domingo, 22 de dezembro de 2013

O sonho de toda mulher é casar? Será?

Texto escrito a pedido de uma amiga sobre um artigo traduzido por, ironicamente, um homem e publicado na folha.

Minha avó, que deveria ser uns 50 ou 60 anos mais velha do que eu dizia:

O primeiro marido de toda mulher é o trabalho”.

Isso porque ela, vinda de uma família pobre, só conseguiu melhorar de vida por ter se casado. Ela sempre fora uma mulher inteligente e perspicaz, trabalhou como professora primária e na época dela, foi forçada a largar tudo o que tinha para se tornar mãe e dona de casa. O meu avô, muito ciumento, não a deixava trabalhar, como muitos em sua época.

Mas ele morreu com 40 anos de câncer e a deixou com duas filhas para criar, sem trabalho ou experiência, um patrimônio para administrar que ela não sabia como fazer. Na época do ocorrido, as viúvas precisavam entrar na justiça para receber a pensão e essa decisão demorava algum tempo. Além disso, minha avó passou algum tempo recebendo apenas uma parte do salario do meu avô. Me lembra um pouco a história de “A partilha”- da Júlia Lopes de Almeida.

Tudo na vida da minha avó se resumia ao casamento, e ela se viu viúva, sem trabalho. Falar o que para as contas? “Eu investi no meu casamento antes da profissão, como a Suzana Venker aconselhou e agora me f*&%”.

No texto que o blog da folha traz, uma série de anomalias. Eu sou brasileira e não sou de nenhuma cidade super cosmopolita, como São Paulo. Os brasilienses irão negar, mas tem uma mentalidade que é, em muitos aspectos, interiorana. As mulheres aqui ainda se desesperam ao pensar que podem algum dia ficar “para titia”. Acho que é o sonho de muitas mulheres casar. Casamentos de meio milhão acontecem o tempo todo.

Eu não sei bem o que o casamento representa para a maioria dos homens. Acredito que para o brasileiro padrão, o casamento significa ter, me desculpem o linguajar, alguém para limpar, cozinhar, trepar e cuidar das crianças. E pior, muitos homens nem conseguem mais manter a casa sozinhos e ainda tratam suas mulheres como vassalas.

Realmente não consigo entender como alguém pode defender o casamento nos moldes do que era antigamente. Isso tem para mim ares de preconceito e inveja. Mas enfim, muitas teorias afirmam que em épocas de crise econômica, para se abrirem postos no mercado de trabalho para os homens, há uma volta desse discurso conservador visando a volta das mulheres ao lar, para, aí sim, dar emprego para os homens.

Para quem ainda levanta a bandeira dos papéis tradicionais de gênero, basta lembrar que eles são extremamente recentes. Inclusive, já na revolução industrial, as mulheres eram grande parte da força de trabalho. Mas tem gente que só enxerga aquilo que quer ver. Essa autora, por exemplo, o que está fazendo escrevendo livros e os vendendo? Isso não é um trabalho? Quem cuida da casa dela? E dos filhos? Enfim, será que ela mesma não está sendo contraditória?

Nos anos 50, nos EUA, as mulheres da classe média tinham um alto grau de instrução. Isso porque precisavam esperar o marido se formar e arrumar um bom emprego antes de se casarem. Sendo assim continuavam a estudar. Conclusão: a depressão e a taxa de suicídio entre as mulheres dessa época era altíssima, afinal, a vida de uma dona de casa não necessita de PhD.

Ela diz “Não é mais necessário casar para se fazer sexo”. Da parte dos homens, isso nunca foi necessário. Para as mulheres, isso nunca deixou de valer, basta ver os casos das meninas difamadas pelas redes sociais pelos seus próprios parceiros sexuais. Parte disso se dá porque eles podem, e elas não. Ao fazerem isso são vistas como vadias, prostitutas... Onde está mesmo a liberdade sexual das mulheres? O duplo padrão ainda está aí. O que a autora está dizendo não é nada além do “faça o que a sociedade ainda espera de você, não questione, não faça o que quer, se aliene e será feliz”.

Isso porque muitos homens ainda tem problemas para lidar com mulheres modernas. Por isso vemos esse tipo de manifestação visando difamar as mulheres, fruto de uma insegurança masculina. Mas é sempre bom lembrar, ainda bem, que não são todos os homens que agem dessa maneira. E também é bom lembrar que não são todos os homens e nem todas as mulheres que estão de fato interessados em relacionamentos monogâmicos ou heterossexuais.

Aliás, eu queria entender um pouco mais das motivações dessa autora, que claramente não foi criada na época que esse tipo de pensamento não era contestado.

Existe um certo medo das mulheres em oferecer a sobremesa antes do jantar, e os homens não quererem nada mais com elas. Bom, eu só posso dizer uma coisa, a sobremesa não é a única parte. Sem o jantar, é apenas sobremesa. E se o cara comeu e sumiu, melhor pra você. Sinal que não devia ser lá grande coisa. O problema, para mim, é o fato das mulheres que querem apenas satisfazer suas vontades sexuais serem difamadas, ou aquelas que dão no primeiro encontro. Ninguém nunca para pra pensar que essa poderia ser a razão do encontro per si? E se ele foi mais do que isso, porque deixar um preconceito impedir um conhecimento mais aprofundado do outro? Por que não partir para um segundo ou um terceiro?

Outro ponto importante a ressaltar é: o casamento mudou e os arranjos familiares também. Muitas vezes, a melhor coisa do passado é que ele passou. As pessoas se esquecem que os tempos antigos não eram apenas uma propaganda vintage da Coca Cola. É sempre mais fácil ser saudosista quando os maus momentos de uma época foram cuidadosamente suprimidos. E não tem nada de inovador em ser conservador.

Falar que os homens são imaturos ou amadureceram menos porque tem menos responsabilidades é uma coisa, mas dizer que isso é culpa das mulheres, porque elas resolveram que existe mais na vida do que casar é, no mínimo, falacioso. Os homens precisam de incentivos para casar? As mulheres também! Afinal, pelo menos aqui no Brasil, muitas vezes o casamento é um mau negócio para as mulheres, que se veem obrigadas a terem uma dupla jornada. O que eu acho que está ficando evidente hoje em dia, que por mais que as mulheres queiram ter uma família e casar-se, estão pouco propensas a fazê-lo nos moldes de antigamente. Além disso, os homens terão que enxergar que se o quiserem, precisarão tomar para si a parte que lhes cabe na paternidade e nos afazeres domésticos e não tem discurso conservador que seja que me convença do contrário.

Como deixar de viver, se os homens continuarem como estão? Como acreditar que o casamento amadurecerá milhagrosamente os homens? Se a mulher não investir no trabalho, o que sobrará para ela na grade partilha da sociedade?


Há mais coisas além do trabalho? Certamente que sim. E existe muito mais além do casamento.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Aos pais ou responsáveis

Não, eu não tenho filhos, antes que usem esse único ponto da minha argumentação contra todo o conteúdo dela. Tenho sim noção da limitação do que vou falar aqui no que tange a parentalidade. Mas meu argumento é válido quanto educadora experiente, professora, mestre em literatura e apaixonada pelo conhecimento.

Recentemente tomei uma das poucas decisões na minha vida que considero praticamente sem volta. Não dar mais aula para o ensino tradicional, especificamente em escolas particulares. Muito se fala sobre a mercadorização do ensino, mas ler sobre o assunto é muito diferente de ver o fenômeno acontecer na prática.

Dentre os problemas da carreira de professor, muitos são popularmente conhecidos, como o cansaço que sentimos ao ficar horas em pé; o trabalho extra que levamos para casa, correção de provas, elaboração de atividades etc. Somam-se a esses alguns outros que muitos desconhecem, como o desgaste físico de ter turmas indisciplinadas, a esse também podemos acrescentar a falta de educação dos alunos. A falta de respeito é gritante, tanto das instituições como dos alunos.

