Fiquei muito animada quando li no jornal que iriam encenar 'A Flauta Mágica, de Mozart' à céu aberto e de graça. Sempre achei que o governo devia se empenhar mais tanto na educação quanto no acesso à cultura. Afinal, apenas 5% dos brasileiros têm esse privilégio. Eu mesma sempre quis assistir à uma ópera, mas aqui, em Brasília, os preços são para senadores.
Mas enfim, eis que chega o dia de ir à ópera. Muita gente ligando, churrasco, cervejada, mas fomos firmes: vamos à ópera! Teve gente que disse "Nossa, como vocês são chiques!" e nós dissemos "É de graça!" Rapidamente alguns torceram o nariz pensando "De graça deve ser coisa de pobre." Mal sabiam eles que o cenário era digno do Teatro Nacional, o figurino dos atores estava esplendoroso e para aqueles que acham as óperas cansativas, muitos lugares para sentar.
Eu fiquei bem entusiasmada com o ambiente, melhor dizendo décor. A quantidade de carros estacionada nas proximidades revelava que nem só os menos favorecidos queriam ver o espetáculo. Gente bem vestida, anciosa e lugares sobrando na arquibancada foi o que vimos meia hora antes do horário marcado para começar. Até o vice governardor foi prestigiar.
Meia hora depois, começa a ópera. O maestro Sílvio Barbatto dá uma breve explicação sobre o enredo da obra e começa. A orquestra estava perfeita e quando entra o tenor... pasmen! Era mesmo um tenor e cantando em alemão, língua original da ópera. Mas não se aflijam, no telão, além do palco pode-se ver a tradução.
Eu estava achando muito bom, mas eis que começo a reparar na interferência de um bebê chorando e uma mãe pra lá de relapsa, que não faz nada para o muleque calar a boca. Os camelôs, por mais incrível que pareça, incomodavam menos que as pessoas que insistiam em atender o celular e acenar quase gritando "Fulaninho, aqui!". Tinha gente que realmente abafava o som dos cantores líricos. Foi aí que eu comecei a pensar, se só 5% dos brasileiros tem acesso à cultura eu imagino que 1/2 % apenas tem acesso às boas maneiras.
Para piorar o quadro, no final do segundo ato, começou a chover. A orquestra, o maestro e os cantores estavam tão imersos no espetáculo que cobriram os instrumentos e esperaram juntamente com 1/3 do público inicial a chuva parar. Pense bem, uma ópera de graça no meio da Esplanda é algo tão raro que no áuge da seca chove.
Completando o cenário os VIPs do evento não quiseram se molhar e foram embora, deixando as cadeiras na frente do palco vazias. Quando o maestro anunciou a volta dos atores, fomos ocupar os lugares vagos no gargalo, afinal, Marcos estava sem óculos e só conseguia entender os diálogos que foram traduzidos para o português, mas as áreas estavam passando em branco. Chegando na 'hot zone' quando íamos entrar pela entrada principal o segurança fala para um rapaz que estava tentando entrar na nossa frente "Não pode entrar não." o rapaz pergunda "Porquê?" e o segurança tem a cara de pau de dizer "Tá lotado." e vira de costas para a nossa risada coletiva. O rapaz completa "Depois dessa não vou falar mais nada."
Já que a entrada principal estava 'lotada' resolvemos dar a volta e entrar pela lateral. Os seguranças da lateral aderiram ao bom senso e sabendo que boa parte dos VIPs já tinha voltado para o Lago e não molharia mais os sapatinhos caros na lama pública, que pela chuvinha ordiária era bem fajuta, liberou a entrada para plebe. No momento em que entrávamos na área vip ouvimos uma loira falsa vestida como todas as outras reclamando com o segurança "Você vai deixar esse povo entrar assim? Eu estava lá na frente!" mas o segurança respondeu "Infelizmente eu não posso fazer nada". E eu pensei "se fudeu" ela não pagou e nem eu.
A ópera continuou com outro insuportável bebê na minha frente fazendo barulho no colo da avó, mas essa teve o bom senso de comprar uma pipoca para socar güela a baixo do muleque e ele ficou quieto enquando Papagueno bebia vinho em troca de sua felicidade. A chuva voltou e depois de dois minutos pingando cancelou nossos planos. O maestro voltou-se para a platéia e nos parabenizou pelo respeito e consideração e recebeu de volta aplausos de pé por uma ópera que não terminou.
O que ficou como lição? Molhe a plateia que os 'sem noção' vão embora, vips ou não.