quinta-feira, 18 de julho de 2013

Game of Thrones - eu não gosto e sei por quê.

Eu adoro pegar um livro, sentar, ler e quem sabe me transportar para outro mundo. Quando a cabeça anda muito cheia e a imaginação não consegue sair do chão, uso a ajuda de outras linguagens mais diretas, como as HQs e adaptações televisivas.

Uma que assisti há um tempinho foi Game of Thrones. Nem sei se já escrevi sobre isso aqui, mas eu detestei. Não consegui sair do sofá de tão óbvia, racista e preconceituosa que era a trama. Me desculpem os fãs, pois falo aqui apenas da série de televisão e das duas primeiras temporadas. O que para mim foi o suficiente para caracterizá-la como um fiasco ficcional.

Dependendo de como você entende ficção, o "projeto" do autor pode ser bem ou mal realizado. Para mim é simples: se o autor cumpriu o pacto com o leitor ele foi bem sucedido. Se ele se propõe a escrever um conto maravilhoso, você não vai criticar que haja magia na história, pois dentro do gênero, isso é algo dado. Por outro lado, se vai escrever um romance de cavalaria sem cavaleiros ele está realmente fugindo da proposta. Mesmo assim ainda pode ser bem sucedido se o protagonista de alguma forma possa ser comparado a um cavaleiro nos seus feitos, honra e etc. Não vou entrar no mérito do gênero, pois sabemos que muitas vezes escritores os reinventam, reinterpretam e etc.

Aí, eu começo a assistir a tal da série, sem nenhuma expectativa de uma releitura do "gênero" RPGesco, eu estava esperando mesmo um "Lord of the Rings" em outro reino.Mas me falaram que era muito, MUITO, bom. Gente que sempre me criticou por ler o Harry Potter, disse "leia, assista Game of Thrones, você vai gostar". Logo nos primeiros capítulos se instaura o clichê. Algo que era para ser um mundo novo me aparece como um pastiche da divisão geográfica terrestre da Era Medieval. No norte (gelado), brancos e nobres senhores feudais, honrados e incorruptíveis. No sul, quente, à la Montesquieu, moral e valores vão se derretendo com o calor e, adivinhem qual a cor do povo mais "bárbaro" da série? Quem notar qualquer semelhança com os muçulmanos não está muito longe da pista.

Okay, vá lá. Os americanos tem um troço mal resolvido com o "mundo árabe". Sobretudo em entender que aquilo lá não é o quintal deles. Mas enfim, dá até para entender o cara pintar os "mouros" como os bárbaros, só não dá para achar inovador, né? Mas "só" isso não foi o suficiente para me impedir de ver a série. A sucessão de mulheres usando ou o sexo como arma para chegar ao poder, ou sendo a honrada esposa e mãe de família para ter respeito foi bem além do clichê. Tem algumas mulheres que fogem à regra. A mãe dos dragões, a tal da cavaleira (pois ela não é uma amzona) e a menininha Stark. Alguém pode argumentar que por um determinado ponto de vista, a trama política gira em torno das manipulações femininas com a tal da Lanister e a do cabelo ruivo. Eu também não vejo nada de novo nesse argumento - Bel Ami (Guy de Maupassant), Relações Perigosas (Chrodelios de Laclos) e uma infinidade de outros exemplos.

Mas para ser sincera, a parte que mais me irritou foi a magia. Mas ai eu já nao posso dizer se o defeito foi da serie, se ele foi o estopim da minha irritação, ou se foi o que ela representa de fato na conjuntura atual. Ao final da segunda temporada a magia começa a dar sinais de que vai retornar. O nascimento dos dragões e a volta dos zumbis (ou algo assim) são alguns indícios. Eu teria que assistir mais da série para poder dizer qual é a justificativa do autor para o retorno da magia. O problema está justamente aí. Qualquer justificativa que ele dê é uma espécie de fuga da realidade. Até porque, sabemos que não existe, nem nunca existiu magia no mundo, okay?! O único dragão que conhecemos é o de Komodo.

