, porque???? Eu mereço?
Fazer o quê? Deixar as pessoas viverem com a imagem que criaram de mim. E da próxima vez que me perguntarem algo sobre Londres, eu digo "ué, descobre vc sozinha, não fala ingês melhor do que eu?".
sexta-feira, 24 de junho de 2011
De volta ao tempo da inquisição
Eu, de vez em quando, dou uma olhada nas notícias do Brasil, mas confesso que quase sempre me entristeço. Os brasileiros pagam a mesma porcentagem de impostos que os suecos, talvez mais pois os impostos sobre produtos não aparecem na sua nota fiscal, como aqui, e nós não temos NENHUM retorno por parte do governo. Nem controlar a economia o governo consegue pois as agências reguladoras não desmantelam carteis e os serviços são uma porcaria no Brasil. Por exemplo, aqui na Suécia, tem uma penca de operadoras de telefonia móvel e eu, que só posso ter telefone pré-pago (pós pago só após 6 meses de residência no país) ainda pago menos no preço da ligação internacional do que qualquer plano pós pago de operadora brasileira.
Mas o que mais me chateia mesmo é o crescimento do extremismo no Brasil. É verdade que boa parte daquele discurso a respeito do Brasil ser um país livre, multiracial e blá blá blá era só para inglês ver. Mas eu tenho a impressão que demostrações públicas de opiniões facistas, racistas, homofóbicas, tem crescido cada vez mais. Recebi um vídeo hoje da Luci que me deixou de cabelo em pé. Era uma defesa descarada da homofobia proferida pela deputada Myrian Rios, do Rio de Janeiro (e eu que sempre achei os cariocas tranquilos!)
Só para esclarecer meu choque, pois sei que muitos não entenderam o problema desse vídeo. Bem, a deputada acha que não pode demitir uma lésbica por pedofilia apenas por ela ser lésbica. Como se o fato da orientação sexual de uma pessoa a eximisse de sofrer as penas da lei. Traduzindo, como se o fato da mulher ser lésbica a autorizasse a cometer crimes sexuais impunimente. Pedofilia é crime, deputada. Outro preconceito, achar que homossexuais são pedófilos. Será que o homem que abusa de menininhas é bem visto por ela, afinal, ele é hetero? O segundo exemplo é ainda mais interessante. Do chofer que é travesti e que ela não pode demitir por ele se vestir de mulher no exercício da função, pois isso seria um preconceito. Na verdade, eu daria duas dicas para a deputada: número um, não conte para os seus filhos que ele é homem, e nesse caso, tudo bem. Na número dois, peça para ele usar uniforme, afinal, normalmente, isso faz parte da função.
Nos dois discursos há um erro semelhante, acredito que muito difundido: o de que a sexualidade é uma escolha e que os filhos hipotéticos de Myrian Rios se tornarão homossexuais apenas pela convivência com homossexuais. Quem me dera a sexualidade fosse tão simples assim! Será que conto a porcentagem de homossexuais em conventos onde tericamente não se tem nenhum exemplo nem tão pouco a prática é aprovada? Mas voltando a parte da escolha, vc acha que qualquer pessoa em sã consciência escolheria ser homossexual num país regido por preconceituosos que discursam barbaridades como essa na Câmara e ainda não ovacionados na internet?
O preconceito e a não aprovação da emenda não vai fazer ninguém deixar de ser homossexual, vai apenas fazer com que os homossexuais se sintam mais rejeitados pela sociedade, ainda mais temerosos em se assumir. E vc, deputada, vai contratá-los sem saber, pois isso acontece há anos. Mas para mim, o pior é essa idéia de que o homossexualismo é uma doença contagiosa. O homossexualismo é natural e é praticado entre animais assim como entre humanos desde que o mundo é mundo. O que não é o ser humano além de um animal? Aí vai uma boa explicação da bióloga Joan Roughgarden sobre seleção sexual (mas os últimos 2 min não tem muito a ver com o post).