Não adianta a propaganda da escola, a maioria delas funciona como "agente maximizador de lucros". Isso implica dizer que vão colocar o máximo de alunos por sala, sem se preocupar com a qualidade do ensino que seus estudantes irá ter. Um exemplo da ineficácia desse sistema é a necessidade de que se tenham aulas de línguas em outras escolas (muitos pais pagam por fora), porque no ensino de línguas estrangeiras, sabemos que é muito difícil, numa turma com mais de 25 alunos, ter um aprendizado eficiente em todas as competências (a fala, a escrita e a compreensão oral e escrita). Gente, faça as contas de o quanto você paga por mês, o quanto de alunos existem em cada turma e o quanto a escola deve gastar com o salário dos professores. É um absurdo, uma máquina de ganhar dinheiro. E ainda cobram a mais por tudo.

Você pode até defender tais instituições dizendo que essas competências não são todas trabalhadas na escola. Será? Por que falamos tanto hoje em "analfabetismo" funcional? Que chance o professor, com o salário que ganha, dando pelo menos 30 horas semanais, com um descanso remunerado ridículo, se dedicar a cada aluno com a devida atenção se tem em média 40 alunos por sala? Se você acha possível, tente. E por incrível que pareça, tem gente que culpa os professores "como vocês, que ensinam, não conseguem ensinar a sociedade a respeitá-los?", ou ainda "é culpa dessa ganância, professor além de super qualificado ainda quer ser bem remunerado?".

Um absurdo mesmo, né. Se nem os fundamentos básicos é possível trabalhar nesse contexto, quem dirá do "senso crítico" que aparece na maioria dos planos políticos pedagógicos de cada escola? Aliás, uma piada. Você quer saber mesmo o que a escola faz com o seu filho? Elas vão pelo caminho mais fácil, pois pela lógica da maximização do lucro, mais aprovação, mais alunos, mais alunos, mais dinheiro. Mas você realmente já somou as porcentagens dos melhores colégios da cidade? Deve dar mais de 200% de aprovação. Eu não fiz a conta detalhadamente, mas se você somar todos os alunos de cada escola, a porcentagem de alunos que eles alegam ter aprovado na UnB, por exemplo, e subtrair pela quantidade de vagas que a UnB abre todos os anos do vestibular, tá sobrando aluno na UnB que não está lá de verdade. Muitas vezes essa pessoa é contada duas vezes, uma no colégio e a outra no cursinho. Qual deles será que deve realmente levar o crédito? E o que eles querem fazer mesmo com o seu filho é socar o conteúdo. Se não aprendeu o problema é dele e no mais, tem plantão.

Mas a questão talvez nem deva ser essa. Muitos dizem que a maioria dos vestibulares vão ser reformulados. O norte dessa mudança parece ser o ENEM, exame que visa estimular muito mais as habilidades dos alunos do que a simples decoreba a qual estamos acostumados. Mas mesmo assim as escolas não entendem o recado. Dão palestras e mais palestras tentando descobrir como "decodificar"e exame e ensinar a "manhã" aos estudantes. Gente, não é conhecimento, é informação vazia de significado. O aprendiz dificilmente saberá tornar o que aprende na escola de maneira plástica. Vai ocupar sua memória com sujeito e predicado, mas não saberá como manipulá-los para escrever períodos coerentes. Eu passei por isso. Alunos que não sabem a diferença entre a conjunção "e" e o verbo ser ("é"). Eles tanto não sabiam como falavam errado e pelos textos ficava claro que não compreendiam nem para que servia cada coisa. Me disseram uma vez que a professora explicou literalmente "um é verbo e outro é uma conjunção". Mas e ae, no que isso me ajuda a escrever? Não me recordo de nenhum gramático poeta, escritor, prêmio Nobel de literatura… Mas o conteúdo está lá, dividido por aulas, horas, atividades, exercícios, provas. E no fim tenho que prestar conta aos diretores, pais, coordenadores, chefes de área, mas a minha consciência sempre se sentia mal, por mais que eu vencesse "a minha meta". Me sentia como me senti quando fui vendedora de loja, não interessava o cliente que não fosse comprar o produto.

Me frustrava muito não conseguir por em prática quase nada do que aprendi na universidade. A coisa que mais me irritava era colocar um bilhetinho na prova "professor, corrija essa prova com muita atenção porque esse aluno é laudado". Como se a responsabilidade fosse minha. Não se fazia provas específicas para eles, nem ao menos de cores diferentes. Como eles poderiam se dar bem se a maioria das provas era de marcar a resposta certa? "Laudado" com o quê? Como se dislexia, déficit de atenção e hiperatividade fossem a mesma coisa. E o que me dava mais raiva era colocar pelo menos cinco desses meninos numa sala superlotada sem ao menos nos preparar para isso. Só recebíamos o bilhetinho ordinário grampeado junto a prova que o pobre coitado do menino tinha que fazer numa sala onde confinam todos os "LAUDADOS" juntos, uma zona total e completa, sem alguém que lesse a prova para esse menino achando que o bilhetinho vai resolver o problema dele.

Ah, mas a escola usa tablets, quadros interativos e ainda tem uma empresa de jogos educativos aplicando sua metodologia "super" inovadora em sala de aula. Não sei nem por onde começar a crítica desse tópico. Vão soar super moderninhas, mas bloqueiam a internet dos professores e dos alunos. Passar vídeo do youtube, só se der um jeito de copiar. Internet em sala de aula, se dermos sorte de conseguir conectar, é só o e-mail e olhe lá. Recursos como a wikipédia, o facebook, o blogger (não podia montar um blog com os meus alunos!!!)

Desculpem o desabafo, mas precisava compartilhar isso. Se no fundo só querem um lugar para vigiar seus filhos enquanto trabalham, coloquem em qualquer escola, mas se querem que ele aprende, que seja criativo, tenho sérias dúvidas do que fazer com essa criança, mas já digo que vai ser muito difícil ele ser criativo ou inventivo no ensino tradicional. Ele vai ser alguém apesar da escola e não com a ajuda dela.

Segue um vídeo sobre criatividade e escola para aqueles que se interessam pelo tema:

http://youtu.be/iG9CE55wbtY

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Entre a beterraba e a cenoura, uma lição de vida.

Fui almoçar num self-service simpático onde costumo ir sempre que não sei onde comer. Tento fazer um semblante cool e concentrada para disfarçar o desconforto que sinto sempre que como só. Não porque esteja em Brasília (mesmo aqui não vejo problema nenhum em sair sozinha, como algumas reportagens idiotas sugerem), mas porque não gosto de comer só nem em casa.

Sentei à mesa tentando regular a velocidade de comer para não ser tão rápida quanto queria (para me ver logo livre daquela situação), nem tão devagar que prolongasse demais meio desconforto. Esse lugar costuma estar sempre cheio, e nesse dia não foi diferente. Ao meu lado, numa mesa com três cadeiras, sentaram-se a mãe e o filho que pelo linguajar, eu julgo, não ter mais do que 5 anos.

Na minha tarefa de parecer concentrada, não pude deixar de ouvir a conversa entre mãe e filho. A mãe tentava dar comida ao filho usando uma figura de linguagem, se não me engano a catacrese. Ela dizia, "olha a beterraba, a irmã da cenoura", e colocava a colher na boca do menino. Depois vinha a "amiga carne", e o menino dizia "a irmã da beterraba?" e a mãe dizia "não, a carne é irmã do frango e do peixe". Eu confesso que não entendi muito a brincadeira. Vai ensinar e depois o menino vai ter que aprender tudo de novo... mas enfim, não tenho filhos, não sei até que ponto os pais são capazes de ir para alimentar os seus.