No início do Iluminismo, a razão e a ciência tomaram o lugar da religião e da magia. Tanto que o termo "desencantamento do mundo" é usado para explicar a conjuntura de fenômenos que inauguraram aquilo que convencionou-se chamar de "modernidade". Mas esse termo tem outras interpretações, pois é um termo alemão e dizem que foi mal traduzido. Uma outra tradução é "desmagialização". Mas e ae?

Bom, um dos gêneros bastante representativos do período é o fantástico. Sua trama fundamental é o conflito entre a ciência e a magia. O indivíduo do conto fantástico tem certeza do que o que vê não pode ser real, pois é demasiado sobrenatural para ser explicado cientificamente, e no entanto ele vê. Instaura-se aí o desafio, pois sendo o sobrenatural impossível depois do cientifcismo, ele (o personagem) passa a duvidar dos seus próprios sentidos (algo também usado para criticar a ciência da época), mas nunca tem certeza do que aconteceu. Tanto é verdade, que o mais importante do fantástico é a dúvida e a magia nunca se realiza de fato, pois o conto fantástico é sempre uma história que alguém contou para o narrador, ou aconteceu com um amigo de um amigo e etc.

Depois dessa explicação, onde fica a magia no Game of Thrones? Os deuses estão renascendo, mesmo baseados na descrença dos fiéis. São novos deuses? Ou a magia existe independente deles? Isso quer dizer o quê? Vamos colocar a crença na frente da ciência? Quais são as implicações disso? Todas as respostas para mim me parecem ruins. Já basta o sistema de governo ser monárquico, uma espécie de pastiche da Távola Redonda. O autor não me convence nem de que está escrevendo uma ficção, nem de que está sendo autêntico. É claro que ele pode se inspirar no que existe, não tem outra forma de fazer, mas ele precisa apagar as marcas, ao meu ver, muito claras de onde ele bebeu. E a magia, essa não tem solução. Para mim vai ser sempre o Frankstein da obra.

Aí você, caro leitor, pode me dizer que é uma obra de ficção. Sim! Eu concordo. Mas veja bem, nunca é apenas ficção e as analogias preconceituosas que o autor faz com o mundo real são demasiado óbvias para me fazerem "descolar" do sofá e parar de pensar na relação atual entre o "retorno" da magia e o crescimento dos fundamentalismos religiosos.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Brasil, o país da argumentação 8 ou 80

Como amante da análise do discurso, muitas vezes me assusto vendo absurdos na retórica popular brasileira. Mesmo comentaristas "consagrados", ditos opinadores de respeito, angariam preciosos minutos no jornal das oito, e até mesmo páginas inteiras com suas fotos de perfil em revistas quinzenais, para achincalhar seus oponentes. Digo achincalhar pois na sua maioria, a opinião desses "baluartes" é pessoal e muitas vezes não versa nem acerca da personalidade ou das atitudes daquele a quem julgam e sim da aparência, classe social...

Mas não se engane. Essa estratégia pífia de argumentação é patrimônio nacional. Se sua vestimenta serve para credibilizar aquilo que diz o que dizer do seu sexo, sua cor, sua posição? O que se diz também não importa muito. Como se diz é bem mais importante. Os psicólogos e behavioristas podem tentar ponderar minha crítica dizendo que existem respostas instintivas a gestos e tons de voz. Eu como conhecedora de alguns pontos da linguística, sei que o tom é importante para insinuar o sarcasmo e a ironia. O problema está em que se tirando esses aspectos da equação, praticamente não podemos criticar nada nesse país.

Estamos numa meritocracia que no lugar de mostrar o mérito, nos concentramos em esconder os erros e defeitos, em conseguir desculpas, desviar os dedos inquisidores para outro. Quantas vezes eu escutei um "me desculpa" ou "mea culpa"? Acho que nunca. Se teve erro de digitação na prova "acontece", "é culpa do editor de texto que está configurado para outro idioma". Se alguém não deu o recado, nunca ouvirá um "eu esqueci", mas sim "você não deve ter recebido o e-mail" ou "o seu celular não está funcionando". Eu não sei se a corrupção é endêmica, mas as vezes eu acho que a mania de desculpar-se e mentir é quase esporte nacional. "Você quer sair amanhã? Hum, não vai dar, é aniversário da minha tia". Porque dizer "eu não estou afim" é ultrajante.

