Tenho circulado por ambientes de educação presencial e a distância. No primeiro, como alguns aqui sabem, tenho ouvido coisas do tipo "seu currículo é muito bom, sua formação é muito sólida, mas você não tem experiência". Esquecem entretanto que para ter essa formação super sólida, tive que abrir mão da experiência. As vezes fico na dúvida se deixasse a formação de lado e adquirisse experiência não iria começar a ouvir "Você tem muita experiência, mas tem se capacitado pouco..."
Mas enfim, nos ambientes de EAD o assunto é outro. Discutimos qual é a obrigação do tutor, do professor, da equipe. Sempre com um organograma de funções bem determinadas onde o tutor está na base da cadeia alimentar (estranhamente o aluno não aparece nos esquemas). Qual é a obrigação do tutor? Tudo, menos decidir o plano de aula, o material de estudo e o cronograma. Mesmo que os artigos que nos "incentivam" a ler sobre EAD falem que o tutor na verdade deveria ser o professor da disciplina, mencionem condições ideais, como o número de alunos por sala o que vemos na verdade é uma economia infinita que o governo vem conseguindo fazer. Imagine só, no lugar de contratar professores doutores para ministrarem disciplinas no Ensino Superior presencial ele contrata um presencial que é também responsabilizado pelo EAD, e consegue um monte de mestres e doutores para trabalharem como tutores. Não existe limite para quantidade de alunos que um tutor fica responsável e os supervisores
Mas como ele consegue isso? Ora, o pessoal não está conseguindo emprego, principalmente em Brasília, onde temos poucas opções, ou trabalhamos para o governo ou prestando serviço para o governo. E na EAD você pode contratar um profissional em Brasília que irá ministrar um curso para Bahia, por exemplo. Existem áreas que são mais complicadas para prestação de serviços. Então para complementar a renda, muitos pensam "vou ser tutor, afinal de contas, já passo a maior parte do meu tempo no facebook". Infelizmente o que ninguém nos fala é o quanto demanda de tempo na realidade. Sempre fazem parecer que é algo tranquilo "enquanto você olha seus e-mails responde os alunos", "é só você se organziar", falam. Mas no lugar de se depararem com uma simples monitoria à distância nos assemelhamos a professores de línguas que são obrigados seguir um método em sala de aula e muitas vezes não sabem a relação daquela atividade com o conteúdo. Os cursos são preparados em cima da hora, não temos como nos organizar, não sabemos como serão as atividades que teremos que corrigir, mudam-se os critérios no meio do caminho e vamos nós refazer tudo que havíamos feito... Por fim, acabamos conduzindo a disciplina, isso implica, além de se dedicar ao estudo da disciplina, se responsabilizar também pelo aprendizado dos alunos. Mas diferente do professor, que mesmo mal pago é reconhecido, não levamos os louros pelas conquistas deles, só via mensageiro ou quando os supervisores querem acalmar nossos ânimos irritados com os pagamentos atrasados. Eu me pergunto se uma "bolsa" ou o que quer que chamem o "incentivo" que recebemos é suficiente. Eu acho que não, mas não estou em condições de recusar. E vocês?
Infelizmente não temos a chance de trazer esse debate para dentro dos ambientes. Aí que vem a lobotomia. Antes mesmo de discutirmos essa estrutura injusta e impositiva que está se formando junto com a expansão da EAD brasileira, sempre tem alguém (superior) que, lendo nossos pensamentos, falam o quanto nossa atividade é nobre, discutem que espécie de pessoa só trabalha por dinheiro, dizem que já que dispensamos em média oito horas do nosso dia no trabalho devemos fazer algo que gostamos e blá blá blá - lavagem cerebral. Eu sei, já passei por isso. Voltamos para casa tão felizes pensando o quão nobres e dignos somos, mas esquecemos de notar que esse não é o tipo de campo, daqueles que menciona Bourdieu, onde o fato de desprezarmos o dinheiro faça parte das boas maneiras. Isso é um campo profissional e eu posso dizer que sim, quanto mais se valorizem um profissional ou uma categoria de profissionais mais eles ganham.