Essa artimanhna continuou por pouco tempo, até uma amiga da mãe se sentar. O assunto da mãe mudou, não lembro o quão repentinamente. Sei que a moça sentou e logo a mãe começou "filhinho, você acha que a Tia X vai passar num concurso, né?" e a tia continuou, agora me toquei o quanto os adultos interrompem as crianças na hora de falar pois o menino ia responder "nã...", quando a tia disse "O que você acha, fulaninho?". E a mãe já toda nervosa concertando "Não, X, você vai passar sim".

*Só uma observação - tem concurso público que é mais difícil do que vestibular para medicina. 1000 candidatos para uma vaga. Eu, pessoalmente acharia mais legal que a mãe tivesse dito "uma hora você passa". Mas eu não estava escrevendo o script.

E o menino, vendo a fobação da mãe e da tia, não entendia porque. Ele disse "mas porque você tem que passar num concurso, tia?". A resposta quase me deu asia, mas a comida estava leve demais pra isso. A mãe disse:

"Para ela ganhar muito dinheiro e comprar muitos presentes pra você".

Ela disse isso, eu me lembro muito bem. Quase fiquei com vontade de levantar e dizer ao menino que ele não precisava gostar da tia dele porque ela lhe daria presentes. Mas me contive. Até porque parei para pensar no número de coisas erradas (para mim, obviamente) contidas naquela afirmação que concluí que não valia a pena. Fiquei com pena foi da tia. Se ela não passar, nem o sobrinho nem a amiga gostarão dela do mesmo jeito. Imagina, passar num concurso para ter o afeto das pessoas!? Eu não vejo muita meritocracia nisso, mas essa já é coisa para outro post…

A tia, coitada, está sendo julgada pela capacidade de passar em algo que quase ninguém passa. E seu sobrinho vai ser ensinado a tratar diferente as pessoas, pelo que elas tem e pelo papel social delas. É, Goffman, aprendemos a fazer o check-in social desde cedo. Fico pensando se é que esse menino já não aprendeu que entre a irmã carne e o irmão frango, aqueles que estão mal vestidos não são confiáveis.

Lembrei de mim, que sou uma tia lascada e não dou presentes. Será que devo parar de pensar em sair para brincar com as minhas sobrinhas, assistir um dvd com elas? Afinal de contas, o que importa é o presente. Mas fiquei na dúvida sobre uma coisa, quase perguntei para a mãe do menino. Os presentes tem que ser numerosos e caros ou podem ser muitos de R$ 1,99? E o que a gente faz quando a criança gosta mais do embrulho do que do presente?

E esse menino, o que será se não for o que a mãe espera dele? E essa mãe, será que está preparada para algo diferente da propaganda de margarina?


sábado, 19 de outubro de 2013

A difícil tarefa de ensinar o feminismo


Ser feminista e ser professora tem muito em comum. Primeiro porque ambas temos que ensinar algo a quem não sabe ou desconhece o que estamos falando. Melhor dizendo, temos que mostrar o caminho para que o “aluno” descubra por si mesmo e veja de forma crítica algo na ordem vigente. Além disso, ambas temos que lidar com toda sorte de perguntas. Parece que os rótulos “feminista” e “professora” autoriza todo o tipo de interferência e juízo de valor a respeito da sua vida privada, por exemplo.

Quando estamos na posição de professoras, conseguimos entender determinado tipo de curiosidade dos alunos, afinal, eles nos veem com uma certa frequência e são habituados à ideia de que devemos fornecer respostas para suas perguntas. Dependendo da idade, não sabem o que podem e o que não podem perguntar ao professor. Mas já em relação ao meu feminismo, muita coisa me estranha, pois ser feminista é uma posição política num sentido bem amplo. Mas a política é a última coisa que querem discutir conosco quando nos “assumimos” abertamente feministas. Passamos por um exame instantâneo de raio X, onde nosso observador, muitas vezes abre mão da discrição em nos observar. Seria como se a primeira impressão que passamos, devesse ser reavaliada, pois aquela afirmação “feminista” mudasse tudo. Eu achei que depois de anos me habituaria a isso, mas devo confessar que não é tão fácil. De repente, todo o resto fica escondido debaixo do rótulo “feminista”.

Não é preciso dizer o que o senso comum pensa de uma feminista, mas para não pecar pela falta, colocarei aqui: feminazi, encrenqueira, sapatão, mal amada, mal comida dentre outros. Saber que alguém está te reavaliando para saber o quê de feminista você tem é, muitas vezes tentando encaixar um desses adjetivos no seu perfil. Há de se convir que não é muito agradável. Ao mesmo tempo, acredito eu, ser abertamente feminista é um exercício de paciência, pois requer muito estudo. Não digo que toda feminista vai precisar de um PhD em feminismo, mas o estudo ajuda muito no jogo de cintura que devemos ter no dia a dia. Principalmente para escutar todo o tipo de besteira e ideia pré concebida que as pessoas não falam normalmente, mas pelo fato de nos dizermos feministas, parece autorizá-las a serem racista, preconceituosas e, muitas vezes, apenas obtusas mesmo. A conversa vai girar sobre feminismo e muitas vezes será uma batalha. Muitos interlocutores querem nos convencer que estamos procurando cabelo em ovo. Que o feminismo é uma piada. De todas as coisas estúpidas que iremos ouvir (e ouvimos), ou colocar algumas aqui:

-       Não tenho nada contra o feminismo, mas “presidenta” é um exagero, além de muito feio.

-       Eu não concordo com o feminismo, pois colocar as mulheres dominando os homens é trocar 6 por meia dúzia.

-       Eu sou super feminista, pois nunca bati em mulher.

-       Não vejo nada contra o feminismo, mas não custa nada passar um esmalte e se arrumar, não é verdade?

-       Eu não entendo essa conversa de que ser feminina não combina com poder.

-       Ah, qual é, toda mulher quer um homem para tomar as rédeas.

-       Não me entenda mal, eu não sou feminista, só tenho simpatia pela teoria. Mas não sou uma dessas radicais.

-       Essa lei Mª da Penha é uma palhaçada, pois agora, qualquer mulher louca e ciumenta pode colocar um homem na cadeia, mesmo se o cara não tiver feito nada.

E por aí vai. Poderia ter colocado muito mais, mas acho que já deu para sentir o drama. E aí que está o meu ponto. Você pode ignorar e não perder o seu tempo com isso, afinal, nossas discussões estão a anos luz desses pontos. As questões de gênero não são ignoradas na maioria das agendas políticas nacionais e internacionais. Mas você pode perder o seu tempo tentando furar a pedra da ignorância “popular”. Não vou dizer que conseguirá, nem que será fácil, mas pense em quantas pessoas que falam frases assim ou pensam assim e ocupam posições de poder? Ou quantas já pensaram assim, mas mudaram seu ponto de vista? Nem todas nós sempre fomos feministas, eu, por exemplo, não. O que me fez mudar? Alguém que teve paciência de dizer “Opa, peraí, isso que você está dizendo não é bem assim...”

Tal como um professor, sabemos que a maioria dos nossos alunos vai continuar sendo mediano, mas quando sabemos que alguns poucos serão brilhantes e que tivemos uma pequena parcela de responsabilidade nisso, acho que vale a pena ser vigário e discutir a missa.


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A ganância

Das coisas que eu não entendo

Parte 2

Uma coisa que eu realmente não entendo é a ganância. Não que eu nunca a tivesse ou que não entenda aquela vontade louca de comer todos os chocolates da caixa sozinha sem dividir com ninguém, mas acho que existem vários tipos de ganância. Ou talvez um sentimento parecido com ela que eu não sei nomear.