Talvez daí (ou de outro lugar) venha a falta de habilidade para se ponderar, discutir e solucionar. Na ânsia de mostrar o mérito, sem saber ao certo o que isso significa, toman-se decisões à la va vite, verticalmente e sem espaço para discussões.

Um bolsista qualquer foi viajar pela Europa e não terminou o doutorado? Vamos cobrar dele? Não. Vamos proibir TODOS de viajar enquanto estiverem fazendo seu doutorado, sanduíche (mais para misto quente). Os médicos não querem ir para o interior? Vamos investigar? Não. Vamos obrigá-los! (como se eles fossem os únicos que custam milhões aos cofres públicos e não dão o suposto retorno à sociedade). Será que os engenheiros assim que formados serão obrigados a construir pontes?

Outra coisa engraçada foi a discussão em torno da vinda dos médicos cubanos. Deixando de lado o fato deles serem ou não bons médicos, eu não vi muita ênfase nas ponderações acerca da atitude brasileira, sem pudores de privar Cuba de seus médicos e tentando aplicar neles aqui o mesmo regime que tem lá. Eles iam ficar como? Trancafiados para não verem "os prazeres do capitalismo"? Eles veriam sim. Os doentes pelo chão, a falta de equipamento, o descaso do poder público com o povo... E para falar a verdade, tentando deixar o xenofobismo de lado, eu preferiria muito mais um cubano do que um português ou um espanhol. Será que a gente não deveria descolonializar a medicina brasileira no lugar de recolonializá-la mais uma vez?

Na mesma linha das argumentações 8/80 estão algumas das críticas do povo "acordado" ao governo. A Dilma é poderosa sim, mas ela não é O GOVERNO! Nós temos instâncias municipais, estaduais e federais. Bom, e eu até acho bom ela não ser a única responsável pela instância federal. Além disso, no âmbito das leis (pois a gente adora uma lei, por mais absurda e sem chance de ser cumprida que ela seja), existe a Câmara e o Senado e está cheio de gente lá adotando um comportamento extremamente "instável" desde que os protestos começaram.  É muito provável que os problemas da sua cidade sejam culpa do governo estadual e municipal. Aqui em Brasília eu não vi muita reclamação sobre a Câmara Legislativa. Ela faz "tanta" coisa que a gente até se esquece dela... Jaqueline, sua família e seus amigos agradecem.

Só para dar um exemplo de argumentação 8/80: existe a esquerda e a direita no pensamento político, certo? Não. Existe a centro esquerda, centro direita, extrema de qualquer lado e ainda algo do qual a gente pouco fala: a terceira via (que é do que a gente pouco fala mas é sobre tudo que está acontecendo aqui no Brasil). Mas se você é de esquerda logo te taxam de... petista. Pomba, eu não sou mais petista desde o primeiro mandato do Lula. E desculpem-me os ainda petistas, mas, para mim, o PT não é mais um partido de esquerda.

Posso citar muitos outros exemplos dessa intransigência argumentativa, mas eu acho que essas já são suficientes para nos fazer pensar um pouquinho no que temos usado para sustentar nosso argumento e onde todos vamos chegar com essa discussão pouco frutífera.


sábado, 6 de julho de 2013

As manifestações, a esquerda, a direita, eu e a depressão

"Texto escrito no calor das manifestações e pode ser revisado em breve, mas precisava postá-lo"

Quando comecei a escrever esse texto, estava mesmo contente com o levante do povo brasileiro. Me surpreendeu ainda mais a quantidade de pessoas que preferiam manifestar do que assistir aos jogos da copa das confederações. Achava, no começo que a manifestação era legítima. Ainda acho, mas agora tenho algumas ressalvas.

