sábado, 22 de maio de 2010

A face da droga

Esse é um tema particularmente difícil pra mim, mas como sempre retorna, resolvi compartilhar aqui. Outro motivo é que sempre assisto os jornais da TV aberta, até mesmo os 'pinga-sangue' e neles sempre vejo muitos casos de viciados em crack. É meio estranho, pois moro perto da "crackolândia" de Brasília e nunca tinha visto ninguém se drogando na rua. Vi as fotos uma vez no jornal e fiquei abismada. E sempre tenho essa mesma reação de quem teve o tapete puxado debaixo dos pés e caiu com tudo na realidade nua e crua.

Essa é uma reação que venho tendo desde os 12 anos quando descobri a verdadeira causa dos comportamentos estranhos do meu pai e dos cheiros estranhos que saiam do quarto dele, onde a gente não podia chegar perto. Com o passar dos anos a gente vai deixando pra lá ou tentando. Mas ontem eu esbarrei com algo na esquina que me fêz relembrar todas aquelas sensações ruins da minha infância num só olhar.

Estava caminhando, como tento fazer pelo menos 3 vezes por semana, quando ao passar perto de uma igreja algo me chamou a atenção. Não sei se foi um estímulo visual ou sensorial, pois estava ouvindo música no talo. Mas me detive para olhar um canto escuro entre a cerca viva da igreja e a calçada. Estava escuro, pois era noite e naquele cantinho a luz do poste não alcançava. Quando me dei conta de que havia uma pessoa agachada naquele breu. Como estava perto consegui ver os detalhes da pessoa, mas as informações eram processadas muito lentamente pelo meu cérebro, pelo menos pro meu gosto. A primeira coisa que reparei é que essa pessoa (não deu para identificar o sexo) estava segurando um pano sujo de sangue. A primeira coisa que pensei é que estivesse passando mal e quase me inclinei para ajudá-la. Foi nesse momento que o resto do quadro foi processado pelo meu cérebro.

A pessoa usava um capuz e estava agachada no escuro - se escondendo, obviamente. Dava para ver a rua e os carros passando. Quando percebi o rosto da pessoa e olhei na direção dela tudo ficou mais claro ainda. Aquele sorriso e aqueles olhos escuros e excessivamente brilhantes me disseram tudo - eram olhos vidrados. Uma expressão que vi tantas vezes na vida e que é sempre a mesma, não importa a droga. A única coisa que muda é a moldura da expressão. A pessoa pode ter os cabelos lisos, crespos, estar mais ou menos pálida, mas aqueles olhos e aquele sorriso são sempre iguais. É uma ausência, aquela pessoa não está mais ali e pode ser que nunca volte. É uma expressão que eu arriscaria dizer semelhante a dos loucos, afinal de contas, dizem que um louco está fora de si. Naquela hora não senti medo de ser assaltada ou qualquer coisa eu só queria sair de perto. Senti uma dor no peito e comecei a ficar tonta. Tentei correr pra casa o mais rápido possível para esquecer que um dia não foi um desconhecido que vi assim, mas sim vários amigos, meu pai... Desejar que nada disso tivesse acontecido, que eu nunca tivesse sabido. Mas isso não é possível. Depois que alguém decide por esse caminho, resta aqueles que ficaram de fora esperar o fim da 'viagem' para contar mortos e feridos e saber quem volta e quem não voltará. Lamentar eu já sei que é perda de tempo, muitas vezes quem se lamente e se culpa não tem nada para se culpar. Quantas vezes eu verei essa face novamente?