Mas eu prefiro chamar de ganância do que encarar o fato de que a maior parte das pessoas é mesquinha, invejosa e egoísta. Digo isso quando me refiro a programas de transferência de renda como o Bolsa Família e outros. Eu achava que o tatcherismo havia provado sua inutilidade, seu grau de exclusão e incapacidade de resolver problemas, mas as pessoas guardam muito dessa retórica em seu pensamento.

A "meritocracia", ah, que doce ilusão! No fundo no fundo, quem trabalha sabe que é mais importante gostarem de você (e isso pode ter n razões além da sua competência), do que sua capacidade per si. Estar no lugar certo na hora certa, ter nascido na cor certa, na cidade certa, na família certa. Tudo isso conta mais do que o mérito. O mérito, na verdade, serve mais para superar os "erros" do destino para quem nasce com a cor, o sexo, a cidade e a família errados.

Mas o que isso tem a ver com o Bolsa Família? Bom, eu me doou toda vez que vejo uma mãe com uma criancinha de colo pedindo esmola. Se ela que ou não trabalhar, eu não consigo julgar. Fico pensando que não deve ser nada fácil ter que mijar na rua, pedir esmola pra comprar água, morar debaixo de uma lona. Acredito ainda, que, muitas vezes essa pessoa nem sabe que pode trabalhar, não tem documentos, não consegue matricular os filhos na escola pois precisa de um endereço residencial e a única alternativa seria se livrar dos filhos para que a assistência social os encaminha para viver numa família melhor.

Eu não sei qual é o caso daquela pessoa que está me pedindo esmola, puxando a carroça para dizer "sim, esse aqui merece ajuda e aquele não". Além disso, eu confesso, sou fraca. Não consigo ver um velhinho se contorcendo para entrar num ônibus, com as costas curvadas pelo peso da caixa de doces sem pensar que ele deveria estar em casa, curtindo a aposentadoria, vendo seus netinhos crescerem. Acho sim nossa sociedade muito injusta, principalmente porque sempre usamos a exceção para justificar nossa opinião.

Além disso, para a maioria das pessoas, essas pessoas são invisíveis. O caso típico de alienação, pois se toda vez que você ver alguém numa situação dessas e comparar com você, sua vida ótima, se você não for uma pessoa sem empatia, vai ficar triste, pensando o quanto nossa sociedade é injusta. Por isso nosso mecanismo de defesa é ignorar.

Eu conheci gente que não precisava de dinheiro, mas entrava no grupo 1 da UnB para pagar 0,50 centavos no almoço enquanto eu decidia se tirava a xerox de que precisava ou pagava o preço cheio do almoço. Não ia denunciar os outros, pensava que se a consciência da pessoa não a incomodava, não adiantava fazer nada, era um caso perdido. Além disso, eu só conheci uma pessoa que abusava do sistema, as outras usavam-no com justeza.

Mas aquele que tem tudo, todas as oportunidades e ainda é míope para os problemas dos meros mortais, ainda acha que consegue julgar com acuracidade os problemas dos outros é que me incomodam. Acham que só porque tem que ter (ou acha que deve) um carro porque o transporte público não funciona, que todos devem mais é se lascar. Não entende que é seu direito também ter um transporte público de qualidade. Se não precisa de Bolsa Família, deveria ter um bom SUS, creche... Mas essas pessoas acham que só porque elas tem que pagar e conseguem, todos também deveriam.

Eu confesso, não consigo ter inveja de quem recebe o Bolsa Família e não acho que a falência do nosso Estado se deva ao ridículo sistema de walfare que ele está implantando. Também não acho que o Estado mínimo seja solução para algo. Qualquer um que comparar EUA e Canadá ou Inglaterra e Suécia vai ver que Estado mínimo nunca foi solução. E vamos e convenhamos, as pessoas que recebem o Bolsa Família não tem a menor noção do que o Estado deveria ou não fazer por elas, ficam gratas quando deveriam ficar indignadas, porque isso, minha gente, é sim, muito pouco.

Se é ganância taxar tacitamente de preguiçoso quem recebe tal tipo de benefício eu realmente não sei, mas que é uma tremenda vesguice social, isso lá é.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A pressa

Das coisas que eu não entendo

Parte 1

Eu nunca entendi esse hábito de correr esbaforido para chegar a algum lugar. Entendo que as vezes, no mundo moderno, temos que correr pois precisamos fazer muitas coisas em pouco tempo. Mas por que chegamos a esse ponto? Temos demandas demais ou aproveitamos de modo pouco inteligente o tempo?

Para mim as duas coisas são ruins. Não quero ter demandas que me obriguem a engolir minha comida, a tomar café tão rápido que queime a língua, a andar de carro tão apressada que esqueça de parar na faixa, de olhar o céu. Em suma, atropelar a poesia da vida para cumprir as demandas da mediocridade.

Sim, meus caros, é medíocre trabalhar 10 horas por dia, sem gostar do que faz, para ganhar muito dinheiro para poder apenas viver um mês por ano. Ter que ter um carro maravilhoso pois com certeza, passará horas dentro dele. Ter que passar 40 anos pagando um apartamento que é um âncora, que não te deixa viajar, relaxar, ver o mar.

Mas cada um tem suas prioridades, seu modo de pensar. Eu não entendo a pressa de ser como todo mundo, de fazer tudo que os outros fazem de ter tudo que os outros têm. Eu não entendo a pressa de ser mal educado, furar os outros no retorno, só para parar a um carro de distância a frente no sinal. Não entendo a pressa de quase atropelar um pedestre e dar aquele sinalzinho safado de "foi mal, não te vi" - mentira!

Não entendo a pressa de comer mal, fast food, nem a do "eu tenho" e a do "eu preciso". "Eu" antes de "você(s)", "ele(s)" - uma impolidez do português do Brasil. A pressa pela pressa, pela primazia daqueles que além disso, não chegariam na frente. Correm para enfim descobrirem que não chegaram a lugar algum, pois fizeram o caminho errado. Aquele que leva mais fácil e rápido a uma vida infeliz, uma juventude mal aproveitada, pois corremos para passar dela e uma velhice amargurada, pois nesse estágio já se sabe:

Sim, serás o primeiro a ir para um lugar onde não podes contar vantagem de chegar. A entropia vence!

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Game of Thrones - eu não gosto e sei por quê.

Eu adoro pegar um livro, sentar, ler e quem sabe me transportar para outro mundo. Quando a cabeça anda muito cheia e a imaginação não consegue sair do chão, uso a ajuda de outras linguagens mais diretas, como as HQs e adaptações televisivas.

Uma que assisti há um tempinho foi Game of Thrones. Nem sei se já escrevi sobre isso aqui, mas eu detestei. Não consegui sair do sofá de tão óbvia, racista e preconceituosa que era a trama. Me desculpem os fãs, pois falo aqui apenas da série de televisão e das duas primeiras temporadas. O que para mim foi o suficiente para caracterizá-la como um fiasco ficcional.

Dependendo de como você entende ficção, o "projeto" do autor pode ser bem ou mal realizado. Para mim é simples: se o autor cumpriu o pacto com o leitor ele foi bem sucedido. Se ele se propõe a escrever um conto maravilhoso, você não vai criticar que haja magia na história, pois dentro do gênero, isso é algo dado. Por outro lado, se vai escrever um romance de cavalaria sem cavaleiros ele está realmente fugindo da proposta. Mesmo assim ainda pode ser bem sucedido se o protagonista de alguma forma possa ser comparado a um cavaleiro nos seus feitos, honra e etc. Não vou entrar no mérito do gênero, pois sabemos que muitas vezes escritores os reinventam, reinterpretam e etc.