Eu tenho muitos amigos gays e eles são maravilhosos. Espero que meus filhos convivam com eles e tenham a orientação sexual que lhes for natural e tenham liberdade para se assumir. E bem, deputados, o que mais uma justificativa preconceituosa para a não aprovação da PEC 22 significaria além de preconceito?
Porque eu tenho medo de voltar para o Brasil? Bom, eu tenho medo de crescimento do extremismo evangélico e de manifestações públicas de preconceito provenientes das autoridades que deveriam zelar pelas diretrizes formadoras do nosso país: a liberdade de religião, por exemplo. O Brasil é um país cada vez menos laico a ponto de termos legisladores que legislam de acordo com suas orientações religiosas, o que está muito além de suas obrigações políticas. Eles deveriam zelar pelo interesse comum e não pelo interesse paroquiano. O Estado brasileiro se separou da igreja há muitos anos atrás e o crescimento desses interesses não parece significar nada além de um retrocesso. Começa aos poucos a perseguição clara aos homossexuais, daqui a pouco perseguirão outras religiões e estaremos de volta aos tempos da inquisição. Eu, como atéia, não posso deixar de me preocupar.
Mas o que mais me chateia mesmo é o crescimento do extremismo no Brasil. É verdade que boa parte daquele discurso a respeito do Brasil ser um país livre, multiracial e blá blá blá era só para inglês ver. Mas eu tenho a impressão que demostrações públicas de opiniões facistas, racistas, homofóbicas, tem crescido cada vez mais. Recebi um vídeo hoje da Luci que me deixou de cabelo em pé. Era uma defesa descarada da homofobia proferida pela deputada Myrian Rios, do Rio de Janeiro (e eu que sempre achei os cariocas tranquilos!)
Só para esclarecer meu choque, pois sei que muitos não entenderam o problema desse vídeo. Bem, a deputada acha que não pode demitir uma lésbica por pedofilia apenas por ela ser lésbica. Como se o fato da orientação sexual de uma pessoa a eximisse de sofrer as penas da lei. Traduzindo, como se o fato da mulher ser lésbica a autorizasse a cometer crimes sexuais impunimente. Pedofilia é crime, deputada. Outro preconceito, achar que homossexuais são pedófilos. Será que o homem que abusa de menininhas é bem visto por ela, afinal, ele é hetero? O segundo exemplo é ainda mais interessante. Do chofer que é travesti e que ela não pode demitir por ele se vestir de mulher no exercício da função, pois isso seria um preconceito. Na verdade, eu daria duas dicas para a deputada: número um, não conte para os seus filhos que ele é homem, e nesse caso, tudo bem. Na número dois, peça para ele usar uniforme, afinal, normalmente, isso faz parte da função.
Nos dois discursos há um erro semelhante, acredito que muito difundido: o de que a sexualidade é uma escolha e que os filhos hipotéticos de Myrian Rios se tornarão homossexuais apenas pela convivência com homossexuais. Quem me dera a sexualidade fosse tão simples assim! Será que conto a porcentagem de homossexuais em conventos onde tericamente não se tem nenhum exemplo nem tão pouco a prática é aprovada? Mas voltando a parte da escolha, vc acha que qualquer pessoa em sã consciência escolheria ser homossexual num país regido por preconceituosos que discursam barbaridades como essa na Câmara e ainda não ovacionados na internet?
O preconceito e a não aprovação da emenda não vai fazer ninguém deixar de ser homossexual, vai apenas fazer com que os homossexuais se sintam mais rejeitados pela sociedade, ainda mais temerosos em se assumir. E vc, deputada, vai contratá-los sem saber, pois isso acontece há anos. Mas para mim, o pior é essa idéia de que o homossexualismo é uma doença contagiosa. O homossexualismo é natural e é praticado entre animais assim como entre humanos desde que o mundo é mundo. O que não é o ser humano além de um animal? Aí vai uma boa explicação da bióloga Joan Roughgarden sobre seleção sexual (mas os últimos 2 min não tem muito a ver com o post).
