quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Respirando literatura fantástica

Acho que nunca contei esse detalhe aqui no blog. Adoro Literatura Fantástica. Essa atmosfera misteriosa, de uma tranqüilidade aterrorizante e ao mesmo tempo desoladora me fascina. Outro dia descobri que um representante desse gênero está disponível no Domínio Público.

A dama do pé de cabra, de Alexandre Herculano foi um conto que marcou minha graduação. Antes de falar do conto, talvez eu deva introduzir o autor. Ele é português, do século XIX. Quem quiser mais algumas informações pode dar uma olhadinha na wikipédia, pois infelizmente, eu não tenho mais minhas anotações da graduação.

Acho que foi a primeira vez que consegui aplicar a teoria literária na leitura de um texto. Minha felicidade em encontrar o "desencantamento do mundo", a "morte do sagrado" e por mais estranhas que essas expressões podem parecer a princípio, elas fazem todo o sentido. É muito bobo dizer, mas era como se pela primeira vez eu conseguisse por em palavras minhas impressões da obra.

O tempo todo o narrador tenta se esquivar da responsabilidade de assumir o sobrenatural assumindo-o. Fora que é muito bom ver um texto que se assemelhe tanto a nossa tradição. As superstições, o sinal da cruz, ato significativo no conto tem tanto simbolismo pra gente. Ao mesmo tempo eu acho graça como as criaturas sobrenaturais, tão poderosas, sedutoras e astutas se contorcem de dor ao ouvir um nome santo. Não sei se aplica nesse caso, mas todos esses pequenos elementos me soaram como uma "cor local". É muito diferente do que ler "O homem da areia".

Como o texto não tem direitos autorais, vou reproduzir um trecho aqui, só para deleitar-vos.

"A DAMA DO PÉ-DE-CABRA
Alexandre Herculano

Trova Primeira – Capítulo I

Vós os que não credes em bruxas, nem em almas penadas, nem em tropelias de Satanás, assentai-vos aqui ao lar, bem juntos ao pé de mim, e contar-vos-ei a história de D. Diogo Lopes, senhor de Biscaia.

E não me digam no fim: — "não pode ser." — Pois eu sei cá inventar coisas destas? Se a conto, é porque a li num livro muito velho. E o autor do livro velho leu-a algures ou ouviu-a contar, que é o mesmo, a algum jogral em seus cantares.

É uma tradição veneranda; e quem descrê das tradições lá irá para onde o pague.

Juro-vos que, se me negais esta certíssima história, sois dez vezes mais descridos do que S. Tomé antes de ser grande santo. E não sei se eu estarei de ânimo de perdoar-vos como Cristo lhe perdoou.

Silêncio profundíssimo; porque vou principiar."