quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Tirando os escritos da gaveta, ou do HD

Como estou beem sem tempo de postar e morrendo de vontade de fazê-lo resolvi publicar um conto meu. (que medo!) Mas um amigo me disse certa vez para não ser uma escritora de gaveta, ou de HD. Honestamente, tenho coisas melhores, mas inacabadas.
Esse é um dos muitos que tenho escrito sobre minha cidade, Brasília. Antes que me descasquem gostaria de lembrá-los que sou uma amadora. Espero apenas distraí-los. Alguns erros de concordância e ortografia são propositais, no futuro serão estilo. Outros, desatenção.

Um conto, encontro

Ela chegou elegantemente cinco minutos atrasada. Eu já havia chegado. Tinha no rosto uma expressão difusa que variava entre a indecisão de chegar tarde e parecer indiferente ou chegar cedo e denunciar a ansiedade. Sorria um pouco nervosamente. Eu, por outro lado não me lembrei bem se falei algo, pois sua figura me atraiu mais do que pude esperar. Fui surpreendido por uma mulher de calça jeans, sapatos baixos e camisa branca como alguém que diz “esta sou eu, decifra-me ou devoro-te”. Talvez eu deva ter balbuciado algumas palavras ou frases naquele ambiente intimidador. Era a primeira vez que marcava um encontro real numa exposição de arte. De fotos. Sei lá. Não entendia nada de arte, mas ela parecia bem à vontade. Tão à vontade que era quase um crime desviá-la da contemplação. Agora me lembro. Foi essa atitude dela que me fez passar quase uma hora apenas a contemplando. De fato ela me parecia bem mais atraente que fotos de “chão” cinza e sujo. Devia ser São Paulo. Brasília é muito bonita para alguém se recusar a olhar pra frente, pra cima. Taí outra coisa que pra mim não era Brasília: um encontro numa exposição de fotos. Como não entendia bem o porque das fotos, continuei tentando decifrar minha companhia. Era realmente peculiar. Não me parecia em nada com a maioria das mulheres daqui. Tinha cabelos enrolados e curtos, talvez. De um castanho variável. Eles estavam presos de uma forma que não revelava o tamanho real dos cabelos, mas dava um ar leveza ao seu rosto. Olhos brilhantes e penetrantes. Ela não olhava pra minha boca quando falava com ela. Seu olhar era direto. Mas isso eu descobri no final do encontro, porque até então eu me dividi na complicada tarefa de observá-la sem que percebesse e estar atento para olhar para uma foto sempre que ela olhasse pro meu lado. O que me deixou mais intrigado foi o fato dela não ser feia. Um encontro assim, às cegas, marcado numa exposição de fotos me parecia mais algo de uma matrona metida a intelectual. Eu estava acostumado a marcar encontros pela internet, mas esse foi, com certeza, o mais original. Continuei olhando a composição do quadro. Era mesmo uma obra de arte. Depois de olhar atentamente percebi o objetivo da roupa: esconder os atributos. Não era como se usasse um moletom para disfarçar a barriga ela tinha busto, mas não usava decote e a combinação da camisa social com a calça jeans disfarçava a cintura e as formas perfeitamente onduladas das coxas e da “brasilidade”. A única coisa chamativa nela era o grande anel em forma de rosa vermelha na mão. Talvez ele fosse o ponto de equilíbrio da obra. O de fuga, pelo menos da minha, eram os olhos. Me davam vontade de fugir e ficar ao mesmo tempo, “decifra-me ou devoro-te”. Ela então começou a comentar as fotos. Não sei bem quanto tempo se passou. Nesses lugares o tempo passa mais devagar, no silêncio e na calma. Fazia comentários engraçados e interessantes ao mesmo tempo. Fez até uma piadinha ao ver uma tampa de bic encostada num meio-fio dizendo “Será que é aí que todas vão parar?”. Começamos aos poucos a jogar conversa fora e decidimos ir tomar um café. Graças a deus aquele lugar tinha um café! Mas os preços eram esplêndidos, tal o tamanho da palavra. Mas eu só precisava ir tomando um café depois do outro. E foi exatamente o que eu fiz. Depois do quarto expresso e já com uma asia que estava quase para a denunciar eu decidi convidá-la para irmos a outro lugar. Perguntei então se ela estava com fome. Caso a resposta fosse sim, a convidaria para um lugar aconchegante (e mais barato) onde tivéssemos mais opções de comida e que sabe até um vinho. Estranhamente a resposta dela foi “não muito”. O quê eu faria agora? “Não muito” é sim ou não? Tinha que tomar alguma atitude, mais um café e eu estaria eliminado, vencido, direto pro banheiro. Que resposta enigmática era essa? “Não muito”? Não podia esperar mais, tinha que agir antes da cafeína. Mas onde? Um bar? A mulher me chama para uma exposição de fotos e eu a levo num boteco? Mas era o melhor que o meu gene brasiliensis podia pensar. Estava me apressando para dizer isso quando ela fez menção de falar. Parecia que ia dar sua sugestão. Eu já me sentia aliviado quando ela tirou a carteira da bolsa e deixou a sua parte na conta se desculpando por ter que ir embora. Eu estava tão surpreso quanto da primeira vez que nos vimos naquele dia. Foi quando percebi que por baixo da flor do seu anel havia uma aliança dourada. Não me contive e segurei-lhe delicadamente o pulso esquerdo fazendo-a perceber com o meu olhar que havia visto a aliança. Ela disse, um pouco constrangida, que não queria flertar nem brincar comigo. Queria apenas conhecer gente nova, que não a julgasse por ser casada. Acho que a minha cara devia estar mais confusa do que antes porque ela continuou se explicando. Eu ainda não tinha me dado conta do que estava acontecendo até que se desculpou pela última vez e disse então frase do enigma: “- … !”. Devorou-me e eu nunca mais a vi. Não devia mesmo ser de Brasília.