sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Você é igualzinha ao seu pai

Era o que eu sempre ouvia quando fazia algo de errado. Errada ou não, quando desagradava minha mãe ou era comparada ao meu pai (o diabo na Terra) ou com a minha avó (devidamente culpada por todos os traumas da minha mãe). Durante muitos anos eu senti minha consciencia "pisando em ovos". Vivia numa incerteza enorme. Não concordava com a comparação simplesmente porque não me sentia uma cópia, achava-me um ser autônomo e original. Eu não gostava de dar o braço à torcer. No campo de batalha onde eu vivia era um erro fatal e primário que eu já não podia cometer. Culpar a minha mãe era fazer o mesmo que ela fizera com a dela, eu não queria ser em nada parecida com a minha mãe, já bastava carregar no rosto a semelhança com o meu pai que fez com que eu fosse tão odiada e amada por ela. Eu não podia ser igual à ninguém.

O quê fazer então? Na falta de grana para uma análise... MESTRADO! Ã? Meio bizarra essa minha solução, não? Calma, eu explico. A melhor coisa para entender um problema é... se enfiar nele, claro! Realmente eu não sei e não posso afirmar que seja fácil, mas desde que comecei a estudar a teoria feminista e fatalmente lendo Chodorow, Flax, Micthell a gente entende um pouco esse pesado fardo que se chama maternidade. Infelizmente para as extremistas, quem mais me ajudou a entender a minha mãe foi um homem, feminista sim, mas homem. Anthony Giddens em seu "A transformação de intimidade sexual". Ele pegou emprestado muitos pensamentos feministas, mas conseguiu juntá-los numa temática que deixou claro para mim algo que sempre foi nebuloso, mas que ao mesmo tempo era muito simples de ver.

A grande maioria das mulheres não faz a menor idéia do que é a maternidade, nem ao menos pensa longamente nisso. Posso resumir que a maioria pensa que uma relação feliz e harmoniosa é um pré-requisito para ter filhos felizes e se realizar como mãe. NÃO! NÃO É! Ajuda, mas não é tudo. Pensar em um bebê tbm não é tudo. Pensar em sustentar o filho também não é tudo. Cuidar dele também não. Arrumar tempo pra ele tbm não. Ensiná-lo, transmitir valores tbm não. O que seria então? Bom, além de tudo isso junto acho que todas as mulheres devem ficar um tempo sozinhas e sendo bem sinceras consigo mesmas e se fazerem as seguintes perguntas: Porque eu quero ser mãe? Porque eu acho que vou ser uma boa mãe? Que tipo de pessoa eu quero que o meu filho seja? E acima de tudo: O que eu acho que é ser mãe e quais as consequencias disso?

Muito? Se vc acha então desista da maternidade, pois colocar outro ser no mundo com tantas capacidades quanto os humanos tem (por exemplo, mudar o destino do planeta) e não poder se questionar sobre a responsabilidade disso é não estar preparada. Quem sou eu para dar conselhos se, na verdade, não tenho filhos? Eu sou alguém que um dia, com toda a sinceridade no coração e muita mágoa dentro dele, perguntou para a própria mãe "Porque você quis ser mãe?". Eu nunca obtive uma resposta para essa pergunta e sabe porque? Porque nem ela sabia. A maior parte das mulheres vai seguindo a maré. "É natural", "a gente tem um instinto", "vou saber o que fazer". Se nós vivessemos como os outros animais eu diria "manda ver, pare aí", mas de fato não é. A sociedade humana se organiza de forma muito distinta das outras e está se distanciando cada vez mais delas. O que eu posso dizer é que as relações familiares mudaram, entre homens e mulheres também. E digo mais, entre pais e filhos (ou mães e filhas). Você certamente vai ser cobrada pela(o) sua(seu) filha(o). O que vai responder? Vamos ser sinceras, está preparada para deixar a sorte agir? Sua filha não estará sob o seu controle, as opções sexuais, intelectuais... tudo pode ser diferente do que imaginou e aí? Vc tem que pensar sinceramente. Nada pior para um filho que desistir dos pais. O que será para uma mãe ser desprezada por um filho?

Pode ser muito fácil para vc responder a todas essas perguntas, mas lembre-se, o mundo é plural e diverso. Nem todos tem a mesma cabeça (graças!). O que o Giddens me fez ver que era nebuloso pra mim se resume no seguinte pensamento "Você não tem que ser eternamente grato aos seus pais apenas porque te colocaram no mundo. O reflexo do relacionamento que você tem com eles é um reflexo do que eles tiveram com vc." Pronto! Pof! A bigorna de 100 toneladas que eu carregava caiu das minhas costas. Eu não sou um monstro! Viva! Não preciso amar a minha mãe acima de tudo que aconteceu! (Meio auto-ajuda, eu sei, mas foi necessário na época). Calma aí, não é o fim. A recíproca tbm é verdadeira. A minha mãe não precisa gostar de mim. Isso é verdade. Até porque sabemos que nem todas as mulheres de fato tem noção do que é a maternidade e dos discursos dominadores que estão por trás dela. Devo eu declarar ódio recíproco à minha mãe? Ser contra todas as mulheres que disserem que querem ser mães tentando alertá-las das armadilhas desse discurso?