Aí, eu começo a assistir a tal da série, sem nenhuma expectativa de uma releitura do "gênero" RPGesco, eu estava esperando mesmo um "Lord of the Rings" em outro reino.Mas me falaram que era muito, MUITO, bom. Gente que sempre me criticou por ler o Harry Potter, disse "leia, assista Game of Thrones, você vai gostar". Logo nos primeiros capítulos se instaura o clichê. Algo que era para ser um mundo novo me aparece como um pastiche da divisão geográfica terrestre da Era Medieval. No norte (gelado), brancos e nobres senhores feudais, honrados e incorruptíveis. No sul, quente, à la Montesquieu, moral e valores vão se derretendo com o calor e, adivinhem qual a cor do povo mais "bárbaro" da série? Quem notar qualquer semelhança com os muçulmanos não está muito longe da pista.

Okay, vá lá. Os americanos tem um troço mal resolvido com o "mundo árabe". Sobretudo em entender que aquilo lá não é o quintal deles. Mas enfim, dá até para entender o cara pintar os "mouros" como os bárbaros, só não dá para achar inovador, né? Mas "só" isso não foi o suficiente para me impedir de ver a série. A sucessão de mulheres usando ou o sexo como arma para chegar ao poder, ou sendo a honrada esposa e mãe de família para ter respeito foi bem além do clichê. Tem algumas mulheres que fogem à regra. A mãe dos dragões, a tal da cavaleira (pois ela não é uma amzona) e a menininha Stark. Alguém pode argumentar que por um determinado ponto de vista, a trama política gira em torno das manipulações femininas com a tal da Lanister e a do cabelo ruivo. Eu também não vejo nada de novo nesse argumento - Bel Ami (Guy de Maupassant), Relações Perigosas (Chrodelios de Laclos) e uma infinidade de outros exemplos.

Mas para ser sincera, a parte que mais me irritou foi a magia. Mas ai eu já nao posso dizer se o defeito foi da serie, se ele foi o estopim da minha irritação, ou se foi o que ela representa de fato na conjuntura atual. Ao final da segunda temporada a magia começa a dar sinais de que vai retornar. O nascimento dos dragões e a volta dos zumbis (ou algo assim) são alguns indícios. Eu teria que assistir mais da série para poder dizer qual é a justificativa do autor para o retorno da magia. O problema está justamente aí. Qualquer justificativa que ele dê é uma espécie de fuga da realidade. Até porque, sabemos que não existe, nem nunca existiu magia no mundo, okay?! O único dragão que conhecemos é o de Komodo.

No início do Iluminismo, a razão e a ciência tomaram o lugar da religião e da magia. Tanto que o termo "desencantamento do mundo" é usado para explicar a conjuntura de fenômenos que inauguraram aquilo que convencionou-se chamar de "modernidade". Mas esse termo tem outras interpretações, pois é um termo alemão e dizem que foi mal traduzido. Uma outra tradução é "desmagialização". Mas e ae?

Bom, um dos gêneros bastante representativos do período é o fantástico. Sua trama fundamental é o conflito entre a ciência e a magia. O indivíduo do conto fantástico tem certeza do que o que vê não pode ser real, pois é demasiado sobrenatural para ser explicado cientificamente, e no entanto ele vê. Instaura-se aí o desafio, pois sendo o sobrenatural impossível depois do cientifcismo, ele (o personagem) passa a duvidar dos seus próprios sentidos (algo também usado para criticar a ciência da época), mas nunca tem certeza do que aconteceu. Tanto é verdade, que o mais importante do fantástico é a dúvida e a magia nunca se realiza de fato, pois o conto fantástico é sempre uma história que alguém contou para o narrador, ou aconteceu com um amigo de um amigo e etc.

Depois dessa explicação, onde fica a magia no Game of Thrones? Os deuses estão renascendo, mesmo baseados na descrença dos fiéis. São novos deuses? Ou a magia existe independente deles? Isso quer dizer o quê? Vamos colocar a crença na frente da ciência? Quais são as implicações disso? Todas as respostas para mim me parecem ruins. Já basta o sistema de governo ser monárquico, uma espécie de pastiche da Távola Redonda. O autor não me convence nem de que está escrevendo uma ficção, nem de que está sendo autêntico. É claro que ele pode se inspirar no que existe, não tem outra forma de fazer, mas ele precisa apagar as marcas, ao meu ver, muito claras de onde ele bebeu. E a magia, essa não tem solução. Para mim vai ser sempre o Frankstein da obra.

Aí você, caro leitor, pode me dizer que é uma obra de ficção. Sim! Eu concordo. Mas veja bem, nunca é apenas ficção e as analogias preconceituosas que o autor faz com o mundo real são demasiado óbvias para me fazerem "descolar" do sofá e parar de pensar na relação atual entre o "retorno" da magia e o crescimento dos fundamentalismos religiosos.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Brasil, o país da argumentação 8 ou 80

Como amante da análise do discurso, muitas vezes me assusto vendo absurdos na retórica popular brasileira. Mesmo comentaristas "consagrados", ditos opinadores de respeito, angariam preciosos minutos no jornal das oito, e até mesmo páginas inteiras com suas fotos de perfil em revistas quinzenais, para achincalhar seus oponentes. Digo achincalhar pois na sua maioria, a opinião desses "baluartes" é pessoal e muitas vezes não versa nem acerca da personalidade ou das atitudes daquele a quem julgam e sim da aparência, classe social...

Mas não se engane. Essa estratégia pífia de argumentação é patrimônio nacional. Se sua vestimenta serve para credibilizar aquilo que diz o que dizer do seu sexo, sua cor, sua posição? O que se diz também não importa muito. Como se diz é bem mais importante. Os psicólogos e behavioristas podem tentar ponderar minha crítica dizendo que existem respostas instintivas a gestos e tons de voz. Eu como conhecedora de alguns pontos da linguística, sei que o tom é importante para insinuar o sarcasmo e a ironia. O problema está em que se tirando esses aspectos da equação, praticamente não podemos criticar nada nesse país.

Estamos numa meritocracia que no lugar de mostrar o mérito, nos concentramos em esconder os erros e defeitos, em conseguir desculpas, desviar os dedos inquisidores para outro. Quantas vezes eu escutei um "me desculpa" ou "mea culpa"? Acho que nunca. Se teve erro de digitação na prova "acontece", "é culpa do editor de texto que está configurado para outro idioma". Se alguém não deu o recado, nunca ouvirá um "eu esqueci", mas sim "você não deve ter recebido o e-mail" ou "o seu celular não está funcionando". Eu não sei se a corrupção é endêmica, mas as vezes eu acho que a mania de desculpar-se e mentir é quase esporte nacional. "Você quer sair amanhã? Hum, não vai dar, é aniversário da minha tia". Porque dizer "eu não estou afim" é ultrajante.

Talvez daí (ou de outro lugar) venha a falta de habilidade para se ponderar, discutir e solucionar. Na ânsia de mostrar o mérito, sem saber ao certo o que isso significa, toman-se decisões à la va vite, verticalmente e sem espaço para discussões.

Um bolsista qualquer foi viajar pela Europa e não terminou o doutorado? Vamos cobrar dele? Não. Vamos proibir TODOS de viajar enquanto estiverem fazendo seu doutorado, sanduíche (mais para misto quente). Os médicos não querem ir para o interior? Vamos investigar? Não. Vamos obrigá-los! (como se eles fossem os únicos que custam milhões aos cofres públicos e não dão o suposto retorno à sociedade). Será que os engenheiros assim que formados serão obrigados a construir pontes?

Outra coisa engraçada foi a discussão em torno da vinda dos médicos cubanos. Deixando de lado o fato deles serem ou não bons médicos, eu não vi muita ênfase nas ponderações acerca da atitude brasileira, sem pudores de privar Cuba de seus médicos e tentando aplicar neles aqui o mesmo regime que tem lá. Eles iam ficar como? Trancafiados para não verem "os prazeres do capitalismo"? Eles veriam sim. Os doentes pelo chão, a falta de equipamento, o descaso do poder público com o povo... E para falar a verdade, tentando deixar o xenofobismo de lado, eu preferiria muito mais um cubano do que um português ou um espanhol. Será que a gente não deveria descolonializar a medicina brasileira no lugar de recolonializá-la mais uma vez?

