terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A volta, uma mistura de ansiedade e medo

Morar um tempo fora parece o sonho de muita gente. O velho continente é sinônimo de cultura e civilização. Até hoje, por mais decadente que esteja em alguns aspectos, ainda dita as abstrações diárias nas quais baseamos nossas vidas. Muitos pensam que apenas o fato de deixar o Brasil para morar na Europa significa uma mudança de status. Em suma, minha vida ia automaticamente melhorar apenas por ter vindo para cá. Afinal de contas, trabalho no MacDonnalds aqui não é o mesmo que lá. Outros pensam que eu magicamente fiquei rica, pois como morar na Escandinávia é caro e nós estamos morando aqui, logo, somos ricos. Muitos se surpreenderiam em saber que os preços aqui não são muito diferentes do Brasil. Mas gostaria de esclarecer, para evitar futuros constrangimentos aqueles que pensam em pedir dinheiro emprestado, que não, não ficamos ricos nem melhoramos de vida. Mudamos de lugar no espaço, mas não na pirâmide social "universal". Também não precisam se preocupar, não passamos nenhuma dificuldade aqui.

O quê eu posso dizer que foi importante na minha vida nesse quase um ano de estadia sueca, foi a experiência de vida. Foi conhecer gente do mundo inteiro, diversas experiências, culturas e porque não dizer, artes. Sei que talvez soe como um clichê, mas morar fora te ajuda a entender melhor o seu país e perceber coisas que nunca lhe vieram a cabeça antes. Eu sempre gostei muito do meu país, embora reclame bastante dele e da minha cidade natal, Brasília. Não acho que para gostar do país devemos ser xenofóbicos, alienados e acríticos. Aprendi com o tempo e minhas experiências aqui a ser mais tolerante. Não tinha nenhuma amiga acadêmica o que foi bom para minha experiência feminista, mas interessante para conhecer diversos "sensos comuns", que para Geertz são mais importantes do que aquilo que meia dúzia de intelectuais considera como "conhecimento".

Em relação ao meu país, ficou muita saudade e tristeza. Apesar de lermos em várias línguas, não conseguíamos deixar de acompanhar as notícias brasileiras, que por vezes nos chegavam tão distorcidas pelos meios de (des)comunicação que nos faziam pensar "será que realmente queremos voltar". A preocupação era grande, pois uma coisa estava definida, íamos voltar! Vamos voltar. Por mais que olhos se arregalem, narizes se torçam e bocas se abram surpresas. Por mais que alguns digam "eu no seu lugar, não voltava nunca mais". Como diria meu pai, se vc que ser o cachorro do rei, o problema é seu. As pessoas escolhem ficar no exterior por diversos motivos desde amorosos até identitários. Existem aqueles que podem viver na cidade que adoram, outros são forçados por diferentes razões, desde políticas a financeiras. Mas decidir voltar causa muito mais espanto. Por quê?

Eu sempre fui muito crítica com relação a política e a sociedade brasileira. Mas criticar não é odiar, é tentar melhorar. E a gente só tenta melhorar aquilo que dá importância. Eu gosto do meu país e gostaria que ele fosse um lugar mais justo, porque não? Eu sei que meu país muitas vezes age como se não nos quisesse de volta com suas lambanças, incompetências e desorganizações. Mas tem a família, os amigos, a cultura, a comida, a paisagem, a língua... Mas afinal "posso sair daqui pra me organizar". Aqui, tá tudo dentro da caixinha, previsível, entediante.

Também tem o medo. Medo de voltar e não se adaptar novamente. Como voltar a andar de ônibus tendo que se jogar na frente do mesmo para que ele pare? Será que ainda sei me segurar enquanto o motorista tenta nos derrubar dentro do carro aos 80 km/h no mínimo? Ter que carregar dinheiro para pagar a passagem? Passar meia hora só esperando um ônibus que talvez passe? Andar de carro? Acho que faz uns 2 anos que não dirijo. Não sei como vai ser voltar a ser agressiva, passar ao menos duas horas sentada no banco de um carro, a caça pela vaga... Não, ai não. E as pessoas? Como será conviver com todos novamente? Será que eu mudei? Elas mudaram? Ou ambas?

Por outro lado, guardadas as devidas proporções, sempre me identifiquei com o pensamento de Edward Said. Ele diz que um intelectual é aquele que está sempre se sentindo desconfortável, fora do lugar. Ele não aceita senso comum sem refletir, ele desconcerta pois está sempre quebrando paradigmas. Questiona a tudo e a todos, inclusive a si mesmo. Não admite uma verdade única ou universal. O intelectual está sempre no exílio pois não existe zona de conforto para ele. Said fala de intelctual. Eu me vejo mais como eu mesma. Pois intelectual virou quase um partido. Aqueles que falam mal dos intelectuais colocam todos eles no mesmo bloco. Eixo do mal, PT, esquerda, marxista, comunista, feminista... Para "eles" é tudo a mesma coisa. Eu não preencho todos os pré-requisitos para ser um "intelectual", mas acho que talvez seja "incoformável" e "inconfortável". (Inclusive, segundo as estatísticas, eu teria que ser homem, branco, ter por volta de 40 anos, morar no Rio ou em São Paulo, achar que o mundo se resume a essas duas cidades e seus problemas, problemas de intelectual)

Então, não faz diferença eu ficar aqui ou no Brasil. A diferença é que no Brasil talvez façamos mais diferença, talvez tenhamos mais oportunidades de emprego numa economia crescente. E porque não dizer que nossa vida pelo ser pelo menos, um pouco mais fácil tendo a família e os amigos por perto para ajudar? Sem falar no clima...