quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Não se iluda, se você morar fora não será elite

Vendo a polêmica causada por aquele americano que detestou morar por aqui e um dado de uma pesquisa que diz que a maior parte da elite brasileira quer morar fora, eu resolvi escrever esse post, afinal, morei um ano fora do país e talvez possa dar um toque para aqueles que pretende sair, não se decepcionarem.

Eu acho que tudo depende para onde vai. Não posso dizer muito, mas para mim parece que os EUA são o Brasil com gadgets. O modo de pensar, o consumismo, a disputa e o classissismo que parecem existir nos dois. Afinal, o modo de vida americano parece muito com o brasileiro. As pessoas vão passear no shopping, todo mundo tem carro… essas coisas.

Eu vivi na Escandinávia, na Suécia, mais precisamente. O pior e o melhor lugar, na minha opinião para ter um gostinho do é o 1º mundo. Me desculpem os outros, mas depois dela a França, Inglaterra e outros me pareceram uma bagunça. Mas aí reside o problema, o lugar é tão organizado que sua vida não apresenta muitas surpresas. Inclusive você não pode deixar para programar o seu final de semana na semana que ele irá ocorrer, pois seus amigos já terão compromisso. Deixar para comprar bebida quando quiser beber também não. Só os ricos tem grana para beber no bar e a loja do governo, o único outro lugar autorizado a vender bebidas com mais de 4% de teor alcóolico tem horários bem restritos de funcionamento.

Outra coisa que é bom lembrar: você não poderá tratar os prestadores de serviço (garçons, motoristas de ônibus, vendedores, pedreiros e etc) como lixo, que nem trata no Brasil. É possível que a pessoa que esteja te atendendo fale pelo menos 3 línguas e tenha um mestrado. Eles também não irão tratar você como o Xá. É bem possível que, mesmo no restaurante, tenha que se servir de água e pegar os seus próprios talheres. Está mesmo preparado para isso? Pode ser um choque.

Muito provavelmente, se trocar o Brasil por um país mais desenvolvido, terá que andar de transporte público. Outro choque para o filhinho da mamãe que nunca pegou sol na moleira. Por melhor que seja, transporte público é transporte público. Isso significa que dificilmente irá sentar no horário de pico. Vai ter que exercitar as pernocas, pois em qualquer outro lugar do mundo, uma distância de 10min até a parada ou a estação não é nada. Mas eu desconfio que ser como todo mundo no exterior pode, só aqui é que não, afinal, no Brasil pobre não entra nem no shopping.

Ah, essa é muito importante: você provavelmente não terá nem empregada nem faxineira. Isso pode ser um tremendo susto para alguns. Terá que limpar a sua própria sujeira. Mas sempre pode viver como uma barata. A menos que você more numa república (o que é muito comum em vários países), nesse caso, talvez tenha que manter o decoro. Mas não se preocupe, os eletrodomésticos lá fora realmente funcionam. Os aspiradores de pó são uma maravilha e a máquina de lavar louça não é artigo de luxo.

Você não poderá quebrar a lei e colocar a culpa no governo. Se estacionar seu carro (ou bicicleta) em lugar indevido não ganhará o perdão do guarda só porque não tem onde estacionar perto de onde você vai. Na melhor das hipóteses, ele te dará uma advertência e ainda te mostrará o quão folgado está sendo, dizendo que poderia muito bem parar mais longe e ir à pé.

Esse é especial para as meninas: você provavelmente não fará a unha no salão toda semana. Provavelmente nem fará a unha no salão. Isso porque fazer a unha custa uns 20 euros. Eu, além de fazer a unha em casa, cortava o meu próprio cabelo, pois via os cortes da moda e ficava com medo de sair do salão com um mullet moderno.

Ah, outro toque para aqueles que se orgulham da tez branca: não, não é tão branca para eles. Provavelmente você ainda terá cara de gringo. Se não tiver cara, vai ter sotaque. E muito provavelmente vai entrar em contato com os estereótipos do brasileiro cedo ou tarde. Mesmo que seja depois de um ou 5 pints de cerveja. "Samba aí, brasileira", "Toma a bola, Pelé", "Você mora numa árvore?", "Conhece a Amazônia, ama o carnaval?"… Aí nessa hora você encontra o seu orgulho, que estava há muito tempo escondido e volta a ser brasileiro. Uma pena que precise disso. O seu sobrenome gringo e o seu passaporte não escondem de onde você vem. Sinto muito.

Por que eu voltei? Bom, não gosto da sensação de ser "estrangeiro" na minha casa. Tudo bem que pelo meu modo de pensar muitas vezes me sinta estrangeira no meu próprio país. Mas ainda tenho essa boba sensação de que posso fazer algo pelo Brasil, mas lá fora eu seria apenas mais uma girando junto com a roda, fazendo parte do esquema já montado, organizado. Aqui ainda há o que fazer. Para quem ainda não entende, cito meu pai:

"Você prefere ser o rei dos cachorros ou o cachorro do rei?"