Na mesma linha das argumentações 8/80 estão algumas das críticas do povo "acordado" ao governo. A Dilma é poderosa sim, mas ela não é O GOVERNO! Nós temos instâncias municipais, estaduais e federais. Bom, e eu até acho bom ela não ser a única responsável pela instância federal. Além disso, no âmbito das leis (pois a gente adora uma lei, por mais absurda e sem chance de ser cumprida que ela seja), existe a Câmara e o Senado e está cheio de gente lá adotando um comportamento extremamente "instável" desde que os protestos começaram.  É muito provável que os problemas da sua cidade sejam culpa do governo estadual e municipal. Aqui em Brasília eu não vi muita reclamação sobre a Câmara Legislativa. Ela faz "tanta" coisa que a gente até se esquece dela... Jaqueline, sua família e seus amigos agradecem.

Só para dar um exemplo de argumentação 8/80: existe a esquerda e a direita no pensamento político, certo? Não. Existe a centro esquerda, centro direita, extrema de qualquer lado e ainda algo do qual a gente pouco fala: a terceira via (que é do que a gente pouco fala mas é sobre tudo que está acontecendo aqui no Brasil). Mas se você é de esquerda logo te taxam de... petista. Pomba, eu não sou mais petista desde o primeiro mandato do Lula. E desculpem-me os ainda petistas, mas, para mim, o PT não é mais um partido de esquerda.

Posso citar muitos outros exemplos dessa intransigência argumentativa, mas eu acho que essas já são suficientes para nos fazer pensar um pouquinho no que temos usado para sustentar nosso argumento e onde todos vamos chegar com essa discussão pouco frutífera.


sábado, 6 de julho de 2013

As manifestações, a esquerda, a direita, eu e a depressão

"Texto escrito no calor das manifestações e pode ser revisado em breve, mas precisava postá-lo"

Quando comecei a escrever esse texto, estava mesmo contente com o levante do povo brasileiro. Me surpreendeu ainda mais a quantidade de pessoas que preferiam manifestar do que assistir aos jogos da copa das confederações. Achava, no começo que a manifestação era legítima. Ainda acho, mas agora tenho algumas ressalvas.

Quanto à Copa, a audiência, aqui em Brasília, parece ter voltado ao normal. Olhando por esse ponto podemos nos indagar se os protestos não foram contra o monopólio da Rede Bobo nas transmissões e sua insistência em mostrar seu poder nos enfiando Gavião Nãobueno goela abaixo. Agora então fica a estranheza - assistir aos jogos na tv e depois ir para a manifestação. Isso parece combinar com a pitada de hipocrisia de todos os brasileiros à la "não sou preconceituoso, mas empregada deve comer na cozinha e andar pelo elevador de serviço".

Já para mim, a legitimidade da manifestação está na resposta àqueles que sempre disseram que o brasileiro é um povo pacífico e que no fundo quer dizer que somos acomodados. Para mim o nosso problema é um só: nossa indignação não é ouvida, nunca foi.

Eu era muito nova na época da ditadura, mas me lembro bem que na época as coisas estavam muito ruins. Comprávamos comida como guerrilheiros famintos, pois as maquininhas de preços não paravam. A nossa tão "comemorada" democracia se resumia a um presidente civil, escolhido pelos militares (que ainda por cima é imortal), e um mauricinho que dispensa comentários. Para mim, naquela época, o Brasil já era sim o lugar do "tudo acaba em pizza", mesmo depois do "fora Collor". Já tinha dentro de mim esse sentimento de derrotismo.

Agora, nesse momento tem aqueles que ressuscitam o movimento dos cara-pintadas, lembrando como "o povo" tirou um presidente do poder. Uaaaal!!! Mas minha pergunta é: quem estava mesmo a frente desse movimento dos cara pintadas??? Pense...

Desde que eu comecei a trabalhar, em 2004, há manifestações na Esplanada, mas, estranhamente, elas eram ignoradas, por mais transtornos que causassem ao trânsito. O que está acontecendo agora? Os olhos do mundo se voltam para o Brasil por causa da Copa e com isso alguém nos autoriza a falar?

Fato é que o estado de sítio da Fifa foi a gota d'água. Exigências absurdas, maquiagem nos hospitais para os estrangeiros enquanto nós, que nunca tivemos nada, que tivemos que batalhar por tudo, vemos o que o governo pode fazer quando é pressionado por alguém de fora, sem nos incluir na bonança, como sempre.

Rede Bobo mais uma vez cumprindo o seu papel de veículo imparcialíssimo na sua esquizofrenia sem pudores para ficar, a todo custo, por cima da carne seca. Ignorando seus primeiros posicionamentos sobre os protestos, ela agora se concentra em esvaziar qualquer sentido que haja nas manifestações, focando-se no mais fútil e inútil sobre o movimento - a violência. Violência sobretudo dos manifestantes, que antes eram todos acéfalos e agora, esses, são somente um grupo isolado, por maior que seja. Violência que não justifica o medo e a debandada dos políticos de seu próprio eleitorado. A apresentação de propostas da carochinha

Confuso? Nem tanto, deve ter um motivo pra isso. Sorte dela que ainda não vi nenhuma reivindicação para que o governo reveja a lei que regulamente as concessões de emissoras de televisão. Mas é claro que ela não precisa se preocupar. Quem são mesmo os donos das afiliadas da Bobo no Nordeste? Além de seguir o interesse de seus "acionistas", a rede Bobo, faz o que sempre fez, ignora por completo críticas, apaga todas as marcas que pode até convencer a todos de que elas não existem. Muda de assunto, desvia o foco... É assim, simples assim. Mas funciona.

E a esquerda? Por que não toma frente dos protestos? Ela está lá, minha gente. Não nos partidos, mas nas ideias. Você ser de esquerda não implica ser de um partido de esquerda. Agora, mesmo sendo de esquerda e apartidária, me preocupo um pouco com essa ênfase da Bobo no caráter apartidário das manifestações. Afinal, sendo dotada do toque de "Merdas", se a Bobo apóia deve ter algo de errado com isso.

No mais, o gigante, que nunca esteve dormindo, não pode voltar a apatia resultante da cooptação bobística. Acho que os protestos tem que continuar, mas precisamos repensar nosso classicismo.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

O estatuto do nascituro, a última a sair apague a luz?

Eu senti como se o chão tivesse sido tirado dos meus pés. Um queda sem fim se tornou a vida no Brasil para mim a partir de hoje. As atitudes das pessoas e do governo em procurar levar a sério tal estatuto estrapolou a fronteira da loucura. Não há mais aparências, não há como ponderar, podemos homologar em qualquer estereótipo sobre nós, o país das mulheres-frutas, sem vontade, sem cérebro, sem autonomia, sem direitos, só deveres.

Dever da mulher brasileira - se resignar. Cuidar de uma "família", mesmo sendo ela fruto da violência, mesmo sendo ela, um ódio ressentido que te faz todo dia querer esquecer aquele medo que todo dia tem que lembrar. A mulher brasileira que timidamente comemorava a Maria da Penha, mesmo sabendo que não é cumprida em muitos casos, olha embasbacada tal atrocidade. Dentre as muitas aberrações do tal estatuto, para mim está o fato simples dele existir. Temos um para crianças e adolescentes, uma Constituição para os cidadãOs, e para a mulher? Mais uma obrigação.

