terça-feira, 26 de novembro de 2013

Entre a beterraba e a cenoura, uma lição de vida.

Fui almoçar num self-service simpático onde costumo ir sempre que não sei onde comer. Tento fazer um semblante cool e concentrada para disfarçar o desconforto que sinto sempre que como só. Não porque esteja em Brasília (mesmo aqui não vejo problema nenhum em sair sozinha, como algumas reportagens idiotas sugerem), mas porque não gosto de comer só nem em casa.

Sentei à mesa tentando regular a velocidade de comer para não ser tão rápida quanto queria (para me ver logo livre daquela situação), nem tão devagar que prolongasse demais meio desconforto. Esse lugar costuma estar sempre cheio, e nesse dia não foi diferente. Ao meu lado, numa mesa com três cadeiras, sentaram-se a mãe e o filho que pelo linguajar, eu julgo, não ter mais do que 5 anos.

Na minha tarefa de parecer concentrada, não pude deixar de ouvir a conversa entre mãe e filho. A mãe tentava dar comida ao filho usando uma figura de linguagem, se não me engano a catacrese. Ela dizia, "olha a beterraba, a irmã da cenoura", e colocava a colher na boca do menino. Depois vinha a "amiga carne", e o menino dizia "a irmã da beterraba?" e a mãe dizia "não, a carne é irmã do frango e do peixe". Eu confesso que não entendi muito a brincadeira. Vai ensinar e depois o menino vai ter que aprender tudo de novo... mas enfim, não tenho filhos, não sei até que ponto os pais são capazes de ir para alimentar os seus.

Essa artimanhna continuou por pouco tempo, até uma amiga da mãe se sentar. O assunto da mãe mudou, não lembro o quão repentinamente. Sei que a moça sentou e logo a mãe começou "filhinho, você acha que a Tia X vai passar num concurso, né?" e a tia continuou, agora me toquei o quanto os adultos interrompem as crianças na hora de falar pois o menino ia responder "nã...", quando a tia disse "O que você acha, fulaninho?". E a mãe já toda nervosa concertando "Não, X, você vai passar sim".

*Só uma observação - tem concurso público que é mais difícil do que vestibular para medicina. 1000 candidatos para uma vaga. Eu, pessoalmente acharia mais legal que a mãe tivesse dito "uma hora você passa". Mas eu não estava escrevendo o script.

E o menino, vendo a fobação da mãe e da tia, não entendia porque. Ele disse "mas porque você tem que passar num concurso, tia?". A resposta quase me deu asia, mas a comida estava leve demais pra isso. A mãe disse:

"Para ela ganhar muito dinheiro e comprar muitos presentes pra você".

Ela disse isso, eu me lembro muito bem. Quase fiquei com vontade de levantar e dizer ao menino que ele não precisava gostar da tia dele porque ela lhe daria presentes. Mas me contive. Até porque parei para pensar no número de coisas erradas (para mim, obviamente) contidas naquela afirmação que concluí que não valia a pena. Fiquei com pena foi da tia. Se ela não passar, nem o sobrinho nem a amiga gostarão dela do mesmo jeito. Imagina, passar num concurso para ter o afeto das pessoas!? Eu não vejo muita meritocracia nisso, mas essa já é coisa para outro post…

A tia, coitada, está sendo julgada pela capacidade de passar em algo que quase ninguém passa. E seu sobrinho vai ser ensinado a tratar diferente as pessoas, pelo que elas tem e pelo papel social delas. É, Goffman, aprendemos a fazer o check-in social desde cedo. Fico pensando se é que esse menino já não aprendeu que entre a irmã carne e o irmão frango, aqueles que estão mal vestidos não são confiáveis.

Lembrei de mim, que sou uma tia lascada e não dou presentes. Será que devo parar de pensar em sair para brincar com as minhas sobrinhas, assistir um dvd com elas? Afinal de contas, o que importa é o presente. Mas fiquei na dúvida sobre uma coisa, quase perguntei para a mãe do menino. Os presentes tem que ser numerosos e caros ou podem ser muitos de R$ 1,99? E o que a gente faz quando a criança gosta mais do embrulho do que do presente?

E esse menino, o que será se não for o que a mãe espera dele? E essa mãe, será que está preparada para algo diferente da propaganda de margarina?