Eu tenho muitos amigos gays e eles são maravilhosos. Espero que meus filhos convivam com eles e tenham a orientação sexual que lhes for natural e tenham liberdade para se assumir. E bem, deputados, o que mais uma justificativa preconceituosa para a não aprovação da PEC 22 significaria além de preconceito?
Porque eu tenho medo de voltar para o Brasil? Bom, eu tenho medo de crescimento do extremismo evangélico e de manifestações públicas de preconceito provenientes das autoridades que deveriam zelar pelas diretrizes formadoras do nosso país: a liberdade de religião, por exemplo. O Brasil é um país cada vez menos laico a ponto de termos legisladores que legislam de acordo com suas orientações religiosas, o que está muito além de suas obrigações políticas. Eles deveriam zelar pelo interesse comum e não pelo interesse paroquiano. O Estado brasileiro se separou da igreja há muitos anos atrás e o crescimento desses interesses não parece significar nada além de um retrocesso. Começa aos poucos a perseguição clara aos homossexuais, daqui a pouco perseguirão outras religiões e estaremos de volta aos tempos da inquisição. Eu, como atéia, não posso deixar de me preocupar.
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Ser feminista é como ser baixinha (parte 2).
Respondendo ao comentário da minha amiga e continuando a discussão. A Mari disse: "Não acho que eu precise ser feminista pra "conquistar meu lugar ao sol". Pra mim isso é a mesma coisa de dizer que preciso ser religiosa pra acreditar em Deus." Eu adoro as anologias dela, mas as vezes não fica muito bom. Ser religioso e não acreditar em Deus é que é estranho. Ou ainda dizer que acredita em deus e é ateu é não conhecer as nomenclaturas.
As mulheres tem medo de serem feministas. A palavra é feia e assusta. "Que homem vai me achar sexy e interessante com um background desses?" Essa visão é interessante porque já começa errada. Vou usar o conceito do meu novo eleito, Bourdieu, para explicar. Quando Levi-Strauss (que muitas pessoas só conhecem por ter inspirado o nome da grife Levis) analisou os povos primeiros ele descobriu que as mulheres eram a moeda de troca no sentido de criar laços entre duas famílias. Mas ele acabou desconsiderando muito mais e aí o Bourdieu explica. As mulheres tem a função de agregar valor simbólico aos seus homens. O valor delas é serem capazes de elevar a virilidade de seu macho. Hoje em dia as coisas ainda funcionam assim. O fato dos homens não quererem se casar ou ter um relacionamento sério com uma mulher que tem controle da sua vida sexual e da qual todos sabem ter saído com muitos homens é uma prova de que esse pensamento continua vivo. Nenhuma mulher quer ser mal falada pois isso faz seu valor cair no mercado. Quem dá o lastro nessa mercadoria é o homem.
Digamos que ser feminista faz nosso valor simbólico cair pois lutamos justamente contra aquilo que agrega "valor de mercado" às mulheres. Todxs xs estudiosxs são muito clarxs em afirmar que esse valor é composto pela castidade, bons modos, beleza e etc. Uma coisa interessante é que eles não aparecem exatamente como foram criados, mas ainda vigoram. Por exemplo a castidade. A mulher não precisa ser virgem (alguns homens tem até medo, pois as mulheres já podem dizer que um homem é rium de cama), mas também não pode ser rodada. Na minha visão, e agora eu falo de uma postura intelectual e de vida, quando uma mulher diz que não é necessário ser feminista para querer ter seu lugar ao sol ela pode estar dizendo duas coisas:
- Tenho muito valor simbólico e por isso posso ter um homem poderoso e com isso pegar uma carona no poder dele e ter uma boa situação de vida e ser bem vista na sociedade ou;
- Não sei o que ser feminista significa mas todos falam mal e eu quero que os homens me tenham em alta conta. (isso acaba soando como "quero manter meu valor simbólico mesmo sendo uma mulher inteligente").
