"Eu quero a sorte de um amor tranquilo"...
Amor, vida, trabalho, cidade...
Tudo que eu quero nessa vida é tranquilidade.
Ordinário em francês é comum, mas pode ser algo normal, sem grandiosidade. Falar que eu quero uma vida ordinária parece um sacrilégio nesse mundo louco de 32hs por dia, de comunicação quase instantânea, tecnologia. Onde todos tem que estar por dentro. Onde existe moda e atualidade até no youtube onde tudo é tendencia passageira. Eu acho que estou virando, como diria um amigo, uma misantropa.
Ontem fui ao aniversário da minha sobrinha num bairro (cidade satélite) aqui de Brasília chamado Águas Claras, a nova coqueluche imobiliária da classe média. Já na entrada essa tendência se confirma com corretores fantasiados se jogando na frente do seu carro para que vc receba o panfleto da "oportunidade da sua vida" que se resume a um apertamento de 2 quartos com a metragem de 1 quarto. Além disso, para compensar a feiura do lugar e a infraestrutura precária, vc poderá se deliciar com um playground (sem grama ou areia para não sujar o seu bacuri e não te dar trabalho) e um espaço gourmet fantastique (pq na sua casa mal tem cozinha) além de uma piscininha que em vista dos 200 ou 300 moradores do seu prédio não passa de um ofurô. E o prédio, diga-se de passagem, por mais moderno que seja ainda é igual ao da frente. A pista principal é pior do que qualquer asfalto de Brasília (e olha que o daqui é beeem ruim) sem NENHUMA placa, engarrafada às 15hs da tarde de um sábado.
Mas eu realmente sou louca em achar aquilo ruim. Gastar uma pequena fortuna (os apês em Águas Claras são em média 50% mais baratos que no Plano Piloto, mas ainda assim são caros) para morar num lugar apertado, sem verde, com gente saindo por todos os lados?!?!! Eu não me incomodo em pegar um bus pra ir trabalhar, mas lá nem passa. No mêtro só entra quem dá sorte e ainda tem a tarifa mais cara do DF. É longe do meu trabalho e de onde mora a maioria dos meus alunos. E tudo isso pra quê? Dormir bem. Pq com a rotina louca que vc tem vai conseguir somente dormir em casa. E se vc quiser ir a uma festa (sem ser sertaneja) vai ter que ir pra "cidade". Ou seja, mais de meia hora dirigindo pra chegar em algum lugar (sem trânsito) e tudo isso pra quê? Morar bem. Bem? Nem no final de semana vc vai querer ficar em casa. A menos que vc invista também na TV por assinatura e desista da sua vida social. Ah, outro problema, eu não assito TV, nem aberta, nem fechada, nem digital nem nada.
Mas eu realmente sou esquizita. Não achar bom casar na igreja e fazer uma puta festa para tentar recuperar todas as perdas do casório (e da festa) em presentes para a casa. Fazer um esforço omérico pra dar a entrada num apartamento e sacrificar todo o meu "salário", o lazer com o maridão, os jantares bons para adquirir um lugar que vai ficar pelo menos um ano fechado pq vamos morar fora e nem temos certeza de que vamos voltar pra cá? Ah, eu sou mesmo burra. Devia me matar de estudar por uns 2 ou 3 anos para passar num concurso público para um cargo que eu nem sei o que faz, que não vai usar nada das minhas capacidades nem do que eu gosto de fazer para se resumir no mais emocionante: mecher com leis ou processos numa linguagem mega burocrática e ainda correr o risco de me viciar em paciência e ter que ter um twitter para dar um pouco de emoção à minha rotina. Isso tudo para apenas poder curtir os dois meses de férias por ano e a estabilidade da minha bunda sentada numa cadeira 8 horas por dia olhando para a tela de um computador ou para uma pastinha igual a todas as outras com um número e um monte de coisas escritas no seu interior que ninguém sabe pra que serve e vai todo mundo pra última página ver o que interessa. Blerc!
Eu devo ser louca por não sonhar com isso. É um mar de rosas! Tantas gratificações e 13 salário que eu realmente poderia financiar um pedacinho do céu em Águas Claras. E quem sabe ficar fincada no mesmo lugar para sempre contando com uma promoção que não muda nada num lugar que divide tanto o serviço que vc nem sabe direito o praquê é paga. Realmente toda mulher pode fazer isso pq pra ser realizada basta ser casada e ter filhos, o trabalho não influencia em nada.
Eu devo ser louca por querer fugir do trânsito, da loucura, de gente mal educada, mal amada, mal humorada... Gente que tem tanta coisa emocionante e instigante para fazer no seu empreguinho público que tá sempre de cara fechada querendo chegar o mais cedo para poder ir embora o quanto antes. Eu realmente estou errada. Todo mundo que faz concurso vai ter uma vida boa e bem remunerada. Ver o quanto vale o seu trabalho, pensar em outras oportunidades, ter liberdade, fazer aquilo que vc estudou para fazer não é nada, bom mesmo é ser funcionária (pública). Eu realmente devo estar enganada de não querer me vender barato, de achar que essa juventude brasiliense é acomodada. De não achar vitória nenhuma ganhar tudo de mão beijada. Que o esforço de passar num concurso público é tão grande que valha mesmo o resto da vida sem se esforçar pra mais nada. Estudar dois anos e ter a vida toda paga. De não achar que é conforto ser acomodada. Mas eu realmente estou enganada. Todos dizem. Eu não devo saber de nada. Mas sei que quero uma vida mais ordinária.
Sem querer ofender os certos nadadores à favor da corrente. Se são felizes não se ofendem com o que eu digo, certo? Eu só estou cansada desse sempre "mais do mesmo" e "nada de novo" que andam tentando me vender. Eu posso não saber de nada, mas sei que isso não me agrada. Não, muito obrigada. Eu não vou morar em Águas Claras. Prefiro minha casa alugada.