sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Aos pais ou responsáveis

Não, eu não tenho filhos, antes que usem esse único ponto da minha argumentação contra todo o conteúdo dela. Tenho sim noção da limitação do que vou falar aqui no que tange a parentalidade. Mas meu argumento é válido quanto educadora experiente, professora, mestre em literatura e apaixonada pelo conhecimento.

Recentemente tomei uma das poucas decisões na minha vida que considero praticamente sem volta. Não dar mais aula para o ensino tradicional, especificamente em escolas particulares. Muito se fala sobre a mercadorização do ensino, mas ler sobre o assunto é muito diferente de ver o fenômeno acontecer na prática.

Dentre os problemas da carreira de professor, muitos são popularmente conhecidos, como o cansaço que sentimos ao ficar horas em pé; o trabalho extra que levamos para casa, correção de provas, elaboração de atividades etc. Somam-se a esses alguns outros que muitos desconhecem, como o desgaste físico de ter turmas indisciplinadas, a esse também podemos acrescentar a falta de educação dos alunos. A falta de respeito é gritante, tanto das instituições como dos alunos.

Não adianta a propaganda da escola, a maioria delas funciona como "agente maximizador de lucros". Isso implica dizer que vão colocar o máximo de alunos por sala, sem se preocupar com a qualidade do ensino que seus estudantes irá ter. Um exemplo da ineficácia desse sistema é a necessidade de que se tenham aulas de línguas em outras escolas (muitos pais pagam por fora), porque no ensino de línguas estrangeiras, sabemos que é muito difícil, numa turma com mais de 25 alunos, ter um aprendizado eficiente em todas as competências (a fala, a escrita e a compreensão oral e escrita). Gente, faça as contas de o quanto você paga por mês, o quanto de alunos existem em cada turma e o quanto a escola deve gastar com o salário dos professores. É um absurdo, uma máquina de ganhar dinheiro. E ainda cobram a mais por tudo.

Você pode até defender tais instituições dizendo que essas competências não são todas trabalhadas na escola. Será? Por que falamos tanto hoje em "analfabetismo" funcional? Que chance o professor, com o salário que ganha, dando pelo menos 30 horas semanais, com um descanso remunerado ridículo, se dedicar a cada aluno com a devida atenção se tem em média 40 alunos por sala? Se você acha possível, tente. E por incrível que pareça, tem gente que culpa os professores "como vocês, que ensinam, não conseguem ensinar a sociedade a respeitá-los?", ou ainda "é culpa dessa ganância, professor além de super qualificado ainda quer ser bem remunerado?".

Um absurdo mesmo, né. Se nem os fundamentos básicos é possível trabalhar nesse contexto, quem dirá do "senso crítico" que aparece na maioria dos planos políticos pedagógicos de cada escola? Aliás, uma piada. Você quer saber mesmo o que a escola faz com o seu filho? Elas vão pelo caminho mais fácil, pois pela lógica da maximização do lucro, mais aprovação, mais alunos, mais alunos, mais dinheiro. Mas você realmente já somou as porcentagens dos melhores colégios da cidade? Deve dar mais de 200% de aprovação. Eu não fiz a conta detalhadamente, mas se você somar todos os alunos de cada escola, a porcentagem de alunos que eles alegam ter aprovado na UnB, por exemplo, e subtrair pela quantidade de vagas que a UnB abre todos os anos do vestibular, tá sobrando aluno na UnB que não está lá de verdade. Muitas vezes essa pessoa é contada duas vezes, uma no colégio e a outra no cursinho. Qual deles será que deve realmente levar o crédito? E o que eles querem fazer mesmo com o seu filho é socar o conteúdo. Se não aprendeu o problema é dele e no mais, tem plantão.

Mas a questão talvez nem deva ser essa. Muitos dizem que a maioria dos vestibulares vão ser reformulados. O norte dessa mudança parece ser o ENEM, exame que visa estimular muito mais as habilidades dos alunos do que a simples decoreba a qual estamos acostumados. Mas mesmo assim as escolas não entendem o recado. Dão palestras e mais palestras tentando descobrir como "decodificar"e exame e ensinar a "manhã" aos estudantes. Gente, não é conhecimento, é informação vazia de significado. O aprendiz dificilmente saberá tornar o que aprende na escola de maneira plástica. Vai ocupar sua memória com sujeito e predicado, mas não saberá como manipulá-los para escrever períodos coerentes. Eu passei por isso. Alunos que não sabem a diferença entre a conjunção "e" e o verbo ser ("é"). Eles tanto não sabiam como falavam errado e pelos textos ficava claro que não compreendiam nem para que servia cada coisa. Me disseram uma vez que a professora explicou literalmente "um é verbo e outro é uma conjunção". Mas e ae, no que isso me ajuda a escrever? Não me recordo de nenhum gramático poeta, escritor, prêmio Nobel de literatura… Mas o conteúdo está lá, dividido por aulas, horas, atividades, exercícios, provas. E no fim tenho que prestar conta aos diretores, pais, coordenadores, chefes de área, mas a minha consciência sempre se sentia mal, por mais que eu vencesse "a minha meta". Me sentia como me senti quando fui vendedora de loja, não interessava o cliente que não fosse comprar o produto.

Me frustrava muito não conseguir por em prática quase nada do que aprendi na universidade. A coisa que mais me irritava era colocar um bilhetinho na prova "professor, corrija essa prova com muita atenção porque esse aluno é laudado". Como se a responsabilidade fosse minha. Não se fazia provas específicas para eles, nem ao menos de cores diferentes. Como eles poderiam se dar bem se a maioria das provas era de marcar a resposta certa? "Laudado" com o quê? Como se dislexia, déficit de atenção e hiperatividade fossem a mesma coisa. E o que me dava mais raiva era colocar pelo menos cinco desses meninos numa sala superlotada sem ao menos nos preparar para isso. Só recebíamos o bilhetinho ordinário grampeado junto a prova que o pobre coitado do menino tinha que fazer numa sala onde confinam todos os "LAUDADOS" juntos, uma zona total e completa, sem alguém que lesse a prova para esse menino achando que o bilhetinho vai resolver o problema dele.

Ah, mas a escola usa tablets, quadros interativos e ainda tem uma empresa de jogos educativos aplicando sua metodologia "super" inovadora em sala de aula. Não sei nem por onde começar a crítica desse tópico. Vão soar super moderninhas, mas bloqueiam a internet dos professores e dos alunos. Passar vídeo do youtube, só se der um jeito de copiar. Internet em sala de aula, se dermos sorte de conseguir conectar, é só o e-mail e olhe lá. Recursos como a wikipédia, o facebook, o blogger (não podia montar um blog com os meus alunos!!!)

Desculpem o desabafo, mas precisava compartilhar isso. Se no fundo só querem um lugar para vigiar seus filhos enquanto trabalham, coloquem em qualquer escola, mas se querem que ele aprende, que seja criativo, tenho sérias dúvidas do que fazer com essa criança, mas já digo que vai ser muito difícil ele ser criativo ou inventivo no ensino tradicional. Ele vai ser alguém apesar da escola e não com a ajuda dela.

Segue um vídeo sobre criatividade e escola para aqueles que se interessam pelo tema:

http://youtu.be/iG9CE55wbtY