Para quem tem medo da teoria feminista ou ser pega lendo um "Segundo Sexo" (que é um pouco ultrapassado, mas é por onde quase todas nós começamos), vou dar uma dica. Virgínia Woolf é uma das escritoras mais aguçadas que eu já li e seu livro "Um teto todo seu" é uma das discussões mais interessantes que eu já li sobre a condição da mulher e o fazer literário. Para quem quer se iniciar ou falar mal eu sugiro que ao menos conheça algo. Outro texto clássico é o da Gayle Rubin "The traffic in the women". Quase me esqueci, temos a nossa representante. Marilena Chauí em seu livro "Repressão Sexual: essa nossa (des)conhecida".
continua...
As mulheres tem medo de serem feministas. A palavra é feia e assusta. "Que homem vai me achar sexy e interessante com um background desses?" Essa visão é interessante porque já começa errada. Vou usar o conceito do meu novo eleito, Bourdieu, para explicar. Quando Levi-Strauss (que muitas pessoas só conhecem por ter inspirado o nome da grife Levis) analisou os povos primeiros ele descobriu que as mulheres eram a moeda de troca no sentido de criar laços entre duas famílias. Mas ele acabou desconsiderando muito mais e aí o Bourdieu explica. As mulheres tem a função de agregar valor simbólico aos seus homens. O valor delas é serem capazes de elevar a virilidade de seu macho. Hoje em dia as coisas ainda funcionam assim. O fato dos homens não quererem se casar ou ter um relacionamento sério com uma mulher que tem controle da sua vida sexual e da qual todos sabem ter saído com muitos homens é uma prova de que esse pensamento continua vivo. Nenhuma mulher quer ser mal falada pois isso faz seu valor cair no mercado. Quem dá o lastro nessa mercadoria é o homem.
Digamos que ser feminista faz nosso valor simbólico cair pois lutamos justamente contra aquilo que agrega "valor de mercado" às mulheres. Todxs xs estudiosxs são muito clarxs em afirmar que esse valor é composto pela castidade, bons modos, beleza e etc. Uma coisa interessante é que eles não aparecem exatamente como foram criados, mas ainda vigoram. Por exemplo a castidade. A mulher não precisa ser virgem (alguns homens tem até medo, pois as mulheres já podem dizer que um homem é rium de cama), mas também não pode ser rodada. Na minha visão, e agora eu falo de uma postura intelectual e de vida, quando uma mulher diz que não é necessário ser feminista para querer ter seu lugar ao sol ela pode estar dizendo duas coisas:
- Tenho muito valor simbólico e por isso posso ter um homem poderoso e com isso pegar uma carona no poder dele e ter uma boa situação de vida e ser bem vista na sociedade ou;
- Não sei o que ser feminista significa mas todos falam mal e eu quero que os homens me tenham em alta conta. (isso acaba soando como "quero manter meu valor simbólico mesmo sendo uma mulher inteligente").
Para quem tem medo da teoria feminista ou ser pega lendo um "Segundo Sexo" (que é um pouco ultrapassado, mas é por onde quase todas nós começamos), vou dar uma dica. Virgínia Woolf é uma das escritoras mais aguçadas que eu já li e seu livro "Um teto todo seu" é uma das discussões mais interessantes que eu já li sobre a condição da mulher e o fazer literário. Para quem quer se iniciar ou falar mal eu sugiro que ao menos conheça algo. Outro texto clássico é o da Gayle Rubin "The traffic in the women". Quase me esqueci, temos a nossa representante. Marilena Chauí em seu livro "Repressão Sexual: essa nossa (des)conhecida".
continua...
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