Volta bigorna!

Peraí, só um pouquinho. Eu acho que é melhor entender o que aconteceu com minha mãe, não?

Ela foi iludida, coitada. Achou que a felicidade se multiplicaria com os filhos, mas ela se dividiu. Um pouquinho de felicidade em cada filho e um monte de apreensão, aperto financeiro, ausência do meu pai... E só ela para cuidar da casa, fazer compra, arrumar, lavar, passar, cozinhar, trabalhar... Sim, eu faço parte das muitas famílias onde a maior parte da renda vem do trabalho feminino... Hum... Tô começando a sentir raiva do meu pai... Mas peraí, o meu pai fez o que o pai dele fez com a mãe dele. A minha mãe? Sempre foi uma mulher inteligente, mas meio esquentada e com um pensamento muito conservador. Vamos voltar ao caso dela. Ela teve filho relativamente tarde (em comparação a outras mulheres), 26 anos. Tinha diploma e um bom emprego. É verdade que se acomodou na carreira, mas ela tinha 3 filhos e um marido pra criar. Dá até pra entender. Ela não teve a criação que o meu pai teve. Meu avô materno era relativamente moderno. Era ciumento com a minha avó, mas ela podia trabalhar e ainda tinha todo conforto em casa. Meu avô era apaixonado pela minha avó, não a tratava mal por achar q ela era propriedade dele. Mas uma coisinha acabou com essa linda história. Meu avô morreu de câncer de pulmão com 40 anos. Minha mãe tinha 14 anos. Naquela época a viúva ficava com apenas 50% da renda do marido. Quem pagava as contas era meu avô, a vovó não sabia cuidar das finanças. E como fazer isso, manter o mesmo padrão com apenas metade da renda? Eu acho até q ela se saiu bem, mas a mamis não concorda. Ela vendeu uma chácara q meu avô tinha, pagou umas dívidas, alugou os quartos da casa onde morava para moças solteiras que vinham trabalhar na capital, dispensou a empregada e fez minha mãe e minha tia cuidarem do serviço da casa.

Sabe quando eu fui saber de toda essa história? Ano passado. Minha mãe falava que a minha vó tinha sido exploradora e injusta, que tinha emancipado a minha mãe e a minha tia só pra depenar o patrimônio do meu avô, mas na verdade o patrimônio era dela. Fiquei sabendo da história depois de ter perdido o meu pai e ter começado a ver as mudanças da lei de sucessão. Descobri meus direitos e os da viúva do meu pai. Mas continuando com mamãe.

Nunca falei exatamente sobre isso com ela, mas imagino que seu raciocínio tenha sido esse: Se a mãe dela ficou na merda porque não tinha mais marido a minha mãe ficaria na boa, porque além de ter emprego e saber cuidar de si sozinha ela ainda tinha... UM MARIDO! Voilà! Ops, mas as coisas não saíram com o planejado. O meu pai não era o meu avô e a minha mãe não era a minha avó paterna. Ela não aceitava ser "dominada" e meu pai não aceitava "não mandar na casa". Mas a maior parte da grana vinha do salário dela, e aí? Bom, apesar disso tudo, eles se amavam loucamente (mesmo) então para não terem que se separarem... A culpa foi nossa. É triste, mas foi a melhor resposta que eu consegui até agora. Acredito que outras coisas contribuíram, mas acho essa a parte essencial.

Vou me atrever a dar um conselho. Na porta do templo de Delfos (eu acho) está escrita a seguinte frase: "Conheça a ti mesmo". A porta desse templo é baixa, fazendo com que quem entre tenha que se abaixar. Saber quem você realmente é não é uma tarefa fácil. Requer humildade. Eu ainda não estou certa se serei mãe um dia, provavelmente sim (espero que seja uma menininha :)) Mas certamente não a culparei por decisões minhas. Não a culparei pelo meu pelo fardo. Até mesmo porque, uma feminista que caí nesse estereótipo tradicional de maternidade está cumprindo mal o seu papel. Tem que colocar o marido (ou o pai) pra estudar. Se for pai, mas se forem mães ou pais tbm. Porque nem todo filho perde tempo tentando entender a prórpia mãe. É bem mais fácil culpar. Se existem mães que não sabem os discursos que estão por trás da maternidade imagine os demais? A responsabilidade é toda da mãe e os louros do pai. O casal pode não ser assim, mas as crianças vão viver isoladas?

A bigorna saiu, mas tá guardada na minha estante para eu nunca esquecer de que não existem apenas dois lados de uma história e que o feminismo, se é o que eu posso dizer, tem me ajudado a ver as coisas de cabeça pra baixo.