Quanto à Copa, a audiência, aqui em Brasília, parece ter voltado ao normal. Olhando por esse ponto podemos nos indagar se os protestos não foram contra o monopólio da Rede Bobo nas transmissões e sua insistência em mostrar seu poder nos enfiando Gavião Nãobueno goela abaixo. Agora então fica a estranheza - assistir aos jogos na tv e depois ir para a manifestação. Isso parece combinar com a pitada de hipocrisia de todos os brasileiros à la "não sou preconceituoso, mas empregada deve comer na cozinha e andar pelo elevador de serviço".

Já para mim, a legitimidade da manifestação está na resposta àqueles que sempre disseram que o brasileiro é um povo pacífico e que no fundo quer dizer que somos acomodados. Para mim o nosso problema é um só: nossa indignação não é ouvida, nunca foi.

Eu era muito nova na época da ditadura, mas me lembro bem que na época as coisas estavam muito ruins. Comprávamos comida como guerrilheiros famintos, pois as maquininhas de preços não paravam. A nossa tão "comemorada" democracia se resumia a um presidente civil, escolhido pelos militares (que ainda por cima é imortal), e um mauricinho que dispensa comentários. Para mim, naquela época, o Brasil já era sim o lugar do "tudo acaba em pizza", mesmo depois do "fora Collor". Já tinha dentro de mim esse sentimento de derrotismo.

Agora, nesse momento tem aqueles que ressuscitam o movimento dos cara-pintadas, lembrando como "o povo" tirou um presidente do poder. Uaaaal!!! Mas minha pergunta é: quem estava mesmo a frente desse movimento dos cara pintadas??? Pense...

Desde que eu comecei a trabalhar, em 2004, há manifestações na Esplanada, mas, estranhamente, elas eram ignoradas, por mais transtornos que causassem ao trânsito. O que está acontecendo agora? Os olhos do mundo se voltam para o Brasil por causa da Copa e com isso alguém nos autoriza a falar?

Fato é que o estado de sítio da Fifa foi a gota d'água. Exigências absurdas, maquiagem nos hospitais para os estrangeiros enquanto nós, que nunca tivemos nada, que tivemos que batalhar por tudo, vemos o que o governo pode fazer quando é pressionado por alguém de fora, sem nos incluir na bonança, como sempre.

Rede Bobo mais uma vez cumprindo o seu papel de veículo imparcialíssimo na sua esquizofrenia sem pudores para ficar, a todo custo, por cima da carne seca. Ignorando seus primeiros posicionamentos sobre os protestos, ela agora se concentra em esvaziar qualquer sentido que haja nas manifestações, focando-se no mais fútil e inútil sobre o movimento - a violência. Violência sobretudo dos manifestantes, que antes eram todos acéfalos e agora, esses, são somente um grupo isolado, por maior que seja. Violência que não justifica o medo e a debandada dos políticos de seu próprio eleitorado. A apresentação de propostas da carochinha

Confuso? Nem tanto, deve ter um motivo pra isso. Sorte dela que ainda não vi nenhuma reivindicação para que o governo reveja a lei que regulamente as concessões de emissoras de televisão. Mas é claro que ela não precisa se preocupar. Quem são mesmo os donos das afiliadas da Bobo no Nordeste? Além de seguir o interesse de seus "acionistas", a rede Bobo, faz o que sempre fez, ignora por completo críticas, apaga todas as marcas que pode até convencer a todos de que elas não existem. Muda de assunto, desvia o foco... É assim, simples assim. Mas funciona.

E a esquerda? Por que não toma frente dos protestos? Ela está lá, minha gente. Não nos partidos, mas nas ideias. Você ser de esquerda não implica ser de um partido de esquerda. Agora, mesmo sendo de esquerda e apartidária, me preocupo um pouco com essa ênfase da Bobo no caráter apartidário das manifestações. Afinal, sendo dotada do toque de "Merdas", se a Bobo apóia deve ter algo de errado com isso.

No mais, o gigante, que nunca esteve dormindo, não pode voltar a apatia resultante da cooptação bobística. Acho que os protestos tem que continuar, mas precisamos repensar nosso classicismo.