Como amante da análise do discurso, muitas vezes me assusto vendo absurdos na retórica popular brasileira. Mesmo comentaristas "consagrados", ditos opinadores de respeito, angariam preciosos minutos no jornal das oito, e até mesmo páginas inteiras com suas fotos de perfil em revistas quinzenais, para achincalhar seus oponentes. Digo achincalhar pois na sua maioria, a opinião desses "baluartes" é pessoal e muitas vezes não versa nem acerca da personalidade ou das atitudes daquele a quem julgam e sim da aparência, classe social...
Mas não se engane. Essa estratégia pífia de argumentação é patrimônio nacional. Se sua vestimenta serve para credibilizar aquilo que diz o que dizer do seu sexo, sua cor, sua posição? O que se diz também não importa muito. Como se diz é bem mais importante. Os psicólogos e behavioristas podem tentar ponderar minha crítica dizendo que existem respostas instintivas a gestos e tons de voz. Eu como conhecedora de alguns pontos da linguística, sei que o tom é importante para insinuar o sarcasmo e a ironia. O problema está em que se tirando esses aspectos da equação, praticamente não podemos criticar nada nesse país.
Estamos numa meritocracia que no lugar de mostrar o mérito, nos concentramos em esconder os erros e defeitos, em conseguir desculpas, desviar os dedos inquisidores para outro. Quantas vezes eu escutei um "me desculpa" ou "mea culpa"? Acho que nunca. Se teve erro de digitação na prova "acontece", "é culpa do editor de texto que está configurado para outro idioma". Se alguém não deu o recado, nunca ouvirá um "eu esqueci", mas sim "você não deve ter recebido o e-mail" ou "o seu celular não está funcionando". Eu não sei se a corrupção é endêmica, mas as vezes eu acho que a mania de desculpar-se e mentir é quase esporte nacional. "Você quer sair amanhã? Hum, não vai dar, é aniversário da minha tia". Porque dizer "eu não estou afim" é ultrajante.
Talvez daí (ou de outro lugar) venha a falta de habilidade para se ponderar, discutir e solucionar. Na ânsia de mostrar o mérito, sem saber ao certo o que isso significa, toman-se decisões à la va vite, verticalmente e sem espaço para discussões.
Um bolsista qualquer foi viajar pela Europa e não terminou o doutorado? Vamos cobrar dele? Não. Vamos proibir TODOS de viajar enquanto estiverem fazendo seu doutorado, sanduíche (mais para misto quente). Os médicos não querem ir para o interior? Vamos investigar? Não. Vamos obrigá-los! (como se eles fossem os únicos que custam milhões aos cofres públicos e não dão o suposto retorno à sociedade). Será que os engenheiros assim que formados serão obrigados a construir pontes?
Outra coisa engraçada foi a discussão em torno da vinda dos médicos cubanos. Deixando de lado o fato deles serem ou não bons médicos, eu não vi muita ênfase nas ponderações acerca da atitude brasileira, sem pudores de privar Cuba de seus médicos e tentando aplicar neles aqui o mesmo regime que tem lá. Eles iam ficar como? Trancafiados para não verem "os prazeres do capitalismo"? Eles veriam sim. Os doentes pelo chão, a falta de equipamento, o descaso do poder público com o povo... E para falar a verdade, tentando deixar o xenofobismo de lado, eu preferiria muito mais um cubano do que um português ou um espanhol. Será que a gente não deveria descolonializar a medicina brasileira no lugar de recolonializá-la mais uma vez?
Na mesma linha das argumentações 8/80 estão algumas das críticas do povo "acordado" ao governo. A Dilma é poderosa sim, mas ela não é O GOVERNO! Nós temos instâncias municipais, estaduais e federais. Bom, e eu até acho bom ela não ser a única responsável pela instância federal. Além disso, no âmbito das leis (pois a gente adora uma lei, por mais absurda e sem chance de ser cumprida que ela seja), existe a Câmara e o Senado e está cheio de gente lá adotando um comportamento extremamente "instável" desde que os protestos começaram. É muito provável que os problemas da sua cidade sejam culpa do governo estadual e municipal. Aqui em Brasília eu não vi muita reclamação sobre a Câmara Legislativa. Ela faz "tanta" coisa que a gente até se esquece dela... Jaqueline, sua família e seus amigos agradecem.
Só para dar um exemplo de argumentação 8/80: existe a esquerda e a direita no pensamento político, certo? Não. Existe a centro esquerda, centro direita, extrema de qualquer lado e ainda algo do qual a gente pouco fala: a terceira via (que é do que a gente pouco fala mas é sobre tudo que está acontecendo aqui no Brasil). Mas se você é de esquerda logo te taxam de... petista. Pomba, eu não sou mais petista desde o primeiro mandato do Lula. E desculpem-me os ainda petistas, mas, para mim, o PT não é mais um partido de esquerda.
Posso citar muitos outros exemplos dessa intransigência argumentativa, mas eu acho que essas já são suficientes para nos fazer pensar um pouquinho no que temos usado para sustentar nosso argumento e onde todos vamos chegar com essa discussão pouco frutífera.