Podem falar o que quiserem, colunistas da *seja, pseudo-críticos e "intelectualóides", mais beócios do que qualquer habitante daquela região, não acho que sua vontade de aparecer à la Jabor sublime o fato de que estamos sim dando mais direitos aos estupradores do que tem as mulheres. Como? Como não estamos todas lá olhando nos olhos desses criminosos de gravata e perguntando o porque eles tem tanta raiva de nós. Ainda aquela história do pecado original? Do parir com dor? Não, eu não acredito. Deve ter algo mais.

O que fazer? Talvez eu deva mesmo reconhecer que o dever da mulher é amar e respeitar e ponto. Pensar não faz parte da equação, ter vontade também não. Porque não parar logo com a hipocrisia e substituir a Constituição pela Bíblia? E poderíamos ser mais francos talvez, e ficarmos apenas com o velho testamento pois "Amai-vos uns aos  outros como eu vos amei" pode dar dupla interpretação, colocar um pingo de esperança nos corações das mulheres.

Eu gostaria de saber porque? Qual o objetivo desse estatuto? Colocar todas as mulheres que abortarem na cadeia? Vai caber? Ou é para matá-las mesmo? Vamos continuar com nossa sociedade hipócrita e estratificada com um acréscimo gigantesco no número de viagens para países onde o aborto é permitido, para aquelas abastadas que podem, e o aumento do preço do citotec no mercado negro. Posso até acrescentar um estranho boom de vendas nas agulhas de tricô. Mas a morte é o destino da maior parte das mulheres brasileiras, se esse estatuto do nascituro for aprovado. E sabe o fim desse história? O amado William Bonner vai comentar por 3 segundos, com uma voz bastante séria, que o Brasil foi criticado pela ONU por tal estatuto e em seguida "Vamos aos gols da primeira rodada do brasileirão".

Eu cheguei a pensar que era burrice, mas agora eu acho que é maldade. Uma raiva mais do que edipiana que os homens a frente dessa loucura tem das mulheres. Aquelas que lhes negaram seus carinhos? Deveriam aproveitar e descriminalizar o estupro, faria par perfeito com tal estatuto. O que virá depois? A burca? Me avisem, pois quero estar bem longe quando isso acontecer.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Direitos humanos, direitos dos homens

Não, eu não vou entrar nessa discussão. Colocar o pastor ou as ovelhas não faria a menor diferença. Colocar um joão bobo também não. Os direitos humanos no Brasil são uma piada para o governo, ele apenas está deixando isso muito claro.

O povo também deixa claro que não sabe o que é política nem o fazer político ao votar em pessoas pela convicção religiosa e não pela capacidade intelectual, pela carreira. Mas deve ser meio difícil pensar nessa separação quando a profissão do tal pastor é... o que mesmo? Pregar a religião. De qualquer modo, política e religião não são a mesma coisa a muito tempo.

Acho que se o que ele queria era um emprego na Câmara, poderia tentar na capela. Tem capela lá? Nem sei, mas pelo visto quer pregar no púlpito. Mas eu não me importo com isso. Alguém já viu uma sessão lá? É um bordel, tenho certeza que ninguém que está lá presta atenção no que esse povo fala.

Só a gente, que está aqui bem indignado. Mas quem liga pra gente? Afinal somos povo também, e o governo só liga pra gente na época de eleição e de pagar a conta. Mas pagar pra quê mesmo?

Eu não quero falar sobre isso mesmo.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A educação lobotomizadora

Tenho circulado por ambientes de educação presencial e a distância. No primeiro, como alguns aqui sabem, tenho ouvido coisas do tipo "seu currículo é muito bom, sua formação é muito sólida, mas você não tem experiência". Esquecem entretanto que para ter essa formação super sólida, tive que abrir mão da experiência. As vezes fico na dúvida se deixasse a formação de lado e adquirisse experiência não iria começar a ouvir "Você tem muita experiência, mas tem se capacitado pouco..."

Mas enfim, nos ambientes de EAD o assunto é outro. Discutimos qual é a obrigação do tutor, do professor, da equipe. Sempre com um organograma de funções bem determinadas onde o tutor está na base da cadeia alimentar (estranhamente o aluno não aparece nos esquemas). Qual é a obrigação do tutor? Tudo, menos decidir o plano de aula, o material de estudo e o cronograma. Mesmo que os artigos que nos "incentivam" a ler sobre EAD falem que o tutor na verdade deveria ser o professor da disciplina, mencionem condições ideais, como o número de alunos por sala o que vemos na verdade é uma economia infinita que o governo vem conseguindo fazer. Imagine só, no lugar de contratar professores doutores para ministrarem disciplinas no Ensino Superior presencial ele contrata um presencial que é também responsabilizado pelo EAD, e consegue um monte de mestres e doutores para trabalharem como tutores. Não existe limite para quantidade de alunos que um tutor fica responsável e os supervisores

Mas como ele consegue isso? Ora, o pessoal não está conseguindo emprego, principalmente em Brasília, onde temos poucas opções, ou trabalhamos para o governo ou prestando serviço para o governo. E na EAD você pode contratar um profissional em Brasília que irá ministrar um curso para Bahia, por exemplo. Existem áreas que são mais complicadas para prestação de serviços. Então para complementar a renda, muitos pensam "vou ser tutor, afinal de contas, já passo a maior parte do meu tempo no facebook". Infelizmente o que ninguém nos fala é o quanto demanda de tempo na realidade. Sempre fazem parecer que é algo tranquilo "enquanto você olha seus e-mails responde os alunos", "é só você se organziar", falam. Mas no lugar de se depararem com uma simples monitoria à distância nos assemelhamos a professores de línguas que são obrigados seguir um método em sala de aula e muitas vezes não sabem a relação daquela atividade com o conteúdo. Os cursos são preparados em cima da hora, não temos como nos organizar, não sabemos como serão as atividades que teremos que corrigir, mudam-se os critérios no meio do caminho e vamos nós refazer tudo que havíamos feito... Por fim, acabamos conduzindo a disciplina, isso implica, além de se dedicar ao estudo da disciplina, se responsabilizar também pelo aprendizado dos alunos. Mas diferente do professor, que mesmo mal pago é reconhecido, não levamos os louros pelas conquistas deles, só via mensageiro ou quando os supervisores querem acalmar nossos ânimos irritados com os pagamentos atrasados. Eu me pergunto se uma "bolsa" ou o que quer que chamem o "incentivo" que recebemos é suficiente. Eu acho que não, mas não estou em condições de recusar. E vocês?

Infelizmente não temos a chance de trazer esse debate para dentro dos ambientes. Aí que vem a lobotomia. Antes mesmo de discutirmos essa estrutura injusta e impositiva que está se formando junto com a expansão da EAD brasileira, sempre tem alguém (superior) que, lendo nossos pensamentos, falam o quanto nossa atividade é nobre, discutem que espécie de pessoa só trabalha por dinheiro, dizem que já que dispensamos em média oito horas do nosso dia no trabalho devemos fazer algo que gostamos e blá blá blá - lavagem cerebral. Eu sei, já passei por isso. Voltamos para casa tão felizes pensando o quão nobres e dignos somos, mas esquecemos de notar que esse não é o tipo de campo, daqueles que menciona Bourdieu, onde o fato de desprezarmos o dinheiro faça parte das boas maneiras. Isso é um campo profissional e eu posso dizer que sim, quanto mais se valorizem um profissional ou uma categoria de profissionais mais eles ganham.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Meu memorial ideal


Quem me dera o CV pudesse ser um memorial informal-ideal.

Teria tempo de me explicar, me justificar e de responder aquele bando de "mas porque que você não faz..." que sempre ouço ao contar minha trajetória.

Acho que no fundo vida é um grande memorial, nada curricular muito longe de estar presa hermeticamente numa grade, distribuída em vagas experiências profissionais.

