segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Se homem engravidasse pílula seria doce e aborto seria fácil

Estou me antecipando na blogagem coletiva pois estarei uma semana fora do ar. Espero que curtam o post e tenham paciência. Semana que vem respondo os comentários.

Sabe, quando se é feminista há um certo tempo existem temas que se tornam exaustivos, mas nem por isso menos importantes. Principalmente porque todo mundo entende mais e melhor de feminismo do que vc, que estudou o assunto. Mas realmente não acho que precise ser um expert no assunto ou ser feminista para concordar com alguns pontos do movimento. A legalização aborto foi uma das primeiras reinvindicações do movimento feminista brasileiro, mas até hoje está longe de se tornar uma conquista.

Eu sempre escuto autoridades testemunhando que são contra o aborto por serem a favor da vida. Gostaria de esclarecer que nenhuma pessoa a favor do aborto é contra a vida, a diferença é que somos a favor da vida da mulher e aqueles que são contra são a favor apenas da vida do feto. A argumentação contra, na maioria das vezes, passa para um aspecto impalpavel e inexplicável: quando podemos considerar o feto um ser vivo. Bom, eu prefiro trabalhar com o que eu tenho de concreto e certo, a vida da mulher, que é o ser que já está vivo no momento da discussão. Além disso, quando passamos a discurtir a vida do feto trazemos para uma questão política e de saúde pública um aspecto metafísico que não deveria fazer parte da discussão.

O Estado tem a capacidade de respeitar que uma testemunha de jeová rejeite tratamento médico e que um adventista do sétimo dia faça prova do vestibular em horário especial, mas não pode respeitar uma mulher que não quer ser mãe, ou não tem condições de sê-lo a carregar essa imensa obrigação porquê? Porque é a favor da vida??? Da autoridade, o bebê. Sim, ele começa a mandar na vida da mãe antes mesmo de nascer. E isso é tão maravilhoso que todo ano mais ou menos 3 milhões de mulheres morrem vítimas das consequências de abortos mal feitos no Brasil. Esse número só tende a aumentar junto com o crecimento das obrigações de ser mãe. São duas forças contrárias que sempre existiram. Uma é o que a sociedade ensina e mostra sobre a maternidade e a outra a realidade cruel do dia a dia. Sim, pois se a maternidade tem coisas maravilhosas, pode ter certeza que tem coisas hororosas na mesma proporção. Porque raios as mulheres fazem um aborto? Existem pessoas com diferentes objetivos e personalidades no mundo, mas a sociedade ainda pretende que todas as mulheres sejam iguais? Ou melhor dizendo, mães? Sim, porque só existe um jeito certo de ser mãe perante a sociedade e esse jeito é ser mãe e nada mais. Deixar de comer para dar para o filho, deixar de trabalhar porque a criança precisa da mãe para se desenvolver, deixar de ser preguiçosa porque a criança precisa que vc faça tudo por ela. Deixar de lado qualquer característica que vá contra o pacote propaganda-de-margarina-filme-da-disney mãe.

A questão é que a identidade feminina tem sido atrelada a maternidade há mais de 200 anos. Uma propaganda pesada em bonecas, contos de fada, filmes... A planta nasce, cresce, amadurece, gera frutos e morre. A mulher nasce para gerar frutos. Só que hoje em dia a mulher já encontrou outras opções de vida e pode não estar interessada em ser mãe, mas ninguém pode imaginar tamanha perdição. Se perguntar porque a qualquer mulher que não quer ou não tem filhos tenho certeza de que ouviria respostas mais plausíveis e racionais do que de muitas mulheres que dizem querer ser mães, mas ninguém está interessado em ouvir. O Brasil já julgou e já condenou. Não só aquela mulher que decidiu não ser mãe como aquela que só pensou no assunto tarde demais e se arrependeu. Eu sou daquelas que acredito que a maternidade deve ser pensanda e ponderada, mesmo que aconteça inesperadamente. Mas quando falamos da legalização ou descriminalização do aborto não estamos falando de mim ou de você que tem estudo, internet, sabe usar uma pílula ou camisinha. Estamos falando de pessoas sem acesso à informção, saúde, aos seus próprios direitos e que estão morrendo. Estamos falando de mulheres pobres que muitas vezes dormem na rua, são violentadas e carregam consigo uma legião de filhos miseráveis vendo essas crianças passarem fome, dormirem ao relento. Para essas crianças existe o estatuto da criança e do adolescente, a pastoral da criança e etc e para essas mães? Quem liga? São apenas mulheres, elas engravidaram, elas merecem?

Eu acho que o Estado tem que dar informação, dignidade e muito mais, mas enquanto isso? Essas mulheres devem morrer? Devem ser presas? Eu já falei aqui e repito que tive sorte, eu classe média, estudada e talz. Sorte porque já achei que estava grávida quando era adolescente e não estava. Mas nesse interím me toquei que a culpa não era toda minha. Eu não tive nenhuma aula que ensinasse a gente a usar camisinha ou outros métodos contraceptivos. Só me ensinaram o que eram e como agiam no corpo. Minha mãe se recusou a me levar no ginecologista até os meus 17 anos, pois ela não queria que eu fizesse nenhuma "besteira". Mas eu achei que tinha engravidado bem antes disso e tinha na minha mente que se isso fosse sério eu abortaria. Agora, imagina como eu, que nem mesada dos meus pais ganhava, ia fazer um aborto? E se eu não fizesse, minha gente, ia morar na pqp, ganhando uma mesada da mãe do meu ex-namorado (pq a gente não ia ficar junto só por causa do bebê), trabalhando de sei lá o que 10 horas por dia para poder pagar a creche do menino e a conta de água. Por isso, quando falam que a feminização da pobreza é um fenômeno crescente eu entendo. E o meu estomago revira toda vez que eu vejo alguém rico e engravatado (por cima e por baixo) falando que é contra o aborto porque é a favor da vida. A favor da própria boa vida. Da boa vida dos homens que não perdem emprego por estarem grávidos ou apenas por poderem, um dia, engravidar. Que não ganham menos só porque podem, um dia ter que sair mais cedo ou faltar porque tem que cuidar do filho. Tem que cuidar do filho porque o cara lá é a favor da boa vida dele e não faz nada. Não troca fralda, não dá mamadeira... Ah, não pode mamadeira. A mãe tem que ficar lá seis meses amamentando porque ela não tem nada para fazer, né?

Nessas horas, quando meu estômago revira eu penso "se homem ficasse grávido a pílula seria super avançada, aborto seria uma injeção indolor e sem efeito colateral e creche seria igual posto de gasolina, uma em cada esquina".