segunda-feira, 29 de março de 2010

Caso Nardoni. Foucault não explica, mas incita.

Eu tentei evitar acompanhar o julgamento, mas foi impossível. A mídia toda se deslocou de Brasília para São Paulo procurando algo diferente para relatar. Pois bem, acompanhei-o então. Muita estupidez foi dita e quase na maioria dos casos pelos jornalistas e apresentadores. Raramente aparecia um advogado ou consultor jurídico para dar uma luz a essas pobres criaturas.

Eu confesso não entender muito das leis brasileiras tão pouco do nosso sistema penal. Mas coincidentemente o livro que estava lendo no período (Vigiar e punir do Michel Foucault) me deu muita base para discutir certos temas, nem que fosse com a televisão que não me ouvia.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi a multidão de curiosos e "manifestantes" na frente do forum. Lembrava bastante as execuções em praça pública do período medieval. A multidão estava lá, mas o suplicados, carrascos e etc ficavam dentro do fórum.

Outra semelhança com os suplícios medievais era a expectativa de uma confissão. Todos pareciam compartilhar da opinião, muitas vezes apenas insinuada, de que sem uma confissão por parte dos criminosos as provas pareceriam ilegítimas - inconclusivas era o termo que a mídia preferiu usar. A falta dessa confissão pareceu roubar do povo aquela famosa frase "Eu sabia". Sem a certeza da culpa a exortação dos culpados perdeu um pouco da graça e a multidão não era mais tanto a "foule" (palavra em francês que tem o som parecido com loucura) que destruiria as instalações do fórum para apedrejar os culpados e chamar para si, para o próprio povo, a justiça.

Como isso não foi possível por uma série de dúvidas postas, inclusive pelo relato mal feito por parte da mídia, a respeito da perícia, a bola da vez, após o veredito ficou sendo o sistema penal brasileiro. Agora e somente depois do caso Nardoni, o Brasil voltou seus olhos para o sistema penal. Estranhamente essa discussão não foi posta com o mesmo vigor na ocasião dos maus tratos sofridos pelos presos no Espírito Santo.

Mais uma vez, me chamou a atenção para o fato da discussão ter sido posta pela mídia depois do julgamento. Afinal de contas, mesmo sem provas conclusivas, após julgados não resta dúvida da culpa. Resta apelar agora para a empatia do povo para com o sofrimento da mãe da menina e exigir que os condenados cumpram todo o tempo da pena em regime fechado.

A diferença é visível. No Espírito Santo os presos são pobres, a população se apiedou deles, mas no caso Nardoni os criminosos são gente da classe média. Temos que puni-los! Eles tiveram estudo, educação, poderia ser qualquer um de nós se não fossem monstros. Os primeiros são delinquentes, os últimos, monstros.

Será que esse caso não revela mais alguma coisa? Eu poderia discutir aqui toda a teoria posta no livro do Foucault a respeito da utilidade do sistema carcerário para a classe dominante, mas vou convidá-los a ler o livro. Se o autor gastou 291 páginas para explicar o fenômeno eu precisaria de muito mais que um post para explicá-lo. Vou incitá-los a pensar em outro aspecto, um aspecto mais social.

Será que o que o povo está tentando punir não é uma sombra que fica por trás da monstruosidade do crime que poderia insinuar algo que abalaria as estruturas da nossa sociedade judaico-cristã - a máxima de que os pais devem amar os filhos incondicionalmente?