Se eu pudesse escolher transformar o meu CV em memorial, ele seria mais ou menos assim:

Minha primeira lembrança, remonta aos meus quatro anos de idade. Eu brincava debaixo do meu bloco com uma boneca da Mônica vestida de roqueira. Ela tinha até uma guitarra. Eu adorei a boneca, mas pouco tempo depois, fiquei com inveja da Mônica. Ela era baixinha, gordinha e dentuça como eu, mas eu não tinha super força. Me resolvi por um tempo com minha lancheira da tappewere, batendo nos meninos que me xingavam. Mas logo logo eles ficaram muito maiores do que eu e eu apelei para o meu irmão. Não sei se meu irmão mais velho gostava de me defender ou de bater nos meninos menores com uma boa desculpa. Rapidamente ninguém mais mexeu comigo, nem o Renato. O menino mais chato do primeiro grau e também o mais bonito. E eu, entendendo os mais fracos como eu, não implicava com eles. Instaurou-se a paz no primeiro grau.

Até a sexta série (era esse o nome na minha época) eu era uma excelente aluna. Ganhava diplomas de desempenho e só tirava nove ou dez. Isso me rendia até presentes extras no Natal. Uma vez ganhei um estojo de maquiagem da Claude Bergère para crianças. Não usava maquiagem, mas gostava dos estojos. Minha única mancha curricular foi um trabalho que não dei conta de fazer sozinha e, como sabia que ganharia sete, não entreguei. Pedi para a professora estender o meu prazo e ela disse que não. Ganhei zero no trabalho e chorei copiosamente ao telefone tentando explicar para minha mãe o porque da nota.

Até onde me lembre, nunca ganhei um livro de presente na infância. Talvez por isso passasse meus recreios na Biblioteca da escola. Eu adorava ler as fábulas do La Fontaine. Não tanto pelas histórias, e mais pelos desenhos. Era uma coleção muito bonita de capa dura e as fábulas ficavam numa estante acessível. Eu nunca gostei de pedir ajuda para pegar livros no alto. Sei que hoje elas me parecem um pouco forçadas. Uma moral adulta para crianças, mas elas me ajudaram muito a manter a coerência num mar de ordens contrárias. "Por que o Betinho pode e eu não posso? Porque o Betinho é menino. Mas o que isso tem a ver? Ser mais forte e mijar em pé não vai ele melhor no video-game." :/

Não entendi. Nunca entendi a desigualdade entre os sexos e quando entendi, não concordei. Não faz o menor sentido. Como também não fazia o racismo.

Eu estava sentada dentro do carrinho de compras. Acho que tinha seis anos. O Betinho me empurrava. Estávamos brincando de corrida no supermercado.  De repente tivemos que parar e uma menina me olhou e me deu língua. Eu não entendi. O Betinho viu e e ficou indignado. A menina me deu língua de novo e me chamou de burra. Eu continuei passada. A menina nem me conhecia e já sabia que eu era burra. O Betinho, que devia ter uns sete anos e meio chamou ela de burra e... pretinha. Empurrou o carrinho e fomos embora. Eu continuava de boca aberta. "Betinho, porque você chamou aquela menina de pretinha?" "E eu lá ia deixar ela te dar língua? Aquela pretinha..." 

Eu nunca descobri o porque daquela menina ter me dado língua, mas entendi pouco tempo depois porque meu irmão chamou ela de "pretinha".

(continua...)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Eu nunca ..., mas...

Antes de começar, já preciso me retratar. Fiz isso inúmeras vezes. Agora vejo o quanto essa postura é perigosa. Estou falando do pseudo-sabido, vulgo desentendido, que diz "eu nunca vi esse filme, mas acho um monte de coisas a respeito dele".

Se você não viu, não leu, não comeu e ainda está pensando se vale a pena ou não, faça perguntas, não tire conclusões. Se você não conhece ou conhece muito pouco, expor seu preconceito tão precipitadamente pode transformar um conceito em um estereótipo.

O que eu ainda faço e estou tentando parar de fazer e tentar fazer alguma coisa, não conseguir e reclamar da coisa. Por exemplo, eu tentei ler Macunaíma umas trocentas vezes. Ele sempre me faz dormir. Mas eu acredito que devam ter coisas interessantes dentro do livro. Antes, eu falava mal dele. Parecia óbvio, afinal, se eu não consegui ler, é porque achava chato. Mas as vezes temos que tentar um pouco mais.

Exemplo. Quando li Lavoura Arcaica pela primeira vez, quase entrou para rol dos romances chato-macunaimescos da minha biblioteca mental. Mas depois de um tempo, me acostumei com o ritmo do livro e descobri coisas que muitos, mesmo do ramo, não percebem. Eu não posso dizer nem que gosto nem que desgosto, só posso dizer que é sensacional (pois fantástico poderia causar confusão).

Outro exemplo, também literário - Vidas Secas. Romance seco, duro, assim como a vida do sertanejo. Lido com uma dificuldade imensa no segundo grau, com o peso e o desânimo da obrigação. Relido na faculdade "estranhado e entranhado" de vez na caixinha dos meus livros favoritos. Não chore pela Baleia, chore por você que foi capaz de sentir mais afinidade por ela do que pelo Fabiano. Graciliano, mandou bem! hehehe

Outro exemplo, ativista. Sempre reclamei de ativismos, hoje sou feminista assumida, estudiosa do assunto e reclamosa dos que falam mal.

Então, minha gente, vamos pensar um pouco depois de completar o mas... com um "eu acho". E quem sabe mudar para um "o que você acha disso que falam?"Mesmo que seja no sentido "socratiano" (era ele que fazia isso?) da pergunta.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Escrever é preciso

No verão-inferno de Brasília, sinto um peso no meu corpo.
O dia começa e eu continuo, o dia acaba e eu começo.
O avesso do todo.
Tenho medo de mim, vergonha de ser sendo.
Descolada de cola seca da realidade nada úmida dessa cidade.

Vou procurando na natureza inanimada cheia de vida
que os carros não vivem,
que o brasiliense não vive, sobre-vive
procuro companhia para minha solidão,
cheia de vida.

Encontro,
na natureza morta das reflexões
o eco sem eco, oco das concordâncias de grilhões
que escrever é preciso,
compreender é vazio.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Incerteza

"Não se deve escrever no calor do momento", um poeta uma vez me falou. Mas o momento se foi a muito tempo e seu calor ainda não passou. E mesmo assim eu preciso escrever. O problema é que eu mal sei por onde começar.

Quando defendi meu mestrado estava arrumando as malas para mudar de país. Não tinha grandes expectativas, pois não tinha nenhum papel que me dissesse o quão bom meu inglês era. Acreditei por muito tempo que não sabia falar a língua. O tempo foi passando e um dia eu ouvi de alguém que nada tinha a ver com meu círculo de amizade "your english is no problem at all". Fiquei feliz e triste ao mesmo tempo.

Passei nove meses me boicotando porque me achava incapaz de procurar emprego por causa do meu inglês. Infelizmente o inglês não era suficiente, precisava falar a língua do país. Sueco não é nada fácil, mas tinha a impressão de que exageravam os problemas. No fim, não pude fazer a prova nacional, não ganhei o papel. Achei que não falava a língua. Mais uma vez me enganei. Mas era tarde para (re)começar. Estava voltando.

Aqui no Brasil tentei fazer o que tinha vontade, me empenhei, estudei e não consegui. Dizem que precisamos tentar mais de uma vez, ser persistente. Mas se nos exigem persistência, quando saber a hora de desistir?

Agora eu tenho papéis, muitos papéis. Que dizem minhas habilidades, qualificações, eu sinto que sei, que sou capaz, mas não vejo nenhum retorno. O que estou fazendo de errado? Porque ninguém diz?