sexta-feira, 7 de maio de 2010

O direito ou o dever de ser mãe?

Já que o povo tá numa de discutir cidadania, eu resolvi debater um tema polêmico no meu bloguim. Por favor, pessoas, comentem. Isso pode ajudar bastante na minha pesquisa. Recentemente eu li uma reportagem atrasada na Veja falando sobre o aborto. Nela apareciam dois médicos que diziam sobre como procediam com suas pacientes caso elas quisessem fazer o procedimento e além disso possuia algumas entrevistas.

Dos dois médicos um se dizia a favor e o outro dizia-se contra, mas prestava auxílio às suas pacientes mesmo assim. O que era a favor não praticava o aborto, mas dizia a sua paciente o melhor período ou técnica para realizar o procedimento. Quando perguntados a respeito do que os levavam a essa atitude, ambos responderam ser impossível evitar que a paciente tomasse uma decisão contra o aborto caso elas estivessem realmente decididas, mas também não queriam se sentir responsáveis pela morte da paciente. Bom, a Veja conseguiu colocar os números alarmantes achando que era uma falta de informação eu percebi uma tendência anti-abortiva na notícia. Porque? A maioria das mulheres que fizeram o aborto e foram entrevistadas responderam que não foi uma decisão fácil e apenas uma disse que não se arrependeu.

Como não seria uma decisão difícil essa é a minha pergunta. Onde e quando ouvimos um discurso pregando que as mulheres não devam ter filhos? Ser mulher é ser mãe. A mulher que não é mãe e vista como uma pessoa seca, estranha e egoísta pela maioria das pessoas. E digo mais, depois que a mulher vira mãe ela deixa de ser o que era antes para se tornar a "mãe do fulaninho". É uma perda da individualidade para uma nova condição onde o filho é indivíduo que tem importância. Tanto é assim que a lei anti-aborto visa defender o feto como se ele, independentemente da fase da gestação, não fosse só um indivíduo, e sim um cidadão com direitos civis. Nessa disputa a mulher é o cidadão de segunda classe.

Eu posso estar parecendo bem rude, mas esse é um tema onde as pessoas tem muita dificuldade em enxergar outro ponto de vista. Os discursos sociais que envolvem a maternidade buscam uma naturalização de um desejo e um amor que não é "natural" nesse modo. A mulher que não baba por seu filho e não seria capaz de morrer por ele se colocando em primeiro plano é um monstro. Mas é estranho ao mesmo tempo. A medicina e a tecnologia de alimentos estão tão desenvolvidas que esse comportamento não é mais essencial para a sobrevivência das crianças. Porque as amarras ainda são tão apertadas?

Outra coisa interessante a se pensar é o porque a mulher decide ter um filho (e nisso, mães, talvez possam me ajudar). Eu não sou muito fã de colocar o lado biológico em discussão pois essa não é a minha área. Eu acho mais provável a mulher ter vontade de copular no período fértil do que ter vontade de ter um filho. Mas enfim, quem não sofreu nenhuma pressãozinha por parte de outras pessoas para adquirir o status de mãe? Afinal, é estranho, pega mal, depois de uma certa idade, nada. É bom pensar, afinal, depois dos quarenta é sempre arriscado, e você não vai ter pique para se matar de trabalhar e cuidar do filho ao mesmo tempo. Além do mais, vovó quer netinhos, irmãos querem sobrinhos, sobrinhos querem primos... Até que ponto essa vontade de ser mãe é algo legítimo da mulher?

Nós somos adestrada para uma penca de coisas que conseguimos detectar, mas porque a maternidade é tão difícil de entrar nesse hall? Quase a maioria das mulheres da reportagem afirmou ter se arrependido de ter feito o aborto. Porque será? Será que tem alguma relação do discurso social pregar que uma mulher que aborta é uma assassina fria e sem coração? Será que não tem nenhuma voz dizendo "arrependa-se e serás menos monstra". Esse arrependimento é um discurso. Quando se criou a idéia do amor maternal, no séc XIX (ou XVIII) com Rousseau, apenas às mulheres das classes mais altas era permitido (ou dado o luxo) de sentir amor maternal. As trabalhadoras tinham uma jornada tão puxada que mal conseguiam amamentar seus bebês. Eram tão doentes que a mortalidade infantil era altíssima. Também eram pouco afetadas pelo discurso da família, pois em grande parte eram mães solteiras. As operárias e empregadas domésticas praticavam com frequência o aborto ou o infanticídio por falta de condições tanto de sustentar financeiramente os filhos como socialmente o status e o peso que carregavam. Mas não era interessante para a indústria da época ter pouca mão de obra e por isso continuou-se pregando que as mulheres deveriam ter filhos. E já que a quantidade foi se reduzindo ao longo dos anos, melhor era cuidar da mulher grávida para que o filho nascesse com saúde e conseguisse chegar na idade para produzir. Qualidade passou a ser melhor do que quantidade.

Será que não existe amor materno? Muitas vão dizer que é preciso ter um filho para saber. Existem mulheres que nunca poderão ter um filho. Esse discurso é uma injustiça com elas assim como o dia das mães para um órfão. Essa obrigação gera uma demanda louca por técnicas de reprodução. A mulher deve fazer tudo o que puder para alcançar a plenitude da sua condição (e depois da maternidade é a decadência). O amor materno é um discurso - ama-se um ser que não existe a não ser no imaginário. A mulher deve gostar de crianças antes mesmo de ser mãe e se não gosta, quando for passará a gostar. Por isso o arrependimento ao fazer o aborto, pois as mulheres são levadas a amar o bebê mesmo abominando a simples idéia de estar grávida. Eu acredito sim que a mãe pode amar o seu filho, mas é algo a posteriori e não a priori. Eu também posso estar errada, mas porque então ainda existe uma taxa tão alarmante de abortos praticados em todas as classes sociais? Não seria mais fácil tornar o aborto menos traumático para as mulheres que não desejam ter filhos visto que é uma cirurgia relativamente simples?

Concordem, discordem, acrescentem... Adoraria que comentassem (quem conseguiu chegar até aqui).